Construção das duas pistas da rodovia dos Imigrantes reuniu
as melhores técnicas disponíveis
A Rodovia dos Imigrantes (SP-160) liga a Baixada Santista ao Planalto de São Paulo, através de 58,54 km, passando pelos municípios de São Paulo, Diadema, São Bernardo do Campo, Cubatão, São Vicente e Praia Grande. A Via Anchieta já estava com sua capacidade praticamente esgotada ao final da década de 1960 e a Imigrantes surgiu como a solução para viabilizar o luxo crescente de transporte na região. Para viabilizar sua construção, foi criada em 1969 a Desenvolvimento Rodoviário S.A. (Dersa). Os estudos e projetos tiveram início em seguida e, cinco anos mais tarde, era entregue ao tráfego o primeiro trecho, compreendendo a interligação com a Via Anchieta, no alto da serra (SP-041).
Essa primeira etapa foi inaugurada no dia 23 de janeiro de 1974. O trecho da serra foi projetado para conter três pistas: pista ascendente, com três faixas; pista descendente, com duas faixas; e pista reversível, também com duas faixas. No entanto, somente a pista ascendente foi construida e inaugurada em 28 de junho de 1976, quando passou a compor, juntamente com a Via Anchieta, o Sistema Anchieta-Imigrantes, sob administração da Dersa.
Como parte do Programa de Concessões do Governo do Estado de São Paulo, o sistema passou a ser administrado pela concessionária Ecovias dos Imigrantes, por um período de 20 anos, segundo contrato firmado em 27 de maio de 1998.
As piores condições possíveis
Do ponto de vista técnico, nenhuma rodovia brasileira é mais interessante que a Imigrantes. A rodovia atravessa uma região com uma mistura de características peculiares e dificilmente encontradas em uma só obra: na serra, enfrentou chuvas, neblina e, principalmente, terrenos com rastejo e tálus; enquanto na Baixada, o maior problema foi o terreno com baixíssima capacidade de suporte.
O professor J. C. de Figueiredo Ferraz, em um seminário realizado pela Dersa em 1976, explicou que as severas condições geológicas e geotécnicas, com maciço instável e movimentos de rastejo bem caracterizados, envolvendo solos coluvionais e tálus, exigiram uma abordagem técnica muito diferente da adotada na construção da Anchieta. Se prevalecessem os critérios e metodologias correntes na época para projetos rodoviários seriam necessários uma sucessão de cortes e aterros, executados em terrenos onde já reinava um regime de estabilidade limite, que facilmente se transformava em instável. Para Ferraz, a Imigrantes era uma sucessão de túneis e viadutos intercalados por terraplenagem. Para garantir a estabilidade das estruturas apesar do rastejo e do tálus, foram projetados anéis externos envolvendo os tubulões, cravados nas fundações dos viadutos, capazes de protegê-los do movimento do terreno por muitos anos.
As dificuldades eram muitas. O local era de difícil acesso e as sondas precisaram ser transportadas por helicópteros de um grupo de resgate da FAB, pois os comerciais não suportavam o peso dos equipamentos e não havia outra forma de transportá-los. A vegetação densa e a neblina fizeram com que vários técnicos se perdessem na região, antes da estrada de serviço ser aberta.
No mesmo seminário da Dersa, Eduardo Celestino Rodrigues, que era presidente da Cetenco, resumiu as novidades introduzidas na engenharia da época com a construção da Imigrantes. Quando a Via Anchieta foi construída, por exemplo, não existia aerofotogrametria, introduzida por Philúvio Rodrigues no projeto São Paulo-Curitiba. Na Imigrantes, o serviço já foi utilizado, mas pelas características da mata e do relevo foi necessária uma tecnologia especial para criar a infra-estrutura cartográfica. Ainda segundo ele, as técnicas existentes para a construção de túneis, aplicadas na antiga Mairinque-Santos, foram aprimoradas na Anchieta, mas a Imigrantes, com seus 3,825 km de túneis, permitiu a introdução de novas tecnologias. O sistema Bernold, suíço, foi aplicado pela primeira vez no Brasil. Na obra foi criado também o sistema Cetenco-Arnaud, uma versão simplificada do método de couraça (shield), que pode ser aplicado em solo, rocha alterada ou rocha, mas que também pode ser considerado um aperfeiçoamento do Bernold.
Rodrigues destacou também o uso de células de emboque de túnel, das fôrmas telescópicas e das cambotas metálicas para aplicação de concreto projetado. Foram desenvolvidas também tecnologias para projeto, execução e liberação das fundações dos viadutos, que demandaram com cerca de 1.200 tubulões a 20 m de profundidade média. "Um grande avanço estamos tendo na década dos anos 70 na execução de obras-de-arte, antes a parte frágil na construção de rodovias, cuja abertura ao tráfego ficava sujeita ao término de viadutos e pontes sempre atrasadas", disse Rodrigues na época. As obras-de-arte na Imigrantes destacaram-se não só pelas grandes alturas mas também pelos grandes vãos. Na serra foram construídos 20 viadutos, totalizando 8,135 km, com torres de até 100 m de altura, que somados às pontes atingem 13,386 km de estruturas.
A altura elevada das estruturas solicitou o uso de equipamentos especiais, como fôrmas deslizantes e retráteis e tecnologias de cimbramento dos balanços, fabricação e lançamento de vigas pré-moldadas protendidas e ainda o uso intenso de cura eletro-térmica. Esse processo já tinha sido empregado no ramal ferroviário de Águas Claras, mas foi consolidado na Imigrantes. A rodovia introduziu também o uso de estacas-raiz na consolidação de taludes.
A solução encontrada pela hemag para resolver o problema de solo na Baixada Santista também representou um grande avanço. O professor Milton Vargas teve a idéia de criar um colchão de areia para resolver o problema da baixa capacidade de sustentação do terreno. A área era dragada e depois o local era preenchido com areia, para em seguida receber um aterro. A ideia surgiu inicialmente na construção da Cosipa, em Cubatão (SP), onde o terreno era tão mole que dificultava a colocação do bate-estacas para cravamento das fundações. A solução encontrada foi dragar a área e encher com areia, o que acabou inspirando a criação da técnica, empregada primeiro na construção da Piaçaguera-Guarujá e depois na Imigrantes. Vargas amadureceu a idéia observando obras na Baixada Santista, que somente quando estavam situadas sobre um colchão natural de areia apresentavam um terreno firme. Caso contrário, sempre era difícil entrar com os equipamentos de construção.
Segunda pista, novo desafio
A pista ascendente foi inaugurada em 1976 e, 10 anos depois, a Dersa contratou mais uma vez a Figueiredo Ferraz para desenvolver um novo projeto básico para a pista descendente, incorporando a experiência do empreendimento anterior. Mas como a infraestrutura dos trechos de Planalto e Baixada já estava implantada, as alterações seriam possíveis apenas na serra.
Devido à instabilidade da encosta, os projetistas concluíram que as dispendiosas obras de contenção poderiam ser minimizadas se o eixo da pista descendente fosse deslocado para montante, em relação à pista ascendente, penetrando mais profundamente no maciço da Serra do Mar, resultando em um maior número de túneis e uma quantidade menor de viadutos. Esse deslocamento teria ainda como fator positivo a inserção dos túneis em um maciço rochoso com melhores características geo-mecânicas, tornando a construção mais rápida e econômica. Além disso, durante a construção da primeira pista foi lançado material inservível das escavações em locais que acabaram dificultando a futura implantação das pistas descendente e reversível.
Com o aumento do comprimento dos túneis e a consequente diminuição do seu número, houve a redução do número de emboques, elementos agressivos ao meio ambiente. Também foi verificado que a construção dos viadutos deveria contar com um processo industrializado, evitando o uso de equipamentos de grande porte.
O novo projeto básico, concluído em 1988, serviu de base para a elaboração do RIMA, que foi aprovado e continha algumas medidas mitigatórias, tais como: proteção de encostas com um sistema de drenagem eficiente e cobertura vegetal; ventilação forçada nos túneis, com sensores para monóxido de carbono e opacidade; drenagem das pistas para conduzir as águas pluviais e não prejudicar os córregos e rios da região; e proteção das nascentes; entre outros.
Mais 10 anos se passaram e, em 1998, a Ecovias ganhou a concessão para operar o sistema Anchieta-Imigrantes, incluindo a implantação da pista descendente. Antes de ganhar a concessão, a Ecovias procurou a Figueiredo Ferraz, que participou da elaboração da proposta e depois tornou-se responsável pelo desenvolvimento do projeto atual, por meio do consórcio Ecoenge. Nessa época, o projeto básico desenvolvido pela Figueiredo Ferraz para a Dersa já tinha mais de 12 anos de existência e precisava ser novamente atualizado, contemplando novas técnicas construtivas e de projeto.
Mudanças de traçado
Mais uma vez, foram estudadas alternativas de traçado para o trecho que atravessa o Parque Estadual da Serra do Mar. Na região do VD-01, o aparecimento de erosão, que não existia quando o projeto básico anterior foi elaborado, reforçou a necessidade de um novo traçado. Já os viadutos VD-05 e VD-06 no projeto da Dersa situavam-se em uma área de captação das águas dos rios Marcolino e Pilões, utilizados pela Sabesp, para abastecimento de regiões da Baixada Santista. A existência desses viadutos poderia ocasionar a poluição das águas e portanto inviabilizar a captação da Sabesp. O consórcio desenvolveu então estudos para minimizar os efeitos da presença dos viadutos ou substituí-los por túneis, o que acabou acontecendo. Para os viadutos foi estudada uma solução estrutural com vãos maiores, e portanto com menor número de pilares, para que a implantação das fundações ocasionasse menos impactos ambientais.
Túneis revistos
A metodologia de trabalho utilizada para a execução dos levantamentos de campo, topográicos e geotécnicos, foi definida em função das dificuldades para a obtenção das licenças ambientais, necessárias para a execução de serviços dentro da área do Parque Estadual da Serra do Mar. O projeto básico preliminar para a Ecovias foi iniciado em agosto de 1998, quando também foram iniciadas as tratativas da concessionária para a obtenção das licenças ambientais, considerando, a princípio, o projeto básico elaborado anteriormente para a Dersa.
A partir do projeto básico para a Ecovias, foi desenvolvido então o projeto executivo da pista descendente, sob a aprovação do Consórcio Imigrantes, responsável pela execução das obras. O trecho Planalto, paralelo ao da pista ascendente, já tinha uma faixa de terreno com a terraplenagem parcialmente executada, durante a implantação da pista ascendente.
O trecho Serra tem seu traçado, em muitos pontos, seguindo paralelo ao da pista ascendente e em outros afasta-se, em busca de terrenos melhores, cobertura para os túneis, minimização das interferências com a pista ascendente, manutenção, máximo aproveitamento da estrada de serviço existente e ainda minimizar as interferências com o meio ambiente. A região é composta pelas encostas marítimas mais escarpadas da Serra do Mar e possui os mais altos índices pluviométricos do Estado de São Paulo e do Brasil, cruzando vales profundos, córregos e rios, como o rio das Antas, Passareúva, Marcolino e Pilões. A vegetação neste trecho é formada por uma floresta alta, tornando o local complexo e de difícil acesso. O projeto de terraplenagem compreendeu apenas obras de contenção em alguns pontos, incluindo emboques dos túneis. Não foram executados taludes de corte ou aterro de grande porte.
Já o trecho Baixada localiza-se na encosta da Serra do Mar, na transição para a Baixada Santista, em um relevo típico de meia encosta, parte com as características topográficas da Serra e parte com a topografia plana característica da Baixada. A tipologia estrutural escolhida para os viadutos na Baixada que permitem o acesso a Santos (VD-08) e a Mongaguá (VD-10) foi a superestrutura monocelular executada pelo método dos deslocamentos progressivos a partir da região de montante (Serra). Já o viaduto de acesso ao Guarujá (VD-09) foi executado com grelha pré-moldada protendida, com as vigas montadas com o apoio de guindastes
Fonte: Estadão