A engenharia brasileira aprendeu a domar as piores condições para construir terminais portuários
No início, as caravelas fundeavam ao largo. Os tripulantes tinham de escalar até a praia para o desembarque. Demoravam semanas e meses para descarregar e abastecer de suprimentos para prosseguir na viagem pelos mares ou retornar a Portugal ou Espanha. Depois vieram os “pontões”, plataformas flutuantes sobre tambores ou barris. Os decks de madeira, cais de pedras e concreto. Para alcançar profundidades adequadas, recorreu-se à mecânica de solos e houve a necessidade de conhecer as correntes marítimas e o movimento das marés.
Acompanhando o crescimento das estruturas portuárias, armazenagem, equipamentos de carga e descarga, sistemas de transportes para embarque ou escoamento das mercadorias trazidas pelos navios, os terminais evoluíram para o conceito do hub porto, com capacidade de movimentação em grande escala de produtos e mercadorias e que é concentrador e distribuidor regional de cargas, ampliando-se para o retroporto, passando de meros depósitos a unidades de processamento e complexos industriais.
Essa evolução ocorreu nas últimas décadas, dos portos rudimentares até os terminais atuais derivando para a automação em grande parte de sua operação e movimentação de cargas. Nesse contexto, o porto de Itaqui, em São Luís, no Maranhão, ocupa uma posição singular.
Depois de 160 anos da primeira intenção de construir o porto de Itaqui, um empresário estudou a obra, depois que a empreiteira que vencera a primeira licitação desistiu dos serviços após um ano de trabalho. Junto com Clóvis Vilela Nunes, temido por seu difícil temperamento, mas considerado o maior especialista sobre portos na época, o empresário concluiu que a dificuldade estava nas correntes marítimas de até cinco nós e na maré que oscilava até 8 m a cada seis horas. Visto o problema e equacionada a solução, entrou na nova concorrência promovida pelo Departamento Nacional de Portos e Vias Navegáveis (DNPVN). E ganhou.
O empresário é o mineiro Pelerson Soares Penido, fundador da Serveng, em Guaratinguetá (SP), em 1956. No governo Getúlio Vargas, ele já estava nas obras da via Dutra, quando começava também o processo de industrialização do País.
Pelerson Penido conviveu com Juscelino Kubitschek, Israel Pinheiro (Novacap) e Bernardo Sayão, pioneiros da construção da nova capital federal, onde implantou o sistema de água e esgotos, as rodovias de acesso, como a Belém-Brasília, e participou de outros projetos.
Além das lendas
Penido não deu a mínima para as lendas da rainha Ina, que tinha um castelo no fundo do mar e não queria a construção do porto em Itaqui e que, por isso, afugentava os intrusos; ou do rei Alberto, que vivia do outro lado, andando pelas praias camuflado como touro, ajudando a rainha a afastar invasores.
Ele concluiu que poderia construir o porto, na baía de São Marcos, a 8 km de São Luís, como uma ferramenta fora do comum: uma plataforma marítima de trabalho, com característica elevatória, autonivelante, de tecnologia japonesa. A plataforma, chamada Iemanjá I, tinha quatro pernas de 2 m de diâmetro e 50 m de comprimento construídas na Alemanha. Com elas a plataforma tinha ancoragem encravada no fundo do mar, garantindo total estabilidade nas operações. Sobre ela um guindaste de 50 t, mais a perfuratriz Wirth U 1500 com coroa de roller bits e a entubadora com pull down de 150 t, para escavar os tubulões de até 2,1 m de diâmetro.
Com falta de recursos na empresa, Penido foi ao ministro Mário Andreazza, dos Transportes, e disse que poderia resolver o problema e quebrar o tabu do porto de Itaqui, mas a plataforma, ferramenta de trabalho, encontrava-se no Rio de Janeiro e ele não tinha mais dinheiro para levá-la até o Maranhão. Andreazza arranjou dois rebocadores do Lloyd para o transporte.
Apesar das dificuldades técnicas, a Serveng-Civilsan executou o píer petroleiro, o cais norte, o cais sul e o cais de gabiões, com um total de 711 m. Construiu ainda a Estação de Tratamento Magnético de Navios.
O porto tem a profundidade mínima de 10 m, mas chega à máxima de 25 m. A plataforma acostável tem 400 m de extensão, com estrutura de concreto armado sobre fundações constituídas por um sistema de “gabiões” dispostos na forma de L. Cada gabião é uma célula composta por 136 estacas-prancha de aço especial de 3/4” de espessura, 40 cm de largura e 18 a 22 m de comprimento, intertravadas.
Primeiro, os “gabiões”
Com a plataforma foi possível cravar estacas com velocidade para uma produção média de quatro “gabiões” por mês, quando nas tentativas anteriores o ritmo foi sensivelmente menor. A plataforma era composta por um piso superior, uma estrutura intermediária de treliça, um tanque de flutuação e submersão. O conjunto tem forma circular, com 15,6 m de diâmetro. O tanque de mesmo diâmetro e com 2 m de altura torna a plataforma flutuante, quando expulsa a água por ar comprimido injetado e a faz submergir quando a água entra por um sistema de válvulas.
Houve a ocorrência de um acidente com as estacas-prancha de procedência inglesa utilizadas nos “gabiões”. A partir daí, mudou-se a técnica construtiva para pares de tubulões a 11 m de intervalos entre si. Sobre os pares, foram lançadas as vigas pré-moldadas com as extremidades rebaixadas para receber as vigas principais. Sobre estas apóiam-se as vigas secundárias.
Depois, os tubulões
Para a execução da nova modalidade de trabalho, a plataforma foi reformada, em forma de cruz e seis pernas. O equipamento Wirth foi instalado numa das pontas e permite a execução dos tubulões como nas fundações da ponte Rio–Niterói. Na maré baixa, as pernas descem e se apóiam no fundo. À medida que a maré sobe, macacos hidráulicos nas pernas suspendem a plataforma mantendo-a fora do alcance das águas.
Cravaram-se as camisas metálicas perdidas de 2 m de diâmetro com martelo Delmag. Depois o equipamento Wirth escava e limpa o tubulão. Desce-se a armadura e, em seguida, o concreto submerso. Cabos de protensão no topo dos tubulões servem para a ancoragem da superestrutura do cais às fundações. A empresa projetou um sistema hidráulico que permite à perfuratriz, instalada numa das pontas do convés em cruz, operar nas duas pontas e executar um par de tubulões a cada posicionamento da plataforma.
O porto de Itaqui foi o primeiro a utilizar placas de concreto protendido de 30 x 30 m. A
ntes de sua execução in loco, lança-se uma camada de sub-base de laterita de 30 cm, uma de concreto magro de 10 cm e por fim as placas de concreto protendido.
Sepetiba
A evolução do conceito de portos levou a empreendimentos terminais especializados nos complexos portuários. Foi assim no de Sepetiba, no Estado do Rio de Janeiro, destinado a produtos siderúrgicos, minerais, combustíveis e derivados.
Do projeto à execução do píer de 540 m, cravação dos 272 tubulões e 192 estacas tubadas, o enrocamento que acompanha a parte sudeste da ilha da Madeira para conter o aterro hidráulico que permite o acesso ao píer por rodovia ou ferrovia, os aterros mecânicos, a dragagem de quase 20 milhões m3, as pontes e estradas de acesso, estruturas auxiliares e complementares apresentaram nacionalização da ordem de 90% segundo a Portobrás, incluindo o fornecimento e montagem dos equipamentos. Na face sul, o píer permite a atracação de dois navios de 65 mil TDW ou um de 130 mil TDW.
Rio Grande
O superporto do Rio Grande do Sul tem vários píeres de atracação particulares, para escoamento de granéis e outros produtos. A primeira obra de vulto do DNPVN foi um cais corrido de 550 m para carne e um armazém frigorífico para 10 mil t. A Ecisa, responsável pela construção, desenvolveu know-how para a cravação das estacas de concreto armado, pré-fabricadas e semiprotendidas: precedendo a cravação da estaca pelo martelo, um potente jato de água abre passagem na areia superficial que tende a dificultar a passagem da estaca, devido ao efeito de aumentar a resistência quando comprimida.
Foram utilizadas 900 estacas, sendo 600 de 45 m e 300 de 48 m, com 80 cm de diâmetro externo. Da fabricação, manuseio, embarque no mar até o içamento e cravação, todas as fases tiveram estudos detalhados para garantir o suprimento de 24 horas ininterruptas, em dois turnos, à razão de seis estacas/dia. Elas foram fabricadas consumindo diariamente 36 t de aço e 1.000 sacas de cimento. Acabada, cada estaca chegou a pesar 40 t. Dois pares de pórticos movimentam a estaca no sentido longitudinal, sobre trilhos. Ela era depositada sobre duas vagonetas cujos macacos hidráulicos fazem a suspensão e o transporte transversal até a estocagem.
No embarcadouro, a estaca recebe no seu interior oco um tubo de 15 cm de diâmetro, composto por várias seções de 12 m acopladas por luvas especiais, que ligado a uma cabeça e mangote próprios, já na posição de cravação, faz a injeção prévia de água, bombeada por um motor de 210 HP, para uma vazão de 300 m3/h.
Depois foi a vez do terminal de trigo e soja construído pela Christiani-Nielsen e Andrade Gutierrez, com pré-moldados de concreto, visando à exportação de 7 milhões t dos produtos em grãos, farelo ou torta. As instalações de estocagem possuem um silo vertical de 100 células cilíndricas e 64 intercélulas, agrupadas em quatro blocos, e dois armazéns graneleiros de 64 m de largura por 280 m de comprimento. Nos armazéns foram utilizadas vigas de concreto protendido de 48 t. Foram executados dois cais de atracação: um para navios de grande tonelagem a 100 m da costa, com 13 m de largura e 412 m de comprimento, e outro de 612 m de comprimento por 12 m de largura para barcaças.
Trombetas, o complexo de alumínio
Na margem direita do rio Trombetas, a 80 km da sede do município de Oriximiná, no Pará, um projeto na escala da Amazônia foi implantado para extrair e beneficiar 3,3 milhões t de bauxita por ano, destinadas ao mercado externo. Além das dificuldades de acesso, só possível por água ou pelo ar, havia a complexidade do projeto que compreende ferrovia, rodovia, porto, montagem de equipamentos industriais, vila residencial e a infra-estrutura de uma cidade.
A 500 km de Manaus e em plena selva Amazônica, o projeto da Mineração Rio do Norte foi realizado pela Andrade Gutierrez, cujas obras tiveram início em 1976. Após todo um planejamento para garantir suprimento de matérias-primas, equipamentos e mão-de-obra, a construtora montou escritórios em Manaus, Belém, Santarém e Oriximiná.
A comunicação com o canteiro era feita via rádio. Foi organizada uma ponte aérea entre Porto Trombetas e as cidades de Manaus, Santarém e Oriximiná para o transporte de pessoas, equipamentos e materiais de urgência. A ponte envolveu, além das aeronaves, pilotos, mecânicos de manutenção, operadores de aeroporto e abastecimento.
Foi criada uma linha de barcos para ligação regular entre Porto Trombetas e cidades da região. As barcas-motor transportam de 200 a 400 pessoas, equipamentos e matérias-primas. Ilhados no meio da selva a oito horas da cidade mais próxima que é Santarém, uma encomenda simples como 100 chapas de madeira para fôrmas, por exemplo, demorava no mínimo sete dias para chegar, pois é o tempo que o barco leva de Belém até a obra.
A mão-de-obra da região teve de ser treinada intensivamente e adaptada aos serviços de carpintaria, pedreiro e armação. “Mais difícil do que ensinar o serviço, foi fazer esse pessoal, originário da Amazônia, de feitor a servente, trabalhar dentro da rotina de uma grande obra industrial”, lembra o engenheiro Luís Carlos Percegoni Santos, chefe da divisão de Engenharia. “Muitos desapareciam por vários dias, nas épocas em que conseguiam o suficiente para sua alimentação pela pesca e caça.”
A construção do porto, compreendendo a instalação industrial para beneficiar a bauxita, é uma das quatro partes do empreendimento. As outras foram a área de produção, que é a mina e a ferrovia, e a vila residencial com casas, hotel, escola, hospital, etc. e área de apoio, que incluiu alojamentos, escritórios, abastecimento provisório de água, etc. A terraplenagem bateu o recorde da Amazônia: 200 mil m3 em um mês. O total foi de 10,5 milhões m3. As escavações para obras de concreto chegaram a 250 m de comprimento por 80 m de largura e 20 m de profundidade.
O porto, destinado a receber a bauxita para exportação, o carvão e outras matérias-primas, apresenta características industriais, com o transporte realizado, em sua maior parte, por correias transportadoras e tubulações, no caso de produtos líquidos.
O porto tem suas fundações em caixões de concreto armado, com raio de 9 m e altura de 21 m, assentados sobre lastro de brita. O píer tem um berço de 135 m de cais acostável e outro de 251 m, além de outros 203 m resultantes de expansão. Na zona de atracação, a lâmina d’água é de 13 a 20 m.
Fonte: Padrão