Alguns anos ficam na história com o peso de uma época. Outros se dissolvem no ar, enquanto há alguns que a memória coletiva insiste em ver esquecidos. Por aqui, 1940 permanecerá historicamente como um ano bom. E, por mais paradoxal que seja, foi naquela data que o mundo viveu uma das maiores tragédias da estupidez humana: a 2ª Guerra Mundial.
Uma vez o professor Milton Vargas me disse: "A engenharia brasileira tem um antes e um depois; o depois ocorreu com o advento da criação da Companhia Siderúrgica Nacional, a CSN". A frase me induziu a observar que naquele início de década – uma década de conflagração, que depois se desdobraria em desequilíbrios e revoluções sob o domínio do medo suscitado pela Guerra Fria – o Brasil começou a estruturar o processo de seu crescimento.
Se, de um lado, havia por aqui reflexos do conflito desencadeado pela Alemanha em várias partes do mundo, de outro, o País pretendia expandir a sua infraestrutura e, lastimavelmente, uma das saídas para essa possibilidade passava inevitavelmente pelo olho do furacão.
Até fins de 1930, a indústria siderúrgica brasileira era acanhada, embora a capacidade interna de produção de ferro e aço registrasse alguma evolução. Diversas usinas novas estavam aparecendo, enquanto outras se expandiam por conta de investimentos realizados por empresas como a Companhia Ferro Brasileiro, Belgo Mineira, Siderúrgica Rio Grandense e Usina Siderúrgica e Laminadora Nossa Senhora Aparecida e Villares & Cia., em São Paulo. Para crescer, o País precisaria produzir suficientemente para o mercado interno e para a exportação.
Consciente dos problemas que adviriam para acelerar essas operações, Getúlio Vargas acatou uma sugestão do ministro Mendonça Lima e mandou o então tenente-coronel Edmundo de Macedo Soares à Europa a fim de verificar duas coisas: 1. Como atrair capitais externos para o Brasil e 2. Como adotar um programa de exportação do minério de ferro brasileiro para o continente europeu. Foi aí que a United States Steel Co. entrou na história, se revelando interessada em participar do programa de nascimento da siderurgia brasileira.
A parceria, do ponto de vista de trabalho de técnicos nacionais e norte-americanos, resultou na criação, em 1939, da Comissão Preparatória do Plano Siderúrgico Nacional. Em março do ano seguinte seria criada a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional, que sedimentaria as bases da primeira usina brasileira de grande porte. Ela seria construída em Volta Redonda.
Mas, implantar essa usina não foi nada fácil. O governo Getúlio Vargas negociou com os norte-americanos um empréstimo de US$ 20 milhões para a aquisição de máquinas para colocar a planta em funcionamento. Em troca, o Brasil deveria permitir que os Estados Unidos instalassem bases militares no Nordeste. Foi um Deus nos acuda. A ira dos nacionalistas se projetaria década afora. Contudo, foi em cima de compromissos dessa ordem, que no dia 9 de abril de 1941 seria fundada a CSN.
Ainda como reflexos daquele ano bom – 1940 – cuidava-se da criação da Companhia Vale do Rio Doce, hoje apenas Vale. A empresa seria organizada com dois vetores básicos: a Estrada de Ferro Vitória a Minas, que seria administrada por brasileiros, e o departamento das Minas de Itabira, que seria administrado por brasileiros e norte-americanos.
Histórico da criação da Vale registra que de junho de 1942 aos primeiros dias de janeiro de 1943, a companhia foi dirigida por um brasileiro que, na prática, foi o braço de Juscelino na construção de Brasília: Israel Pinheiro. Suas tarefas principais eram administrar os bens incorporados ao patrimônio da União e da Estrada de Ferro Vitória a Minas; prosseguir as obras de prolongamento da ferrovia no trecho entre Desembargador Drumond e Itabira, em Minas Gerais; explorar as minas de ferro de Itabira; construir um embarcadouro especial e ampliar o porto de Vitória.
Apesar das negociações de Getúlio, envolvendo parceiros estrangeiros, no fundo ele conseguiu dar uma estruturação nacional às duas grandes empresas que comandariam o desenvolvimento do País a partir daquele ano bom: a CSN e a Vale. Esta, conforme um registro antigo, conseguiu produzir um milagre: transformou uma atividade considerada, então, unanimemente predatória – a mineração – em uma atividade que instigaria, sob múltiplas formas, sobretudo no campo da engenharia, o desenvolvimento brasileiro.
Frase da coluna
"O líder, na área da engenharia, tem de ser enxuto na cabeça. Afinal, é dela que emanam as diretrizes, a filosofia, os conceitos e os procedimentos. Cada líder é responsável pelo próprio negócio, mas precisa ter em vista, na contrapartida à descentralização de decisões, o pensamento e as diretrizes da liderança central".
De Ricardo Pessoa, presidente da UTC Engenharia, que acaba de comprar a Constran.*
Fonte: Estadão