BRT – Solução ou paliativo para o caos do transporte coletivo?

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Bus Rapid Transit é uma nova modalidade a ser adotada
em cidades que terão eventos esportivos

*Rosane Santiago – Rio de Janeiro – RJ

Os problemas de mobilidade não escolhem cidades nem países, se ricos, pobres, emergentes, primeiro ou terceiro mundo. Parece haver uma epidemia mundial de descontrole público no que diz respeito a translado urbano, com trânsitos caóticos e infraestrutura antiga que não acompanha a demanda de transporte individual e tampouco o coletivo.
Com a escolha do Brasil para sede da Copa do Mundo de 2012 o assunto veio à baila em perguntas básicas escutadas nas ruas, nos telejornais ou nas intermináveis filas de ônibus: "Como cidades que não conseguem oferecer um básico de mobilidade a seus moradores vão conseguir gerir um transporte coletivo eficiente durante eventos com um público enorme como a Copa do Mundo (2012) ou as Olimpíadas (em 2014), no Rio de Janeiro)? Como criar soluções em tão pouco tempo, se o planejamento para melhoria do trânsito vem sendo esquecido há décadas?" A solução, mesmo que paliativa, passa por uma mudança urbana radical a fim de oferecer opções de transporte coletivo de alta capacidade, boa qualidade, custos moderados e que na visão das autoridades atende pelo nome de três letras – BRT (do inglês Bus Rapid Transit), sistema que teve início no Brasil da década de 70 pelas mãos de Jaime Lerner, então prefeito de Curitiba. O político-urbanista aglutinou algumas idéias já existentes e implantou o que foi chamado Sistema Tronco Alimentado, definido pelo mesmo como a Metronização do Ônibus.
O desenvolvimento do metrô continua visto pela população e por alguns analistas como a melhor ferramenta de organização do transporte urbano nas grandes cidades. Já que a movimentação dos trens acontece no subsolo, tem-se a idéia de que este é o único que pode desafogar o trânsito de superfície. Surge então outro questionamento: Se o Sistema agrada tanto por que o país não aproveita a "necessidade" ocasionada pelos eventos internacionais e investe em metrôs? Para desgosto da população a construção e/ou expansão do metrô é dificultada principalmente pelo tempo de duração das obras e o alto custo que estas acarretam à sociedade, que então deve se adaptar à solução "ônibus", infelizmente veículo ainda não respeitado pelos brasileiros como transporte de qualidade.
Claudio Senna Frederico, um dos organizadores dos metrôs do Rio de Janeiro e de São Paulo na época de suas construções, é Vice Presidente da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), consultor da empresa Scania, e do alto de sua experiência, nos conta que "antigamente o metrô era a "tal" ferrovia, considerada na época o pior tipo de transporte do Brasil, onde as estações, principalmente as do subúrbio, eram perigosas e sem a mínima estrutura. O ônibus hoje está nesta mesma situação, desacreditado, congestionado em meio aos carros e considerado transporte de população de baixa renda. Mas, nesta história, o veículo é o menos culpado, o fato é que ele não tem espaço para circular. Enfim, o que o metrô foi um dia para as ferrovias brasileiras é hoje o BRT para os ônibus".
Todas as cidades brasileiras, participantes ou não da Copa, estão na situação de colherem os frutos de um passado onde a ausência de realização de planos para transportes era fato. Claudio Senna diz que "a razão de Curitiba estar em vantagem diante das demais cidades é que houve lá uma simbiose do IPUC (Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano de Curitiba) com a URBS (Urbanização de Curitiba S.A ) esta executora dos planejamentos que aconteceram de forma ordenada. Quando adotaram uma solução sistêmica de ônibus fizeram por ser uma coisa séria, com avaliação econômica e urbana de longo prazo, sem seguir modismos".
No 14º Etransport , congresso sobre transporte de passageiros que acontece a cada dois anos no Rio de Janeiro, assuntos como Copa do Mundo , Olimpíadas e melhoria dos transportes públicos foram discutidos por representantes da sociedade, empresas e poder público, a fim de que os projetos saiam do papel e existam com funcionalidade e rapidez para o usuário. Salvador mostrou seus planos para 2012 e os projetos já desenvolvidos na capital baiana. "Salvador é um exemplo de dificuldade de mobilidade urbana, a princípio pela cidade ter sido criada para ser uma fortaleza, depois pela descontinuidade do planejamento urbano e por fim pela legislação obsoleta sobre o tema, onde não existe plano diretor" disse Horácio Brasil, Superintendente do Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros de Salvador (SETPS). Horácio conta que o setor privado não conseguia transportar pessoas de maneira eficiente e o que necessitava era conseguir convencer os dirigentes de que algo deveria ser feito urgentemente. "Hoje o plano foi adotado pela prefeitura e pelo estado e já estamos concluindo o projeto básico e de engenharia. Todos, do governador ao prefeito estão engajados neste conceito que nos remete às experiências Curitiba/Bogotá. A população sabe o que quer. Em nossas pesquisas as maiores reclamações não foram com relação ao preço dos ônibus, mas ao tempo de espera e a duração das viagens".
A população sabe o que quer, mas fica nas mãos de quem gerencia o transporte, que é, efetivamente, composto de três pilares – tem-se um órgão gestor que é o governo, gerenciador de todas as regras técnicas e usuais, o outro as empresas fornecedoras, e tão importantes quanto as anteriores, temos as operadoras. Faltando um destes três o processo não funciona. Richele Cabral, diretora de Mobilidade Urbana da Fetransport, enfatiza que "a Copa criou uma oportunidade que não se pode deixar passar, que vem para melhorar a qualidade dos transportes, com mobilidade, redução de custos e melhor qualidade ambiental e dos serviços. "A responsabilidade da Fetransport é ajudar a desenvolver projetos junto com os concessionários para o sucesso da realização dos BRTs".
Em um mercado sazonal e dependente de projetos, os fabricantes de veículos para BRT no Brasil são, não por um acaso, as maiores empresas do setor, algumas estão no Brasil há mais de cinqüenta anos e são pioneiras neste mercado. Volvo, Man, Scania e Mercedes Benz fornecem produtos e tecnologia brasileira, chassis, engenheiros, carrocerias, equipamentos e os próprios ônibus de grande porte ou biarticulados para sistemas BRT, que são exportados para o resto do mundo.
Segundo Enrique Peñalosa, ex- prefeito de Bogotá e quem implementou o "Trasmilênio" na cidade colombiana, o Rio de Janeiro pode se con

verter em um exemplo para o mundo em termos de mobilidade urbana. Ele sublinha com frases de efeito sua fala, pensamentos que resumem muito do que é o universo dos transportes coletivos, tais como: " uma cidade é somente um meio para uma maneira de viver", "o que causa os engarrafamentos não é o excesso de veículos, mas a falta de planejamento", e a frase mais ilustrativa: " espaço viário é o recurso mais valioso de uma cidade". É fato que, talvez um pouco tardiamente, os governos de nossas cidades começam a ter noção disso. Peñalosa analisa ainda a necessidade de subsídios como os que se tem na Inglaterra, "Londres tem 8 milhões de habitantes e 1800 quilômetros de linhas férreas, com 14 bilhões de dólares em subsídios".
Fica claro que, em todas as ações de grande vulto social, o primeiro conceito é boa vontade política, o segundo é dinheiro. O gerente do Departamento de Desenvolvimento Urbano e Regional do BNDES, Carlos Henrique Malburg, informa que nesta Copa o banco participa apenas das arenas onde ocorrerão os jogos. A Caixa Econômica e o Ministério das Cidades ficaram com os financiamentos em transportes. Malburg diz que são três os pilares que dão qualidade à vida de uma cidade, "o transporte tem que ser prioridade tanto quanto saneamento e habitação. Qualquer um destes setores, se ficar 10 anos sem investimento – degrada". Ao contrário de vários entrevistados o gerente diz não haver necessidades de subsídios para o BRT, nem de apoios diferenciados. Carlos Henrique acredita que "apesar da melhor oportunidade de viabilidade temos que ainda tomar cuidado com os BRTs, pois estes tem um custo muito alto de desapropriação. Para cada situação de demanda tem-se que ter soluções adequadas, considerando sempre fatores como estudos de viabilidade e financeiros."
O ministério das Cidades, divulgou recentemente investimentos da ordem de R$ 11,4 bilhões do PAC da Copa para mobilidade urbana. Em entrevista recente Wagner Colombini, consultor da Logit, empresa especializada em projetos de BRT com sistemas implantados ao redor do mundo, ilustra "a implantação do sistema BRT está na faixa de US$ 5 milhões a US$ 10 milhões por quilômetro. Já um sistema de metrô custa acima de US$ 100 milhões por quilômetro. De custo intermediário, o sistema VLT (trem) demandaria recursos acima de US$ 25 milhões por quilômetro". O tempo de construção que vai de 24 a 36 meses também é um fator diferencial para a escolha dos BRTs.
No Rio de Janeiro estão previstas as construções de quatro sistemas: o Transoeste (em obras), o Transcarioca, o BRT da Avenida Brasil e o Transolímpico. As obras de infraestrutura viária necessárias serão de responsabilidade dos poderes concedentes (governo municipal ou estadual). A futura concessionária terá a obrigação de comprar o material rodante (ônibus biarticulados ou de grande porte), bem como de instalar os sistemas necessários ao funcionamento do corredor. A Secretaria Municipal de Transportes desenvolverá todo esquema operacional necessário para a implantação deste sistema tronco alimentado. É visível que os pontos escolhidos para a realização dos jogos (Copa do Mundo e Olímpicos) passam necessariamente pelas vias mais carentes de transporte da cidade, escolha que vem sendo aplaudida pelos especialistas.
De todas as cidades, o Rio de Janeiro é a que tem as obras mais adiantadas. A Transoeste , que liga a Barra da Tijuca a Santa Cruz, começou seus trabalhos em setembro de 2010 e tem previsão de conclusão para junho de 2012. O custo previsto é 692 milhões de reais para obras em 32 km de extensão, incluindo 30 estações de BRTs.
"O Desafio da Copa é deixar um legado, tal qual acontece na África do Sul que implantou o BRT para a Copa de 2010 e agora administra muito bem o Sistema lá implantado", diz Gustavo Nogueira, especialista em Sistemas BRT da Mercedes-Benz do Brasil. Nogueira esteve este mês em Johanesburgo verificando o uso do Sistema pós Copa do Mundo, "No Brasil onze das doze cidades que receberão os jogos da Copa já optaram pelo BRT (com a exceção de São Paulo). Elas se apóiam em vantagens como custos até dez vezes menores e um prazo de implantação 2/3 menor em comparação com outros modais, como trem (VLT) e metrô, para transportar a mesma quantidade de passageiros", explica. "Esses benefícios também são válidos para quaisquer outras cidades que queiram prestar um serviço de transporte coletivo de maior qualidade para o usuário".
As empresas e o próprio governo formaram grupos de analistas e consultores a fim de serem competitivos neste novo mercado. A Mercedes, por exemplo, é pioneira no estudo do diesel de cana de açúcar, exclusividade de tecnologia para ônibus a diesel. "Os americanos descobriram uma enzima que altera a molécula do etanol dando características físico- químicas do óleo diesel. Este combustível renovável sem carbono pode ser utilizado mesclado ao óleo diesel ou pelo motor e, melhor ainda, para adotá-lo nos ônibus BRTs brasileiros não necessitaremos de alteração alguma no motor, minimizando custos e acrescentando às expectativas de sustentabilidade ambiental que pede a população", diz Gustavo Nogueira.
Esta sustentabilidade sistêmica ocorre nos BRTs por conta, principalmente, da racionalização das linhas, pois com mais rapidez, transportando mais gente, se consegue rodar com um número menor de ônibus, causando menos prejuízos. O BRT possui tecnologia GPS, poucas paradas, rapidez, frequência e a previsão de espera no ponto é de um minuto.
Sua operação dentro de corredores exclusivos gera maior segurança aos passageiros, uma vez que diminui as chances de acidentes e têm a vantagem de alcançar um desempenho similar ou maior que o metrô subterrâneo por um custo que é acessível a todas as cidades e com uma implantação muito mais rápida.
Os corredores são basicamente vias segregadas para ônibus (articulados ou não) que param somente em estações fixas. Estas são elevadas para ficarem exatamente no mesmo nível do piso do coletivo que as serve. O pagamento da passagem é feito na estação e não dentro do ônibus, dispensando assim o cobrador e permitindo um embarque e desembarque mais ágil. Por ter uma via exclusiva e pontos de parada fixos é bastante fácil planejar um sistema sincronizado em que os ônibus saem e chegam às estações exatamente no tempo planejado, sem enfrentar congestionamentos. Um veículo biarticulado, em BRT, pode transportar 40 mil passageiros por hora!
Com ou sem subsídio, organizado para enfrentar as intempéries da natureza, construído em tempo recorde, mais barato, rápido e seguro, o BRT como qualquer sistema urbano de transporte tem seus problemas e vantagens, mas acima de tudo tem que ser administrado de maneira exemplar para dar certo e ter continuidade! Isso é consenso geral!


BNDES aprova R$ 1,2 bi para o BRT Transcarioca,
que ligará a Barra da Tijuca ao Galeão

Obra melhorará mobilidade urbana do Rio,
sede da final da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016

O BNDES aprovou financiamento no valor de R$ 1,2 bilhão para o município do Rio de Janeiro. Os recursos serão utilizados na implantação do Sistema BRT (Bus Rapid Transit) Transcarioca, que ligará a Barra da Tijuca, na Zona Oeste, ao Aeroporto Internacional do Galeão, na Zona Norte.
O projeto do Transcarioca, além de atender a diretrizes do Plano Diretor de Transportes da Cidade do Rio de Janeiro, é uma das principais intervenções de competência do município, no que se refere à mobilidade urbana, para preparar a cidade para a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016.
Os recursos do BNDES correspondem a 74,5% do investimento total destinado às obras de infraestrutura (viário, estações e terminais de integração, entreoutras) necessárias à operação do BRT. O sistema contemplará um corredor viário de duas faixas segregadas, uma em cada sentido, e terá aproximadamente 39 km de extensão (28 km na ligação Barra – Penha e 11 km na ligação Penha – Ilha do Governador).
A princípio, os ônibus utilizados serão movidos a diesel. Melhorias tecnológicas nos veículos (em motores, catalisadores, filtros, etc.), aliadas à redução de frota propiciada pela racionalização da oferta de transporte decorrente do projeto, deverão diminuir significativamente as emissões no entorno. A utilização de carros híbridos ou elétricos é uma possibilidade ainda em estudo.
Uma vez implantado, o BRT Transcarioca reduzirá o tempo de deslocamento entre a Zona Norte do Rio de Janeiro e as regiões da Barra da Tijuca e de Jacarepaguá. Também deverão diminuir os acidentes de trânsito e os congestionamentos nas principais vias do seu entorno.
O objetivo da prefeitura é utilizar este projeto como piloto para a racionalização e o ordenamento do sistema de transporte coletivo municipal, por meio de ações estruturais, que permitam integrar os diversos modos (trem, metrô, ônibus, barca e bicicleta).
Estima-se que, durante as obras de implantação, o BRT Transcarioca gere cerca de 4 mil empregos diretos. Na fase de operação, a estimativa é de 1.460 novos postos de trabalho.

Fonte: Estadão


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