O Brasil ensaia seu “pulo do gato” para tentar alcançar o tão sonhado “espetáculo” do crescimento socioeconômico. Enquanto isso, outros países já encontraram suas fórmulas para esse fim e desfrutam de melhores condições e desempenho no cenário mundial. Um exemplo disso, e que pode ser seguido pelos brasileiros, é a Espanha. Na década de 70, no final da era do ditador Francisco Franco, que durou 36 anos, o país exibia quadros semelhantes aos do Brasil, com uma economia subdesenvolvida, grande presença de estatais, disparidades regionais, desemprego e baixa renda per capita. Mas hoje, a situação daquele país é completamente diferente. O crescimento da Espanha é ascendente há mais de 30 anos. O Produto Interno Bruto (PIB) já beira US$ 1,2 bilhão e evolui, desde 1994, dois anos após a capital Barcelona ter sediado os Jogos Olímpicos, à média de 3,4% ao ano. Qual a receita para tal sucesso? Segundo Nuria Pont, gerente geral da Câmara Oficial Española de Comercio en Brasil (entidade formada por empresários e profissionais interessados nas relações bilaterais de negócios entre a Espanha e o Brasil), o governo espanhol promoveu rigoroso ajuste nas contas públicas, redução da taxa de juros e as pessoas começaram a gastar mais. O crescimento do consumo e a oferta de produtos baratos deram mais impulso à economia. O ambiente de crescimento e maior segurança originou uma nova categoria de consumidores, expostos às novidades internacionais e com maior poder aquisitivo. Propiciou também a expansão de empresas que souberam produzir produtos modernos a preços competitivos. O país ganhou a confiança dos investidores internacionais através de políticas estáveis e pelo ingresso na União Européia, fazendo com que a economia e, conseqüentemente, a renda per capita aumentassem gradativamente. Quando a Espanha passou a ser membro da União Européia, em 1986, o risco-país diminuiu e o fluxo de investimento estrangeiro cresceu. Assim, conseguiu consolidar a posição de país seguro para investimento. Ao longo do tempo, explica Nuria Pont, a Espanha contou com a vantagem dos 165 bilhões de euros que recebeu dos fundos que a União Européia destina aos novos membros. Além de ajudar nas políticas sociais, esse dinheiro serviu para financiar a renovação da infra-estrutura, com a implantação do trem de alta velocidade, o aumento da rede de autoestradas, a modernização dos aeroportos etc. O grande mérito da Espanha foi ter adotado uma estratégia de longo prazo e solucionado seus problemas um de cada vez. Os espanhóis não seguiram um modelo econômico milagroso e, sim, buscaram ganhar a confiança dos investidores internacionais, adotando políticas estáveis e ingressando no grupo de países com credibilidade. Mas antes da arrancada desenvolvimentista, o país calçou sua democracia com os chamados Pactos de Moncloa, uma série de acordos de consenso que estabeleceram, inclusive, as bases de uma disciplina fiscal e monetária.
PACTO DE MONCLOA
Quanto à possibilidade de um pacto, semelhante ao de Moncloa, ser viável hoje, Nuria pondera: “Veja bem, o contexto da Espanha na época era diferente da situação brasileira atual. A Espanha acabava de sair de uma ditadura e todos os partidos convergiram em nome da democracia. Já o Brasil, hoje, não atravessa uma transição de regimes políticos; pelo contrário, as instituições democráticas estão em pleno funcionamento, como comprovou a vitória do presidente Lula”, afirma. Segundo ela, no governo de Felipe González, houve um forte aumento do desemprego e redução dos salários da classe operária. “Porém, o Pacto de Mocloa foi possível e sobreviveu às tensões sociais devido ao apelo político da integração à Comunidade Européia e ao crescimento proporcionado pelo mercado europeu. Ou seja, o PSOE (Partido Socialista Operário Espanhol) venceu porque tinha a Europa como referência. É preciso analisar quem desempenharia esse papel no Brasil”, analisa Nuria. Mas, ainda assim, “o desenvolvimento espanhol, com certeza, pode ser modelo para o Brasil. A Espanha vinha de uma situação delicada, politicamente falando, e aproveitou o momento para planejar melhor o futuro. O Brasil deve fazer o mesmo – pensar em uma estratégia que envolva todas as esferas do governo, além dos setores públicos e privados”, sugere. Atualmente, Brasil e Espanha ainda guardam pelo menos uma semelhança, o porte de suas economias. No entanto, os espanhóis se encontram num estágio de desenvolvimento econômico superior. Para Nuria, o grande marco, principalmente no quesito visibilidade mundial, foram as Olimpíadas de Barcelona, em 1992. Os Jogos deram maior prestígio aos espanhóis, permitindo ao país encontrar um lugar de destaque no panorama internacional. Hoje, a Espanha é o segundo destino turístico do mundo. Antes de enfrentar o projeto olímpico, a Espanha não estava em situação muito cômoda. Tentando se recuperar de uma ditadura muito longa e se firmar, na década de 80, como um país em desenvolvimento, teve que fazer muitas mudanças. Os jogos, segundo Nuria, ampliaram a capacidade de o país planejar o futuro. “Creio que os Jogos Olímpicos possam ser considerados um divisor de águas no país. A infra-estrutura montada, a qualidade esportiva, o sucesso de público, o número de voluntários, enfim, toda a organização fez do evento um sucesso e, consequentemente, colocou a Espanha em uma posição de destaque que repercutiu em diferentes setores do cenário mundial”, afirma Nuria.
TRANSFORMAÇÃO URBANÍSTICA
Conforme a gerente, o investimento feito em Barcelona, capital da Catalunha, foi imenso. Desde construção de vias de acesso e novas linhas de metrô, à melhoria das redes de esgoto e restauração de monumentos históricos o avanço só foi possível graças e com a “desculpa” dos Jogos Olímpicos. “O turismo local só progrediu desde então e os projetos para desenvolver Barcelona não acabaram mais.” Há previsões para este ano, segundo Nuria, de novos investimentos em infra-estrutura, como portos e estradas, além de cuidados com o meio ambiente. Os jogos propiciaram uma transformação urbanística em toda Barcelona. A cidade foi aberta ao mar, com a recuperação das praias e a eliminação da linha férrea na costa, com seu deslocamento para o interior. Foram erguidas quatro áreas olímpicas distribuídas pela capital, possibilitando a toda população vivenciar as Olimpíadas. Um antigo bairro industrial foi desativado para a construção da Vila e do Porto Olímpicos, e foram construídas vias para desafogar o trânsito. Além disso, houve investimentos na melhoria do aeroporto, das telecomunicações e da rede de esgoto. Os benefícios conquistados com as Olimpíadas s
e refletiram por toda Espanha, principalmente sob o ponto de vista econômico. Os jogos olímpicos, ressalta Nuria, ajudaram a abrir ainda mais as portas para o desenvolvimento do país, já que a Espanha apostou em uma estratégia de longo prazo, que permitiu uma sucessiva geração de reformas. Nas últimas décadas, independentemente da sigla partidária que ocupou o governo, os princípios e investimentos acordados para a educação, saúde e infra-estrutura e outras garantias dos direitos de cidadania dos espanhóis foram mantidos como pilares da política econômica. VISIBILIDADE E CREDIBILIDADE Se seguir tal modelo, a tentativa de sediar os Jogos Olímpicos pode ser também uma alavanca para o Brasil ganhar visibilidade e credibilidade internacionais. No entanto, o País deve elaborar um plano estratégico que atenda a um modelo de cidade e a um modelo de cooperação entre todas as esferas de governo, além de englobar os setores público e privado. “A candidatura deve responder a um modelo de cidade harmonioso que, além de articular com o plano estratégico do governo, seja capaz de promover o desenvolvimento sustentável”, ressalta Nuria. Na Espanha, os Jogos Olímpicos foram realizados através de uma parceria entre a Prefeitura, o Governo da Província, o Governo da Espanha e o Comitê Olímpico Espanhol. Para viabilizá-los, foi criada uma empresa de sociedade anônima que garantiu a necessária agilidade para a renovação da cidade de Barcelona. O evento se destacou por permitir e exigir a concentração de esforços nos investimentos públicos e privados para resolver o déficit de infra-estrutura, com a integração do Projeto Olímpico ao Plano Diretor Estratégico da cidade. O Brasil já se candidatou quatro vezes para sediar as Olimpíadas, mas, por enquanto, não convenceu o Comitê Olímpico Internacional da viabilidade da realização dos jogos no País. Talvez, o sucesso dos Jogos Pan-americanos no Rio de Janeiro possa ajudar na melhor classificação do Brasil entre as cidades latino-americanas que têm se candidatado. Os jogos do Pan podem ser as portas para os projetos futuros do País e sua realização, sem dúvida, deixará legados ao Brasil. O espanhol Enric Truño, que comandou os jogos Olímpicos de Barcelona, foi contratado pelo governo federal para auxiliar na coordenação e na integração dos três entes governamentais e do Comitê Organizador dos Jogos (CO-RIO), para os Jogos Pan-americanos Rio 2007. No início deste ano, em entrevista à imprensa, afirmou que, embora o Rio de Janeiro enfrente problemas como trânsito e segurança, temas muito complexos, “os jogos, sobretudo se forem bem-sucedidos, podem dar capacidade moral ao Brasil para enfrentar certos problemas e promover a melhoria da cidade.”
Fonte: Estadão