Células de combustível ingressam na escala industrial

Até então vista mais como uma curiosidade científica, a célula que usa gás natural como combustível já opera em escala industrial numa planta de 27,5 MW em Delaware (EUA)

Numa “fazenda” onde se poderia instalar torres de geradores eólicos, filas de caixas pretas do tamanho de uma geladeira estão produzindo, no momento, 5,8 MW, que são disponibilizados à rede pública da distribuidora Delmarva Power & Light Co. Essas caixas são servidores de Energia Bloom, contendo centenas de células de combustível que queimam gás natural, fabricadas pela empresa de mesmo nome, sediada na Califórnia.
 

O elemento básico da célula de combustível tem o tamanho de um cartão-postal grande e gera 25 W de energia elétrica, utilizando gás natural e vapor numa reação química contínua, tendo como subproduto certa quantidade de dióxido de carbono, calor e composto orgânico volátil (COV). Formando uma pilha de elementos dentro do gabinete, o servidor gera 200 kW de energia 24 horas por dia, consumindo gás natural e 760 l de água deionizada na partida.

Ao custo de US$ 40 milhões, a usina chamada Red Lion Energy Center — nome de um riacho próximo — tem capacidade nominal de 27,5 MW. Segundo a gerenciadora do projeto Hill International, esta planta deve ser a maior do mundo em capacidade de geração.

A primeira fase da Red Lion foi concluída em dezembro passado, após três meses de obras em três turnos, para aproveitar uma “janela” de cinco dias em que era possível ligar a planta à subestação. Na cidade vizinha de Brookside, uma planta de 3,5 MW similar está operando comercialmente.

As células de combustível são montadas numa fábrica em construção da Bloom na vizinha Newark, em Delaware, cujas obras são também gerenciadas pela Hill — na modalidade que envolve projeto mais construção. Estes três empreendimentos somam investimento de US$ 100 milhões e representam o principal negócio da Energia Bloom fora da Califórnia, graças a negociações vantajosas estruturadas com a empresa local de energia.

Como uma típica empresa start up do Vale do Silício, Bloom dependia de capital de investidores para tocar suas pesquisas desde a fundação em 2002. No seu conselho, a empresa conta com o prestígio do investidor John Doerr, da Kleiner Perkins Caufield & Byers, bem como do ex-secretário de Estado Colin Powell.

No lançamento do servidor de energia em 2010, o cofundador da empresa K.R. Srindar afirmou que “foram precisos oito anos e 400 milhões de h de desenvolvimento e testes para atingir a maturidade da célula de combustível com o processo patenteado”.

A Bloom fez fornecimentos recentes para um datacenter da eBay, Apple, Google e a operadora de telefonia Verizon, mas as plantas de Brookside e Red Lion são os primeiros projetos realizados com empresas geradoras de eletricidade. Em junho, ela anunciou também ter recebido um investimento de US$ 100 milhões da operadora alemã de energia E.ON.

Células de combustível que geram eletricidade foram inventadas no século 19 e os fabricantes industriais dedicados ao negócio existem há décadas. A maioria deles ainda depende de capital de investidores e não se conhece ninguém que tenha anunciado lucros ainda. Bloom usa células de óxido sólido, que, ao contrário de outros tipos que requerem hidrogênio puro, funciona com gás natural e não emprega metais preciosos, ácidos ou materiais em fusão.

A negociação da Bloom com a distribuidora Delmarva prevê que esta compre o gás natural necessário e também venda a energia produzida. Ela vê vantagem competitiva na carga de base constante de energia fornecida pelos servidores de célula de combustível, especialmente quando produzida em áreas mal atendidas pelas redes existentes. É também um projeto piloto para validar o conceito e a confiabilidade da geração distribuída.

Segundo Delmarva, todos os objetivos foram alcançados nos dois projetos e estuda-se a sua ampliação visando criar uma microrrede autônoma a partir dessas plantas. Em Red Lion, existe opção para se instalar mais 20 MW.

Segundo o vice-presidente da Hill, Mark Dickinson, as células de combustível mostraram o seu potencial nestes projetos. “Se olharmos para regiões como o nordeste dos EUA, onde a rede existente está obsoleta e deixando de ser confiável, vemos que as células de combustível podem passar a ser a fonte primária de energia, ficando a própria rede como suporte secundário”.

A operação ininterrupta das células de combustível fornece uma carga de base, que, ao contrário de outras fontes, consegue se manter estável mesmo em trabalhos de manutenção. Conforme Stuart Lacy, gerente de projeto da Hill, há seis conjuntos geradores de energia em cada servidor Bloom, de modo que se pode retirar um deles do circuito para serviço. Como todos trabalham algo abaixo da capacidade, os cinco restantes podem ser “acelerados” neste meio-tempo.

A fábrica está num campus universitário

A unidade industrial da Bloom está localizada no novo campus de Ciência, Tecnologia e Pesquisa Avançada (Star, em inglês) da Universidade de Delaware, estabelecida, na verdade, numa antiga fábrica da Chrysler. O estado de Delaware se mobilizou em diversas frentes para atrair a Bloom.

A universidade comprou a instalação por US$ 24 milhões em 2009 e começou a demolição no ano seguinte. O governo estadual fechou acordo com a empresa em 2011, alocando US$ 7 milhões dos fundos de infraestrutura para preparar o sítio do campus, incluindo terraplenagem, vias de acesso e redes de utilidades. Nos anos 50, a Chrysler montava tanques de guerra na fábrica e as pistas de concreto usadas para testes tiveram de ser demolidas.

Muitas mudanças simultaneamente às obras

A Hill International liderou a equipe de construção da fábrica de servidores e das duas plantas geradoras, com Tetra Tech como escritório de arquitetura e calculista estrutural. A equipe da Bloom gerou constantes mudanças no projeto, para acomodar avanços no processo de produção dos servidores. A Hill trabalhou para integrar essas mudanças no cronograma de construção da fábrica.

Entre as três obras, calcula-se que houve cerca de duas mil mudanças de projeto. A gerenciadora cuidou de disseminar as alterações duas vezes por semana, por teleconferências, em que estavam presentes as empreiteiras, projetistas e proprietário. Todos eles “compraram” a ideia de que as mudanças de projeto eram essenciais para o sucesso dos empreendimentos e se empenharam em implementá-las.

A Bloom tem licença para ocupar metade da fábrica em obras, onde os servidores são montados a partir de peças fornecidas por terceiros. Os servidores, após testados, são entregues em Red Lion para instalação. A pequena distância que separa as plantas geradoras de energia em obras da fábrica de servidores foi um fator decisivo para motivar a Bloom a se instalar em Delaware.

O estado alterou até a legislação: a assembleia passou a lei SB-124 determinando que células de combustível a gás natural possam ser contadas como fonte renovável pelas empresas geradoras, desde que fossem de fabricação local. Em números, 6 MW provenientes de células a gás natural equivalem a 1 MW de fonte solar.

As células Bloom emitem dióxido de carbono e COV ao gerar energia, cujo nível exato é segredo comercial. Na licença estadual emitida das duas plantas, o nível está abaixo da emissão equivalente de uma termelétrica tradicional a gás. Pelas manifestações recentes do próprio governo norte-americano, o gás natural é considerado uma fonte de transição, sendo chamada de energia mais limpa (mas não como energia limpa).

Fonte: Revista O Empreiteiro

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