As indefinições sobre o uso da malha existente e a necessidade de começar do zero as iniciativas no setor geram incertezas sobre o futuro do sistema; cidade de Cruzeiro (SP), que nasceu por causa da rede ferroviária, é exemplo dessas contradições
Augusto Diniz – Cruzeiro (SP)
O local foi um importante ponto de escoamento do café produzido no Sul de Minas (que chegavam pela EF Minas e Rio; hoje a linha está quase abandonada com apenas dois pequenos trechos em funcionamento com trem de turismo), para as grandes cidades do Rio de Janeiro e São Paulo (através da EF Central do Brasil). Além disso, as pessoas usavam frequentemente a linha férrea para transitar por este trecho do Brasil.
Por conta disso, o município construiu um dos mais importantes complexos ferroviários do Estado, com oficinas, escritórios e outros equipamentos ferroviários. No entanto, o declínio do café e, principalmente, o sucateamento do modal por sucessivos governos, em evidência maior a partir da década de 1960, transformou a região em um dos grandes exemplos do País de como a propalada retomada da malha ferroviária nacional convive com enormes contradições.
A Fábrica Nacional de Vagões (FNV) abriu em 1945 uma unidade na cidade – ela foi pioneira em equipamentos ferroviários no País. A planta se expandiu pela área urbana de Cruzeiro e em 1990 foi incorporada pelo grupo Maxion. A empresa tornou-se o maior empregador do município. Atualmente, o grande negócio da empresa na região é a produção de componentes para veículos automotores.
“Cruzeiro não sentiu muito (a decadência das ferrovias) porque já estava industrializada”, conta Bruno Sanches, representante da Regional Sul Minas da Associação Brasileira de Preservação Ferroviária (ABPF). “Mas se não fosse a ferrovia ela não existiria”.
Bruno Sanches, da ABPF
A MRS Logística, concessionária hoje da malha do trecho da Estrada de Ferro Central do Brasil que cruza os estados do Rio e São Paulo, realiza manutenção de seus trens em Cruzeiro – área que inclusive quer ampliar na cidade. Não há embarque de cargas nem de passageiros na localidade.
“A ferrovia somente atende para grandes volumes. Pequenos volumes não interessam para as operadoras. Não se tem interesse também em fazer transporte de passageiros porque dá muito dor de cabeça”, analisa Bruno Sanches.
Ele acredita que poderia ser implantada na linha trem de passageiros pelo menos no Vale do Paraíba com velocidade média de 80 km. “O investimento é muito menor que o TAV. A operadora deveria criar infraestrutura para atender pequenos volumes também”, diz.
Bruno explica que ações desse tipo dependem de intervenção do governo. “Linhas de trem de passageiros no mundo todo são subsidiadas. Só que os governos subsidiam porque é mais barato do que manter rodovias”, afirma.
Dificuldades
A Agência de Desenvolvimento de Trens Rápidos Entre Municípios (ADTrem), que reúne empresas que atuam nos setor, incluindo fabricantes e firmas de projetos, engenharia e construção, tem estudos sobre trens regionais de passageiros de média velocidade na chamada Macrometrópole Paulista, que inclui a região do Vale do Paraíba. Mas não prevê o uso da malha ferroviária existente na localidade, mas sim a construção de uma nova.
Fernando Sanches, diretor de projetos da EDLP e membro da ADTrem, explica que não há viabilidade de se usar a linha existente porque “ela transporta carga em condições que não permitem o uso de trem de média velocidade”.
A atual priorização de cargas no sistema ferroviário vem do modelo de desestatização da rede ferroviária implementado na década de 1990, quando 11 trechos ferroviários foram concessionados. A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) tem tentado nos últimos tempos reverter essa situação.
“As ferrovias focam em nichos de mercado, que é normal, mas é necessário pensar em uma maior integração da malha. Ficam focadas no transporte de cargas nas áreas de mineração e agronegócio, mas é preciso ter interoperabilidade”, avaliou Jean Reis, superintendente de Infraestrutura e Serviços de Transporte Ferroviário de Cargas da ANTT, durante o evento Negócios nos Trilhos, realizado este mês (novembro) em São Paulo.
O órgão chegou a revisar o marco regulatório do setor com resoluções que permitem o uso dos trechos concessionados por outrem, o chamado direito de uso. O objetivo foi tentar tornar a malha um pouco mais integrada e eficiente. “A interoperabilidade é importante para compartilhamento da infraestrutura de carga e passageiros”, explicou Jean Reis.
Rodrigo Vilaça, presidente-executivo da Associação Nacional dos Transportadores Ferroviários, criticou, porém, a falta de “interoperabilidade no governo” que atravanca iniciativas de desenvolvimento do sistema ferroviário brasileiro. De acordo com o executivo, o papel das concessionárias ferroviárias “nunca foi ampliar a malha, mas recuperá-la”.
Novas concessões
“O Galeão (aeroporto recém-concessionado) está operando. As rodovias (a ser concessionadas) estão operantes. A ferrovia não, tem que começar do zero. E projetos nessa área levam tempo para ser elaborados”, justifica o executivo a falta de investimentos e empenho do governo no setor.
O governo quer no início de 2014 fazer o primeiro leilão de ferrovia dentro de seu programa de investimentos em infraestrutura. O
primeiro trecho a ser concessionado liga Lucas do Rio Verde (MT) a Campinorte (GO), conectando-se com a Ferrovia Norte-Sul.
O leilão engloba a construção do ramal (cerca de 1 mil km de ferrovia) e a concessão do trecho da Ferrovia Norte-Sul de Palmas (TO) a Anápolis (GO) (em fase final de construção) que seria um atrativo ao investidor. O governo pretende concessionar 12 trechos ferroviários, mas as controvérsias claras existentes dificultam o avanço da proposta no País.
Fonte: Redação OE