Em engenharia, nem sempre obra pequena significa trabalho menor. Nesse sentido, as três pequenas centrais hidrelétricas Serra da Prata – Cachoeira da Lixa, Colino 1 e Colino 2, – construídas no rio Jucuruçu do Sul e no córrego Colino – todas em um raio de 2,5 km uma da outra no extremo sul da Bahia, parecem confirmar a regra.
Pertencentes à Renova Energia, as três unidades hidrelétricas irão gerar juntas 41,8 MW – Cachoeira da Lixa, 14,8 MW; Colino 1, 11; MW e Colino 2, 16 MW.
Elas exigiram cuidadosas sondagens geológicas, uma correta definição executiva e a montagem de infra-estrutura de apoio para que as barragens, as estruturas de concreto e as montagens eletromecânicas fossem executadas segundo o cronograma e dentro das exigências técnicas de qualidade previstas.
As obras foram desenvolvidas pelo Consórcio Construtor Serra da Prata, constituído pelas empresas Norberto Odebrecht S. A., responsável pela execução das obras civis e líder do Consórcio, Semi Engenharia Ltda., responsável pelas montagens eletromecânicas, Hisa Hidráulica Industrial S. A., responsável pelo fornecimento dos equipamentos e Intertechne Consultores S. A., elaboradora dos projetos pré-executivo e executivo. A Leme Engenharia foi a responsável pela fiscalização do projeto, como engenharia do proprietário. As obras se encontram, na prática, concluídas. No andamento dos trabalhos, as dificuldades ficaram por conta da especificidade de cada empreendimento, da topografia acidentada e da diversidade geológica da área.
Cachoeira da Lixa
A barragem dessa PCH consiste de um maciço de solo compactado com 18 m de altura máxima e 175 m de extensão. Os espaldares foram executados com taludes na face de montante, apresentando proteção em rocha tipo rip-rap. .
O vertedouro é uma soleira livre em perfil Creager situado à direita do barramento. A estrutura foi dimensionada para escoar até 110 m³/s, com uma sobreelevação máxima de 2,6 m no reservatório. Por conta desse condicionante, o vertedouro tem 10,6 m de largura na elevação da soleira. O canal de entrada, com 170 m de extensão e 13,2 m de largura, é escavado em rocha.
O desvio do rio efetivou-se por um túnel em rocha, em seção arco-retângulo com 2,9 de largura e 3,8 de altura, numa extensão de 100 m, escavado na margem direita e dimensionado para escoar até 40 m³/s. Para o fechamento do desvio foi projetada uma estrutura com uma comporta stop-log com 2,9 de largura e 3,8 m de altura.
O canal de adução situa-se à esquerda da barragem. O trecho inicial, de 170 m de extensão, foi escavado em rocha. Já a tomada de água, construída em concreto armado, está posicionada no final do canal de adução, estabelecendo a transição entre esta estrutura e o conduto forçado. A casa de força abriga duas unidades geradoras tipo Francis de eixo horizontal.
Colino 1
Colino 1 foi projetada para ser construída no córrego do mesmo nome, afluente da margem direita do rio Jucuruçu do Sul. Os trabalhos de construção foram precedidos de cuidadosas investigações geológicas (11 sondas mistas, duas rotativas e três a percussão), além de um levantamento geofísico que inclui 14 linhas investigatórias.
Para o barramento foi executada uma barragem com maciço de solo compactado com 11 m de altura máxima e 70 m de extensão, adotando-se um sistema de proteção com rocha tipo rip-rap. Para o controle de infiltrações eventuais, previu-se um filtro vertical e um tapete drenante.
O desvio do rio, para a execução dessa obra, foi efetuado por um canal lateral, de 165 m de extensão, escavado em rocha na ombreira direita, dimensionado para um escoamento da ordem de 67 m³/s no pico.
O vertedouro, com crista na elevação de 257 m, posicionado na margem esquerda perpendicularmente ao eixo do barramento, foi dimensionado para escoar até 186 m³/s, com uma sobreelevação máxima de 3 m no reservatório. A estrutura da tomada de água encaixa-se no talude de escavação em rocha, a montante do emboque do túnel de adução. Foi feita em concreto armado com 11,5 m de altura e 5,8 m de largura.
A casa de força abriga também duas unidades geradoras tipo Francis. A exemplo da casa de força da Cachoeira da Lixa, a fundação assenta-se sobre solo chamado “saprolítico”. Tem 26,8 de largura e 11,6 m de comprimento.
Colino 2
Na PCH Colino 2, a barragem de terra é formada por um maciço de solo compactado com 27 m de altura e 165 m de comprimento, disposta no leito do rio e ombreiras. O vertedouro tipo tulipa, bem como a tomada de água, o túnel de adução, o conduto forçado e a casa de força, que abriga duas unidades geradoras tipo Francis, foram construídos na margem direita.
O vertedouro foi dimensionado para escoar até 147 m³/s com sobreelevação de 2 m no reservatório. A tulipa tem 10,2 m de diâmetro na elevação da soleira. O desvio do rio foi realizado pelo túnel-calha do vertedouro, com capacidade para escoar até 66m³/s.
A estrutura da tomada de água, em concreto armado, situa-se no talude de escavação em rocha, a montante do emboque do túnel de adução.
As soluções mais interessantes
No conjunto, e em razão das especificidades de cada uma, as três PCHs exigiram soluções de engenharia interessantes. Os exemplos:
Em Colino 1 foi projetado um vertedouro lateral que, durante a etapa de desvio, serviu também como canal de adução. Além disso, o túnel de adução passou por vários níveis de alteração de rocha, que exigiram soluções de revestimento compatíveis com a segurança da obra e prazo de execução.
Em Colino 2, o vertedouro tipo tulipa e a estrutura vertente foram construídas na entrada de uma galeria, que também pôde ser usada para o desvio do rio. E em Cachoeira da Lixa e Colino 2, as condições de fundação das casas de força fugiram ao padrão convencional, uma vez que estão assentadas sobre solo, em razão da grande profundidade do topo rochoso.
O engenheiro Sérgio Pimenta, coordenador da engenharia do proprietário pela Leme Engenharia, diz que o conjunto das três PCHs “é um marco importante no suprimento de energia do sul da Bahia”. Ele vai assegurar a geração adicional de 42 MW ao sistema Coelba, a ser transportada pela linha de transmissão 138 kV entre as subestações Serra da Prata e Itamaraju, igualmente propriedade da Renova Energia.
A fase da construção
Para executar essas obras simultaneamente, a Construtora Norberto Odebrecht (CNO) decidiu utilizar o mesmo canteiros industrial e administrativo e as mesmas equipes e equipamentos. A PCH Cachoeira da Lixa foi iniciada em setembro 2006 e concluída em fevereiro deste
ano. Colino 2, também inteiramente terminada, teve as obras realizadas entre dezembro de 2006 e abril de 2008. Colino 1 está 90% concluída, permanecendo em obras de novembro de 2006 a junho de 2008.
A construtora responde pela execução das obras civis, gerenciamento e administração geral da execução do contrato pela modalidade EPC, e pela construção e manutenção das instalações do canteiro e dos acessos viários. Segundo os engenheiros Marcelo de Freitas Fonseca, diretor de Contrato, e Aníbal Hermes Tavares Boy, gerente de Produção, a metodologia adotada para a construção das três PCHs foi similar, envolvendo movimentação de terra, escavação a céu aberto e subterrânea, esta com perfuratrizes pneumáticas manuais.
“Não foi utilizado um jumbo de perfuração devido à indisponibilidade de energia elétrica nos primeiros cinco meses de obra, por parte da concessionária elétrica”, explica Aníbal. Foi empregada central de concreto tipo dosadora (Personal 5), sendo o material transportado em caminhões do tipo betoneira.
Apesar do planejamento integrado e da opção por uma metodologia que se pode dizer convencional, a Odebrecht teve que trabalhar duro por cinco meses para implantar uma base de apoio. Isso porque as PCHs Serra da Prata localizam-se no extremo sul da Bahia, quase na divisa com Minas Gerais e Espírito Santo, com acesso pela BR-101 a partir do município de Teixeira de Freitas (BA). Daí até as obras são 110 km de distância, sendo os últimos 28 km de estrada de terra, muito acidentados, apresentando desníveis de 120 a 460 m. Inicialmente, o acesso era feito através de mulas e cavalos.
A construtora teve que executar 22 km de vias de acesso e construir quatro pontes de concreto, duas dentro do perímetro da obra, com extensão de 12, 25, 30 e 23 m, para poder chegar ao local exato dos trabalhos. “Cada ponte recebeu a solução construtiva mais apropriada em função dos vãos: duas são em pré-moldados e duas têm vigas metálicas”, esclarece Aníbal.
Nesse período inicial de setembro de 2006 a fevereiro de 2007, a energia elétrica era fornecida por geradores a diesel. “Somente no sexto mês, após a execução de 9 km de redes da linha de transmissão de 1,38 kV e das benfeitorias em 22 km, é que chegou o fornecimento de energia”, diz.
Ele destaca que as dificuldades começaram a ser enfrentadas desde a etapa do estudo da obra, quando foi mobilizada uma equipe com profissionais considerados estratégicos, experientes e comprometidos, não sendo subestimado o fato de que eram PCHs. “Nesta fase foram definidos os planos de ataques, por frentes de serviço e metodologia, que foram implementados conforme o planejamento”, conta. Aníbal ainda destaca que essa etapa, que equivaleu de 30 a 35% de todo o trabalho de construção das pequenas hidrelétricas, foi fundamental para se criar os canteiros para 650 pessoas trabalharem e 250 pessoas morarem, com água potável, alimentação, medicina e segurança do trabalho.
As PCHs têm uma queda bruta de 250 m no caso de Cachoeira da Lixa, 200 m de Colino 2 e 140 m de Colino 1, pois estão localizadas em três cotas distintas. Elas estão sendo construídas nos municípios de Itamaraju, Vereda e Jucuruçu. Lixa está no rio Jucuruçu e Colino 1 e 2 no Colino. Cachoeira da Lixa e Colino 1 têm vertedouro do tipo soleira livre, e Colino 2 é do tipo tulipa. As três com barragem em solo. Lixa tem canal de adução, enquanto Colino 1 e 2 têm túnel de adução.
De acordo com o gerente de Produção, a escavação subterrânea dos túneis em rocha e solo, totalizando 1.700 m; a execução das três barragens em solo, em uma região com alto índice de precipitação; e a execução dos condutos forçados, em especial o da PCH Cachoeira da Lixa, com queda de 250 m e extensão de 730 m, foram outras etapas que tiveram de ser vencidas com planejamento adequado.
Horta comunitária
A Odebrecht cultivou, com apoio da Renova Energia, uma horta comunitária para dar emprego a 40 mulheres moradoras do entorno, que receberam apoio e qualificação para o trabalho, contando com a assistência de um engenheiro agrônomo especialmente contratado. Com a produção, foi possível passar a abastecer a cozinha do canteiro de obras com produtos orgânicos. O terreno foi cedido pelo cliente e está próximo ao canteiro, tendo sido construída uma barragem de acumulação para garantir a irrigação.
“O projeto não visou lucros ou economia na aquisição das hortaliças. O objetivo foi investir na geração de empregos e a subsistência da comunidade, que através da distribuição direta eliminaria a intermediação dos distribuidores e o preço se manteria estável, gerando assim os lucros, repassando para a construtora apenas os custos com a implantação da horta”, informa Regina Celi da Silva, engenheira de Segurança da CNO.
Fonte: Estadão