Muita coisa aconteceu desde a edição 464, de maio de 2008, da revista OEmpreiteiro, quando matéria completa mostrou a construção da nova planta da Votorantim Celulose e Papel (VCP), no município de Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul. De lá para cá, a economia global sofreu forte retração por conta da crise imobiliária e financeira dos Estados Unidos, acertando em cheio o setor produtivo em âmbito mundial, principalmente os setores vinculados à exportação de commodities. É o caso da celulose, que precisou se ajustar a uma brusca queda de demanda, além de atingir a solidez financeira de diversas empresas, como Aracruz e VCP, adiando os planos de fusão entre as duas (ver boxe).
Tal movimento, no entanto, não afetaria o andamento do Projeto Horizonte, menina dos olhos da VCP, que entra na fase final de montagens com a realização de auditoria, testes e pré-operação, como parte da fase de comissionamento até a entrada em operação, em meados de abril. A unidade representará o incremento de 1,3 milhão t/ano de celulose branqueada de eucalipto ao mercado global, mirando principalmente o mercado asiático, puxado pela China, em que pese o momento atual de retração, embora beneficiada pela desvalorização do real frente ao dólar.
O empreendimento foi efetivamente viabilizado a partir do acordo da VCP com a International Paper (IP), concluído em fevereiro de 2007, que envolveu a troca da unidade de celulose e papel e da base florestal de Luiz Antônio (SP) por uma área florestal e uma fábrica em fase inicial de construção em Três Lagoas, no Estado do Mato Grosso do Sul. A VCP identificava uma janela para alcançar posição de liderança mundial em celulose de fibra curta – a partir de uma base de crescimento com pleno acesso à matéria-prima para a produção de celulose, em região de elevada disponibilidade de transporte, com facilidade de escoamento via Porto de Santos.
A planta da VCP distribui-se em 14 frentes de trabalho: Caldeiras, Cozimento, Linha de Fibra, Máquina Extratora de Celulose, Evaporação, Caustificação, Forno de Cal, Tratamento de Água de Caldeira, Estação de Tratamento de Água Industrial, Estação de Tratamento dos Efluentes, Turbo Gerador, Planta Química, Subestações Primárias, e por fim, o Balance of plant (integração de áreas do pipe-rack). Os trabalhos foram divididos entre cinco construtoras (Camargo Correa, Serpal, Sertenge, Construcap, Método) e quatro empresas montadoras (Imetame, Montcalm, Irmãos Passaura, Pereira & Pereira, MCE, com projetos da Pöyry e fornecimento da Andritz, Metso e Voith.)
Ao longo de sua execução, a obra empregou um total de 11 mil operários, significativo diante da população estimada do município, de 85 mil habitantes. Assim, uma preocupação correlacionada a esse impacto gerado pelo contingente de funcionários, explica Carlos Monteiro, diretor de Engenharia da VCP, era manter a tranqüilidade no grupo, formado por diversas empresas fornecedoras de serviços de várias regiões do país.
A meta principal do programa de obras foi evitar qualquer tipo de descontentamento que gerasse desconforto, reclamações, e até greves, como em geral pode ocorrer em um sítio industrial de tal envergadura. Dentre as questões contornadas, havia a diferença do piso salarial da cidade Três Lagoas, no Mato Grosso do Sul, com centros maiores, como São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, principais fornecedores de mão-de-obra operária qualificada. “Além disso, estávamos no apogeu da demanda de mão-de-obra, com escassez em diversos segmentos de serviços especializados, o que também atrapalhava o recrutamento de operários. Assim houve alguma tensão nessa área, com ameaça de greve, mas conseguimos solucionar o problema partindo para a negociação e o diálogo entre as partes, de modo a que nenhum dos lados fosse prejudicado”.
De outro lado, o planejamento da obra também vislumbrou o aspecto social dessa aglutinação. “Trata-se de um complexo industrial distribuído por 2,2 milhões de m², com 2km por 1,1 km de extensão, com mais de 14 frentes principais de trabalho. Uma medida fundamental para o desempenho em termos de prazo, diz o diretor, foi a execução da infra-estrutura (arruamento, calçamento, paisagismo) em paralelo à execução das obras civis e de montagem.
“Parece simples, mas foi algo fundamental para que obtivéssemos o desempenho esperado. Imagine todo esse pessoal circulando numa área com péssimas condições de acesso, sem ruas pavimentadas, e enlameadas na época das chuvas”, comenta Carlos Monteiro. Oferecer condições boas de transporte era ponto chave não somente como conforto, mas também para evitar acidentes e facilitar a movimentação de materiais. Reduziu-se, com isso, o volume de reclamações dos trabalhadores, pois um dos compromissos do programa de obras era proporcionar a eles bom ambiente de trabalho, o que compreendeu, inclusive, a execução de paisagismo e tratamento estético nas áreas de convivência comum, como refeitórios e ambulatórios, mesmo sabendo tratar-se de obras.
“Nossa preocupação era estimular a motivação do pessoal, evitar greves, manter a tranqüilidade geral do canteiro, principalmente no momento contaminado pelas especulações sobre a crise global. Tivemos um ou outro contratempo, mas nada que pudesse atrapalhar o processo todo”.
Antes da crise econômica global eclodir, no final do ano passado, o que quase atrapalhou o cronograma dos trabalhos foi a greve da Receita Federal, ocorrida entre agosto e setembro, quando a obra iniciava as operações de montagens com a chegada de equipamentos importados, explica Carlos Monteiro.
“Vários processos de liberação de máquinas acabaram atrasando, gerando um descompasso de quase dois meses no cronograma geral das obras. Mas esse atraso foi recuperado, demandando no entanto um reajuste de planejamento e exigindo a manutenção de um maior número de operários no final, contrariamente ao que estava previsto”, diz Monteiro. Atualmente estão mobilizados cerca de cinco mil operários dedicados aos acabamentos finais do empreendimento.
Alojamentos serão doados à prefeitura
A Construtora Método construiu os dois núcleos de alojamentos para o Projeto Horizonte, cada um com capacidade para abrigar 1.520 pessoas, além de outro núcleo menor no município de Brasilândia, para 480 pessoas. Mauricio Vizeo, diretor da unidade de Negócios de Indústria, explica que foram feitas paredes em bloco de concreto celular, telhado com estrutura de madeira e telhas de fibrocimento, em padrão industrial que permitiu a constru&cced
il;ão de cada bloco habitacional com capacidade para 80 pessoas em apenas duas semanas. A construtora respondeu também pela execução de cozinhas e refeitórios para 10 mil refeições/dia, além de executar as edificações não produtivas (portarias, balança, oficina e posto de abastecimento).
Vizeo destaca que os núcleos habitacionais foram projetados de acordo com o planejamento urbano da prefeitura, sendo implantados em áreas opostas e urbanizadas, permitindo, após as obras sua doação para o município, a fim de abrigar escolas, bibliotecas, clubes, áreas de lazer. “Os alojamentos foram construídos em locais com belas paisagens, distante do local das obras, implicando transporte do operários, mas necessários para o reaproveitamento futuro das instalações.”
Com a infraestrutura pronta, as chuvas, volumosas da região, não chegaram a impactar a 2ª etapa da obra, na segunda metade de 2008, ao contrário do que ocorreu na 1ª etapa, quando afetou a execução das fundações.
Carlos Monteiro, da VCP explica que foram empregados vários tipos de fundações – tubulões, estacas hélices, estacas raiz – com exceção das fundações diretas, devido à característica do solo.
“Devido à acidez do solo, foram aplicados aditivos para evitar problemas de corrosão do concreto utilizado no estaqueamento. Também realizamos mapeamento, desenvolvendo soluções de fundação conforme as características do solo”, diz.
Tanques de 97 m de diâmetro
As obras de infraestrutura, vias de acesso, estações de tratamento de água e de efluentes, terraplenagem, subestação, evaporação e caldeiras ficaram por conta da Camargo Corrêa. A execução da obra precisou superar obstáculos como necessidade de grande mobilização de recursos para atender os prazos acordados, assim como buscar equipamentos no mercado para a execução de estaca hélice contínua.
Dentre os trabalhos mais complexos incluem-se a execução, de forma inédita, do tanque de aeração de parede de concreto externa articulada, com diâmetro de 97m. Houve ainda a necessidade do rebaixamento de lençol freático para execução de tanque subterrâneo na área da Estação de Tratamento dos Efluentes (ETE).
A obra teve ainda aspectos diferenciados, destaca a construtora, nos procedimentos relativos ao meio ambiente e tecnologias utilizadas na execução de estacas raiz em situações específicas, do processo de solo grampeado para contenção de talude. Destaca-se ainda a execução do sistema de parede diafragma na captação de água do Rio Paraná e Jet Grouting como ensecadeira na execução do canal de captação.
A execução da Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) contou com paredes externas articuladas, com 9 m de altura e 97 m de diâmetro, na região dos tanques de aeração, utilizando-se o sistema de protensão para paredes e pisos dos tanques de aeração, e formas trepantes na execução das paredes dos tanques.
Para a execução das torres de resfriamento utilizou-se estrutura de concreto pré-moldado buscando precisão mecânica para a instalação de insertos (aço carbono, aço inox e PRFV) embutidos na estrutura de concreto destinados à fixação de tubulações e equipamentos.
Nas caldeiras, foi utilizada forma deslizante para execução de caixa de escada de concreto com 82 m de altura, e estrutura pré-moldada para execução do prédio das salas elétricas e apoio do precipitador. No caso da Estação de Tratamento de Água (ETA), a estrutura aplicada é do tipo pré-moldada em concreto armado para fixação das crepinas (dispositivos de filtragem), com precisão dimensional que assegura o perfeito funcionamento do processo.
Processo industrial e tecnologias limpas
Em 2005, a VCP assinou a Declaração Internacional sobre Produção Mais Limpa, do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), comprometendo-se com os seis princípios da agência no âmbito de proteção ambiental e sustentável. A empresa já vinha conduzindo sua atuação ambiental nessa direção, sendo considerada pioneira na utilização do ozônio no branqueamento de celulose de eucalipto no Brasil, ao eliminar o uso de cloroativo no seu processo industrial e produzir a celulose ECF (Elemental Chlorine Free), isenta de cloro elementar.
Em Três Lagoas, tais tecnologias foram combinadas desde o planejamento, visando aos pontos críticos da operação de uma planta (impacto ambiental, abastecimento e tratamento de água, fonte de energia e descarte dos resíduos). O ciclo ambiental do Projeto Horizonte atende, assim, às premissas globais de sustentabilidade do Grupo Votorantim, resultado da evolução alcançada pela empresa tendo como ponto de partida a certificação pelo Forest Stewardship Council (FSC) para a cadeia de custódia da celulose produzida em Jacareí (SP).
Como parte do conceito de tecnologias limpas, a planta de Três Lagoas adota sistema de queima de gases, para reduzir o impacto ambiental de suas atividades – contando com caldeiras odorless, com mecanismo de captação dos gases gerados durante o processo de queima, eliminando o desconforto gerado pelo odor característica deste tipo de processo.
A geração de energia do complexo aproveita a biomassa dos resíduos de madeira do processo industrial. Nessa área, será possível verificar os benefícios de uma operação integrada, uma vez que a usina, com capacidade de 145 mw/hora de potência, atenderá à fábrica de celulose da VCP, à fábrica de papel da IP, e à unidade de produtos químicos da Eka Chemicals, fornecedora de insumos básicos do processo. O excedente de energia atenderá à rede pública, sem falar na reciclagem do resíduo industrial da madeira.
Outra inovação que pode ser encontrada no empreendimento é a implantação de um circuito fechado de abastecimento e reaproveitamento de água, que vai reduzir o consumo de 40 m³ de água por t de celulose, em média, para 25 a 30 m³ de água por t de celulose – água captada do rio Paraná.
O sistema fará o aproveitamento das águas da chuva, as quais serão coletadas e armazenadas em lagoas artificiais. Essa água passará por anál
ises para verificar o nível de pureza ou contaminação. Se os ensaios compravarem contaminação, ela segue para o sistema de tratamento de efluentes (ETE), enquanto as águas puras poderão ser utilizadas na estação de tratamento da água industrial (ETA). Outro segmento das utilidades, o sistema de ar condicionado, será feito por sistema de chillers, com o reaproveitamento de água gelada no processo, também reduzindo o consumo de água.
Crise e oportunidade
Quando o Projeto Horizonte foi iniciado, há quase dois anos, o cenário do setor de celulose acenava para o crescimento da produção, por conta da elevação mundial da demanda em vários segmentos industriais que beneficiava, dentre outros, o setor de papel e celulose, num ciclo que já perdurava há pelo menos três anos. A partir de setembro, acentua-se a queda da demanda mundial por commodities, afetando o recente ciclo de expansão da industrial nacional.
Com o Grupo Votorantim não foi diferente, atrapalhando naquele momento o processo de aquisição de parte das ações da Aracruz, outra grande player de celulose do país. Mas no início de 2009, após a reestruturação societária envolvendo as duas empresas, foi dada a largada para a criação de maior companhia brasileira do setor e uma das maiores do mundo.
As famílias Lorentzen, Almeida Braga e Moreira Salles aceitaram os termos propostos para a venda de sua participação de 28% na Aracruz, tendência que poderá ser seguida pelo Grupo Safra, detentor de outros 28% de ações com direito a controle da Aracruz. Para o Brasil, a operação reforça uma posição importante no mercado internacional no setor de celulose. O país é considerado detentor de vantagem competitiva, por suas características naturais de plantio de eucalipto e ciclos mais curtos de crescimento, além da tecnologia florestal de ponta desenvolvida nos últimos anos, que permitem elevada produtividade.
Fonte: Estadão