Com projeto de arquitetura favorecido pela topografia e localização, engenhosas soluções estruturais, emprego de equipamento não convencional nas fundações e uso do steel deck, o consórcio construtor põe o Castelão, em Fortaleza (CE), na vanguarda dos estádios para a Copa
É uma conjunção de fatores a que se soma a modalidade de contratação. A escolha da PPP (parceria público-privado), na medida em que rompe a barreira de eventuais questões burocráticas, vem ajudado muito o consórcio construtor, formado pelas empresas Galvão Engenharia e Construtora Andrade Mendonça, no propósito de assegurar e até de antecipar as obras de reforma do Estádio Plácido Castelo, o Castelão. Elas vêm sendo executadas segundo as recomendações da Federação Internacional de Futebol (Fifa) e adotando medidas para a obtenção da certificação Leadership in Energy and Environmental Design (Leed).
O arquiteto Héctor Vigliecca (Vigliecca & Associados Arquitetura e Urbanismo) diz que, quando ele e equipe (arquitetos Luciene Quel e Ronald Werner) assumiram o projeto de arquitetura para reformar o estádio, consideraram um aspecto muito positivo: ele fora construído na intersecção das avenidas Deputado Paulino Rocha e Alberto Craveiro, a 15 minutos do centro da cidade e a dez minutos do Aeroporto Internacional Pinto Martins. Beneficiavam-no a proximidade com o Parque Ecológico do Cocó, que é uma reserva natural dentro de Fortaleza cortada pelo rio Cocó; o funcionamento do zoológico e de outros equipamentos de infraestrutura de serviços, tudo numa região privilegiada pela presença de áreas verdes, que se revela um novo vetor de crescimento da capital cearense.
Além do reconhecimento dessas variáveis, que valorizam o sítio do empreendimento, havia outro ponto que os arquitetos levaram em conta: ali, diferentemente do que ocorreu em outros estádios das cidades-sede da Copa de 2014, a demolição não deveria ser colocada como a solução mais fácil. A imagem do estádio anterior, que permanece no imaginário do cidadão de Fortaleza, poderia ser preservada. E, a vida útil da obra já existente, poderia ser estendida por mais 80 anos. Por que não? Para isso ela teria de receber as reformas que a adequassem às normas da Fifa e das atualizações que a mantivessem como um referencial importante para a cidade.
O projeto de arquitetura, considerando aqueles pormenores, previu que o estádio deverá receber cobertura para proteger simultaneamente o público que para lá vai afluir em dias de jogos, e a própria estrutura. Será dotado de uma infraestrutura de serviços, incluindo restaurantes, para a manutenção de atividades permanentes. Contribuirá para isso o funcionamento da Secretaria dos Esportes, projetada pela mesma equipe de arquitetos, e a operação futura de outros órgãos públicos e de estabelecimentos de serviços. Assim, as atividades permanentes não se esgotarão com o final dos jogos da Copa, mas se prolongarão como uma consequência da animação urbana local.
Ali, a arquitetura articulou-se com a engenharia de cálculo para que a estrutura da cobertura desempenhe outras funções: suporte a cobertura e, ao mesmo tempo, proporcione apoio à estrutura existente a fim de que esta, com a vibração provocada pelo comportamento das torcidas, não seja danificada.
Héctor Vigliecca informa que estádios projetados em décadas passadas – e o do Morumbi, em São Paulo, projeto do arquiteto Villanova Artigas, não foge à regra – tiveram, no processo de reforma, de instalar amortecedores, em razão das mudanças das atitudes dos torcedores. No caso do Castelão, por conta da engenhosidade do projeto estrutural a cargo do engenheiro Flávio d´Alambert, foi especificada uma estrutura de cobertura que dispensa amortecedores e garante conforto e segurança ao público.
Em virtude das adequações às normas da Fifa, a parte central do estádio anterior teve de ser demolida. A rigor, essa parte já se encontrava desconectada do restante da estrutura. A demolição veio a permitir as mudanças necessárias no setor central, que acabou se tornando outra das novidades do projeto. É ali que estão concentrados as áreas vips e os demais elementos de serviços de apoio aos serviços.
Os problemas de acesso e de segurança foram resolvidos, a partir do projeto, com a construção de uma praça com 70 mil m² de área em volta do estádio. Sob a praça foi concebido estacionamento que disponibiliza cerca de 2 mil vagas e cujo pé direito permite até a circulação de ônibus. A praça é aberta e foi desenhada para proporcionar múltiplas atividades, incluindo festas e outras manifestações da população. Escadarias monumentais, calculadas segundo projeto específico de fluxo, dão acesso aos diversos pontos do estádio. A praça pode conectar-se futuramente a outros empreendimentos da mesma gleba. Serão empreendimentos potenciais que podem se beneficiar do uso do estacionamento e ajudar a conferir, ao conjunto, a presença contínua do público.
A SOLUÇÃO ESTRUTURAL
O engenheiro calculista Flávio d´Alembert, que possui notável currículo de participação em obras no País (foi ele um dos calculistas do Estádio João Havelange, o Engenhão, no Rio de Janeiro), informa, em depoimento à revista O Empreiteiro, que o projeto estrutural do Castelão nasceu da interação com o projeto arquitetônico e que suas principais premissas foram: otimização do uso dos materiais, facilidade de montagem e a criação de uma identidade própria para o estádio.
Como o estádio objeto da reforma era uma edificação antiga, projetada segundo outros conceitos de desempenho estático e dinâmico, tornou-se necessária uma intervenção estrutural para corrigir problemas de desconforto dos usuários durante os jogos.
Lembrou o calculista que o consórcio construtor, atento às exigências da Fifa, formou uma equipe de engenheiros estruturais formada por ele, d´Alambert, para calcular as estruturas de aço; pelo engenheiro Marcelo Silveira, para as estruturas de concreto, e pelo engenheiro Sérgio Stolovas para a análise dinâmica. “Aproximadamente 15% do estádio foram demolidos, surgindo, então, nova área para cumprir as exigências da Fifa, com lajes e pórticos. A nova estrutura deveria atender às variadas tipologias estruturais e prover integração total com a estrutura existente, corrigindo as deficiências dinâmicas atuais, e permitindo, ao mesmo tempo, segurança a todos os espectadores sentados”, diz o engenheiro.
O projeto estrutural considerou, além daqueles aspectos, a necessidade de favorecer a agilização da constru&cc
edil;ão, o uso de materiais e técnicas existentes no Brasil tanto para a estrutura como para a cobertura, as possibilidades de ajustes de obra, já que haverá grande interação com as estruturas existentes, e correção do comportamento dinâmico dos pórticos atuais. Os novos pilares da cobertura, em estrutura tubular, têm vínculo com os pórticos existentes e promovem a amortização dinâmica quando necessário. Os pórticos de concreto dão apoio lateral aos pilares metálicos, ampliando a margem de segurança.
Em seu depoimento, o engenheiro enfatiza o trabalho conjunto com o arquiteto Hector Viglecca e equipe, salientando que não é por acaso que o Castelão é uma das obras mais adiantadas da Copa, uma vez que ela resulta da “sinergia de empreiteiras competentes e comprometidas com projetos arquitetônicos e estruturais calibrados para a nossa realidade”.
Sobre a técnica a ser empregado na montagem da estrutura, diz D´Alambert: “Primeiro serão levantados 60 pilares treliçados e apoiados com pinos nas bases inferiores e nos apoios laterais dos pórticos de concreto. Depois, ocorrerá a montagem das treliças com mais de 50 m e seus travamentos, permitindo, logo em seguida, a colocação do sistema do telhado. Sem dúvida, a montagem será executada no prazo previsto e logo o Castelão ganhará uma nova identidade.”
AS OBRAS NO CANTEIRO, PASSO A PASSO
O engenheiro Waldemar Biselli, gerente de Contratos da Galvão Engenharia no Castelão, atribui também a rapidez da obra ao planejamento e ao trabalho, coordenado, das equipes: “Elas, as equipes, foram montadas com pessoal muito experiente em obras, não necessariamente em arenas esportivas, mas em serviços similares. E, como o nosso negócio foi articulado via PPP, pudemos adotar decisões que, em outras circunstâncias, poderiam ser muito morosas.”
O engenheiro destaca: “Tenho certeza de que seremos o primeiro estádio a ser entregue pronto para entrar em funcionamento. A entrega ocorrerá em dezembro deste ano.”
A Copa de 2014 é a chamada Copa Verde. Por isso, o conjunto dos trabalhos leva em conta as exigências para a certificação junto à empresa Otimização Energética para a Construção (OTEC), para buscar a certificação Leed.
Ficou previsto, com aquele fim, que todo o material da demolição da parte da estrutura deveria ser reciclado para reaproveitamento e que a terraplenagem seria mínima. E que o material excedente com a movimentação de terra teria também uma finalidade ajustada ao propósito da sustentabilidade: seria usado no reaterro para a construção da arquibancada inferior. Foi realizado um anel de terraplenagem e, em seguida, no terreno compactado, executados a arquibancada e os degraus, seguindo-se os revestimentos segundo as especificações do projeto. Evitou-se, dessa forma, o uso de elementos pré-moldados.
Optou-se, segundo o engenheiro, por fundações diretas, favorecidas pelas condições geológicas locais. Mas, até nessa fase, o consórcio encontrou uma solução criativa que ajudou a apressar os trabalhos: em vez de utilizar apenas bate-estacas convencionais, que têm capacidade para a cravação de dez ou 12 estacas/dia, cada um, empregou uma máquina finlandesa que, acoplada a uma escavadeira, cravou até 100 estacas/dia. Ao todo, ali foram cravadas 4 mil estacas.
O gerente de Contratos diz que, embora as obras tenham sido iniciadas em dezembro de 2010, o consórcio só pode efetivamente entrar no estádio no dia 31 de março. É que o governador Cid Gomes fizera um acordo com as empresas construtoras para que o estádio continuasse a ser usado para os jogos do campeonato cearense, até essa data. Nesse período, as equipes trabalharam perifericamente, construindo obras do conjunto, dentre elas, a Secretaria dos Esportes, edificação de 6 mil m² iniciada em dezembro de 2010 e entregue, concluída, em agosto de 2011.
Além dos serviços de reciclagem, do uso de material da terraplenagem para construir a arquibancada inferior e o processo para acelerar o estaqueamento, o consórcio iniciou os trabalhos da estrutura da cobertura, que se apoia em 60 pilares, parte dos quais já está na obra.
Para construir o estacionamento com capacidade para cerca de 2 mil vagas, o consórcio decidiu utilizar pilares pré-moldados produzidos no canteiro e vigas metálicas. Optou ainda pelo emprego do sistema steel deck na execução das lajes da cobertura do estacionamento, sobre a qual vai funcionar a praça de 70 mil m² destinada a múltiplo uso. O sistema steel deck se articula muito bem com processos construtivos industrializados e entre suas vantagens se incluem as seguintes: permite ótima qualidade no acabamento das lajes; não emprega escoramento; economiza materiais; funciona como plataforma de serviço e oferece facilidade para a passagem de dutos das diversas instalações.
Waldemar Biselli informa que atualmente, fase do pico das obras, o consórcio opera ali com um contingente de 1.300 pessoas. Contudo, ele começou e fechou o ano de 2011, com cerca de 800 pessoas.
David Douek, diretor da Otimização Energética para a Construção (OTEC), informa que, dentre as medidas adotadas na reforma do Castelão e que o colocam no caminho para a obtenção da certificação Leed, se incluem: uso de sistema eficiente de ar condicionado cuja característica é a redução de consumo de energia para a refrigeração dos ambientes; iluminação eficiente com baixa potência instalada; utilização de gases refrigerantes não nocivos à camada de ozônio, e que também não contribuem para o aquecimento global; coberturas e pisos com alto índice de reflexão solar de forma que reduz o efeito “ilha de calor” (elevação de temperatura em concentrações urbanas); reuso de águas pluviais para bacias e mictórios; comissionamento dos sistemas e utilização de tintas e vernizes com baixo índice de compostos orgânicos voláteis.
FICHA TÉCNICA
Obra: Reforma do Castelão
Construção: Consórcio Construtor formado pelas empresas
Galvão Engenharia e Construtora Andrade Mendonça
Estágio das obras: 52,02% concluídos
Custo: R$ 518,6 milhões
Início das obras: dezembro de 2010
Data prevista para entrega: dezembro de 2012
Capacidade do legado: 66.000 espectadores
Capacidade Fifa: 64.000 espectadores
Área de intervenção: 230.000 m²
Área construída: 155.000 m²
PROJETO
Projeto: 2008-2011
Arquitetura: Vigliecca & Associados
(arquitetos Héctor Vigliecca, Luciene Quel e Ronald Werner)
Estrutura da cobertura: Projeto Alpha
(engenheiro Flávio d´Alambert)
Estrutura de concreto: MD Engenharia
(engenheiro Marcelo Silveira)
Estrutura de aço
: Pengec Engenharia e Consultoria
(engenheiro Rodrigo matos)
Instalações elétricas especiais: Techna Consultoria
(engenheiro Ednaldo Costa)
Instalações hidrosanitárias: Fase Engenhharia
(engenheira Eliane Carvalho)
Instalações de ar condicionado: Comaru (engenheiro Pedro Comaru)
Instalações e consultoria acústica: Audium
(engenheiro José Dionísio Neto)
Paisagismo: engenheiros Rodolfo Geiser e Christiane Ribeiro
Consultoria de fluxo de multidões: SDG
(engenheiro Mike Nicholson)
Consultoria de esquadrias: Arqmate Consultoria
(engenheira Maria Teresa Faria e Godoy)
Consultoria em conforto térmico: engenheira Anésia Barros Frota
Consultoria para Leed: OTEC/Caterina Chippar
Outros projetistas:
Gusmão Engenheiros Associados
Greenleaf Gramados
Outras empresas participantes da obra:
Artepiso, Sert Engenharia, Normatel Engenharia Ltda., Primare Engenharia, Grupo LPM, Beton Tecnologia em Concreto, Thyssen Elevadores, Fábio Bruno Construções, Alpe Estruturas e
Escoramentos, Gerdau Aços Longos, Martifer Construções
Metálicas Ltda., Solotrat Engenharia, Engemix e Rótula Metalúrgica
Fonte: Padrão