O acordo tripartite, entre governo, empresários e trabalhadores, para resolver questões trabalhistas de obras do PAC, chega atrasado. Ele foi feito para evitar repetição das greves ocorridas no começo do ano passado em Jirau e Santo Antônio, onde os trabalhadores novamente cruzaram os braços. E o mesmo aconteceu em Belo Monte e Teles Pires
Nildo Carlos Oliveira
O acordo foi celebrado no começo de março último no Palácio do Planalto. Presentes, além da presidente Dilma Rousseff, representantes das maiores empresas de construção do País, lideranças setoriais (Sindicato Nacional da Construção Pesada – Sinicon e Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC) e de sindicatos de trabalhadores.
O movimento em favor de medidas conciliadoras em canteiros de obras, predominantemente aqueles do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), começou bem antes, desde que uma comissão tripartite foi formada para acompanhar o restabelecimento das condições de trabalho, em março do ano passado, nos canteiros daquelas duas hidrelétricas, sobretudo em Jirau, onde se registraram cenas de vandalismo e alojamentos e ônibus foram queimados.
Naquele caso, o movimento reivindicatório, que nasceu colocando em pauta questões consideradas legítimas – reajustes acertados, isonomia no tratamento entre funções iguais, melhoria na alimentação etc., – derivou para práticas de violência contra as instalações do canteiro, com a destruição de dezenas de ônibus utilizados no transporte do contingente de operários. Constatou-se, depois, que os gestores das obras nas duas usinas aparentemente não souberam identificar, por antecipação, o inconformismo dos operários, de modo a neutralizar, na raiz, os motivos das paralisações.
Com a retomada da normalidade das obras, no ano passado, foi dado andamento aos estudos para a montagem do acordo tripartite, que veio a ser celebrado no dia 1º de março deste ano, no Palácio do Planalto, com participação das três partes intervenientes – governo, empresariado e trabalhadores.
A presidente da República reconheceu que o acordo não eliminava diferenças de abordagem dos problemas trabalhistas, embora tivesse a peculiaridade de superá-las a partir do diálogo entre as posições divergentes. Ela fez uma análise das conquistas dos trabalhadores desde 2003 salientando que, daquela data em diante, o salário mínimo registrou aumento real de 66%, sendo verdade, segundo afirmou, que “nós criamos 17,5 milhões de empregos com carteira assinada” e que “encerramos 2011 com o menor índice de desemprego da história: apenas 4,7%”. Ela assegurou que isso mostrava a situação privilegiada do Brasil em relação a outros países, “principalmente os desenvolvidos”.
Na mesma ocasião, a presidente destacou os investimentos nas obras do PAC, em “especial os R$ 40 bilhões do PAC 2 e os R$ 125,7 bilhões em processo de mobilização para a contratação de 2 milhões de moradias do programa Minha Casa, Minha Vida”. Alertou, em seguida: “Temos a Copa e a Olimpíada e, dentro da Copa, o PAC Mobilidade no qual se incluem as obras dos metrôs, VLTS e BRTs”.
Nesse cenário, o acordo tripartite incorporaria novos procedimentos de organização do trabalho da indústria da construção e criaria um “novo paradigma nas relações que, para esse fim, estabelecem os trabalhadores, empresários e o governo”. Ele ampliaria as garantias legais dos trabalhadores em relação à saúde e à segurança, aboliria a figura do “gato” como intermediador de mão de obra, e obrigaria as empresas a investirem na formação e qualificação profissional.
O acordo, no entanto, chegou tarde aos canteiros de Jirau e de Santo Antônio, onde eclodiram duas greves, consideradas de imediato ilegais pela Justiça do Trabalho. A greve de Jirau começou no dia 8 de março e, a de Santo Antônio, no dia 20 do mesmo mês, aparentemente para apoiar o movimento iniciado no outro canteiro.
A usina de Jirau, que deve gerar 3.750 MW, reúne, entre os seus acionistas, a GDF Suez, Camargo Corrêa, Eletrosul e Chesf, enquanto a usina de Santo Antônio, com previsão de 3.150 MW, é controlada por Furnas Centrais Elétricas, Andrade Gutierrez, Odebrecht, Cemig e o Fundo de Investimento e Participações (FIP) Amazônia Energia.
As empresas receberam dos operários uma pauta de 10 itens, em que eles reivindicam aumento salarial de 30%, cinco dias de folga a cada 70 dias trabalhados, aumento do valor da cesta básica de R$ 170 para R$ 350, plano de saúde gratuito extensivo a familiares, aumento adicional por periculosidade e insalubridade e disponibilidade de um médico ginecologista no posto de saúde do canteiro de obras. As empresas, em contrapartida, apresentaram uma proposta de aumento salarial de 5% e o abono dos dias parados, com a promessa de que, depois da volta ao trabalho, as negociações continuariam. Os trabalhadores recusaram a oferta.
GREVE EM CANTEIROS
DE OBRAS
Apesar do empenho do governo, empresários e trabalhadores para resolver este episódio e criar meios para a solução de eventos semelhantes, nesses ou em outros canteiros de obras, o que ressalta, da análise desse conjunto de fatores, é que as partes envolvidas não se espelham em exemplos e nas experiências do passado para a construção de acordos trabalhistas duradouros.
Em trabalho anterior, publicado nesta revista (OE 496), salientamos que greves sempre existiram e vão continuar a existir como consequência natural de motivações políticas legítimas ou ilegítimas ou por motivos legitimamente reivindicatórios. Elas eclodem nas democracias ou nas ditaduras e, detectadas suas motivações, jamais podem ser tratadas como problema de polícia.
Mas, nos acontecimentos que paralisaram Jirau pela primeira vez, a ideia que se tinha era a de que os gestores da obra foram apanhados de surpresa e não tiveram a percepção necessária para se antecipar aos fatos. Pelo visto, o mesmo aconteceu nesta segunda paralisação.
Em passado recente, estatais como a Cesp, Eletronorte, Cemig, Chesf e outras, conseguiram realizar obras de engenharia, que agregavam grandes contingentes de trabalhadores, antecipando-se, muitas vezes, a movimentos reivindicatórios. Identificavam, na origem, inquietações sociais e conseguiam resolvê-las antes que elas extravasassem e, eventualmente, saíssem de controle.
Agora, embora o acordo tripartite haja chegado atrasado em Jirau e Santo Antônio, a expectativa ent
re empresários da engenharia e da construção, é de que ele prospere e, amparado nas liberdades públicos e na maior compreensão dos direitos sociais, seja o caminho para a conciliação nos canteiros de obras de pequeno, médio e grande portes.
Fonte: Padrão