A prioridade dada em tempo recente ao consumo interno pelo governo e o reajuste do mercado imobiliário podem significar novos fundamentos sustentáveis à expansão da economia no médio prazo
A população de cerca de 1,3 bilhão de chineses ainda ostenta baixo consumo per capita de metais, comparada à dos países mais industrializados. Parte significativa da população ainda está para adquirir a primeira geladeira e lavadora. A demanda por habitação social é brutal, pressionada pela urbanização acelerada. A prioridade recentemente dada ao consumo doméstico pelo governo central, tirando a primazia quase total das exportações que vigorava até então, faz todo o sentido — ainda mais ao coincidir com um ciclo de crescimento mais lento da economia global, em vista da expansão menor dos países emergentes, como vaticina uma corrente de analistas, a despeito da retomada econômica dos Estados Unidos.
É verdade que existem ainda bairros fantasmas em regiões do país, construídos por governos locais no auge do boom chinês, mas parte deles já está ocupada e fervilha de atividades, especialmente ao longo dos trajetos da extensa rede de trens de alta velocidade, a maior existente no mundo. As redes de metrô também se multiplicam tornando o transporte de massa sobre trilhos um modal cada vez mais importante, a despeito da frota massiva de ônibus. E nas cidades maiores, depois da bicicleta onipresente, os congestionamentos de automóveis são constantes, mesmo com vias elevadas que se multiplicam nos cruzamentos principais.
O país se tornou o maior mercado automobilístico do mundo, deixando os Estados Unidos para trás, com as principais marcas de luxo globais operando com fábricas locais, disputando um quinhão do segmento dos novos ricos, enquanto numerosas marcas nacionais brigam pela preferência da massa crescente de consumidores com poder aquisitivo suficiente para ter seu primeiro carro — cujos modelos ainda são considerados de qualidade precária pelos padrões ocidentais.
É a repetição de um fenômeno, guardadas as proporções, de alguns anos atrás, quando as marcas globais de escavadeiras hidráulicas se instalaram na China, para enfrentar centenas de marcas locais produzindo modelos muito parecidos entre si e relativamente baratos. Aliás, ninguém ainda explicou de forma convincente por que os chineses adotaram a escavadeira e a carregadeira sobre rodas como as principais máquinas para obras — sem terem se interessado pela retroescavadeira mais compacta, que dominou os mercados ocidentais nos seus primórdios, como a primeiro equipamento polivalente e multitarefas.
Índia, uma nova China?
Há analistas que arriscam colocar a Índia, com um novo governo mais ousado, de Narendra Modi, que começa a implementar reformas estruturais na economia, preparando-a para se tornar a locomotiva do mercado global em alguns anos. É preciso esperar, contudo, para ver se essas reformas vão emplacar, depois de décadas de propostas sempre adiadas, enquanto o Partido do Congresso se manteve no poder. Os interesses estabelecidos vão resistir às mudanças.
Setor industrial já produz menos riquezas que o setor de serviços
A China, se mantiver este ano seu “modesto” 7% de alta no PIB, ainda será uma formidável máquina a puxar a economia mundial — e os críticos que se precipitarem nas previsões pessimistas sobre o fim da sua hegemonia vão se dar mal, à luz de alguns fatos recentes. O setor de serviços já cria mais empregos novos do que a indústria, que, aliás, manteve sua competitividade em termos globais, apesar da alta dos salários da mão de obra nos anos recentes, contrariando algumas previsões de que perderia a hegemonia como “fábrica global”.
A discussão corrente contrapõe os analistas, que acreditam numa redução gradual da velocidade de expansão da economia chinesa, nos próximos anos, e os críticos, que apostam numa aterrissagem forçada, que seria desastrosa para o mercado global.
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O setor de construção habitacional na China é visto por alguns como um dos maiores riscos, por causa da queda de 6% nos preços mesmo com o corte de juro promovido pelo governo. Mas fontes do mercado revelam que o estoque atual de imóveis prontos levaria 16 meses para ser vendido no ritmo atual de demanda, contra dez meses no pico anterior.
Urbanização mais lenta
O fator mais relevante reside na menor velocidade de urbanização no país, hoje calculado em 55% da população versus 26% nos anos 1990. As vendas de imóveis, que já atingiram 10 milhões de unidades ao ano, devem começar a declinar — a um ritmo lento e gradual.
Outro risco apontado pelos analistas é o acúmulo de débitos, legado do crédito fácil usado como alavanca da economia na crise de 2008. O débito total cresceu de 150% do PIB de 2008 para mais de 250% do PIB dos dias atuais. Mas a maior parte dessa dívida tem os bancos estatais como credores e as empresas controladas pelo Estado e governos locais como devedores, além de empreendedores imobiliários e construtoras, com pouca participação do governo central e de pessoas físicas. Nesse cenário, essa crise de dívida é considerada administrável, embora preocupante.
Um aspecto crucial na trajetória da economia chinesa aponta para as dimensões do seu mercado, que equivale a um continente, em que a força motora não se restringe a meia dúzia de indústrias.
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A população alcançou a faixa intermediária de renda — US$ 12 mil de PIB per capita, em termos de paridade em poder de compra, ainda muito atrás das economias desenvolvidas da Ásia.
O governo já iniciou mudanças de rota na economia, visando a obter mais crescimento via consumo da população, comparado aos resultados gerados pelos investimentos, que ainda respondem por 50% da produção econômica total. Nos anos recentes, o total de investimentos está se estabilizando, enquanto o consumo tem mantido uma alta sistemática.
A tradição chinesa de poupar — hoje calculada em 40% da renda — também parou de crescer.
Serviços em alta
Outra mudança estrutural na economia ocorreu quando o setor de serviços ultrapassou a indústria alguns anos atrás, na produção econômica total. Em 2014, o setor de serviços representou 48,2% da produção total e a indústria ficou em 42,6%. Foram criados 13,2 milhões de empregos urbanos novos, um recorde histórico mesmo com a expansão menor do PIB. Os salários também continuaram melhorando, o que estimula o consumo.
Outras mudanças estão em curso. Embora os juros oficiais dos depósitos bancários ainda sejam fixos, o governo deu flexibilidade aos bancos para criar produtos financeiros que dão uma remuneração adicional de 2%, 3%. As pessoas físicas já deixam 30% da sua poupança nos bancos. O fluxo de capital para o exterior também tornou-se mais liberal e o limite de autorização prévia do governo passou de US$ 100 milhões para US$ 1 bilhão.
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Os governos provinciais foram autorizados a emitir títulos, embora sujeitos a aprovação prévia. Suas dívidas começam a ser mapeadas pelo governo central, que pretende reestruturar 1 trilhão de yuans dessas contas. Simplificou-se a burocracia para quem quer abrir empresas, podendo usar ativos não financeiros como ativos. Quase quatro milhões de firmas foram criadas em 2014, contra dois milhões no ano anterior.
Devagar com o andor, que o santo (chinês) é de barro.
Mas essa expansão mais ”enta” da economia chinesa continua sendo bem-vinda para os seus parceiros globais, especialmente produtores de commodities, como o Brasil.
Face do desenvolvimento é o aumento do trânsito nas cidades chinesas
Fonte: Revista O Empreiteiro