No interior paulista, lavoura de cana recorre a escavadeiras, motoniveladoras e pás-carregadeiras para ganhar produtividade
Guilherme Azevedo – Valparaíso (SP)
E olha agora aí os dois primeiros trabalhadores rurais da viagem, lá longe, no meio do canavial ainda adolescente, em crescimento. E olha aí uma profusão de máquinas, uma sequência delas, perfiladas, reluzindo sob a luz do claro sol. Tenho vontade de perguntar a elas: “Ei, como vai o trabalho, a vida, a família?”. Me responderão? Retrato da mecanização crescente ou já completa das atividades agrícolas, do êxodo rural.
Mecanização crescente
Portanto, se você procura por aquelas imagens que marcaram época com dramaticidade aguda, de trabalhadores boias-frias recobertos de fuligem e suor, as roupas grossas e o chapelão para proteção contra as folhas aceradas e mutiladoras da cana e o sol inclemente, atuando no corte/colheita, tarefa mesmo desumana, elas, eles são cada vez mais raros. Até por um acordo voluntário entre produtores paulistas, o chamado Protocolo Agroambiental, firmado em 2007 e válido no Estado de São Paulo. Conforme o protocolo, a despalha da cana pelo fogo (prática poluente e condição para que se possa realizar o corte/colheita da cana de forma manual) deve ser extinta ainda este ano no estado, em áreas onde já é possível a colheita mecanizada, e em 2017, em áreas onde ainda inexiste tecnologia adequada para mecanização.
Na Usina da Mata, vai explicando o engenheiro agrônomo José Luiz Vieira, gerente de produção agrícola local, o índice de mecanização da colheita chegou este ano a 100%. Lançada em 2006 e com primeira moagem datando de 2007, a usina emprega hoje 1.300 trabalhadores, sendo 900 na parte agrícola, sobretudo no plantio e no controle de praga. A área de plantio, este ano, é de 24 mil ha, com produção de 2,100 milhões de t de cana. A usina é ela mesma espelho do contexto geral: originalmente produtora de gado nelore, ali a atividade pecuária foi cedendo mais e mais ao cultivo da cana.
Depois de apresentações de técnicos e gerentes da indústria de máquinas CNH Industrial (das máquinas agrícolas Case IH e New Holland, de construção Case Construction Equipment e New Holland e de caminhões Iveco, entre outras), promotora do encontro; depois de Leonardo Barbieri, gerente de marketing global de colhedoras de cana da Case, dizer que ficará satisfeito se sairmos convencidos de que equipamentos para construção podem muito bem servir para aplicações agrícolas, somos deixados na lavoura de cana. Trabalham à nossa frente, coordenadamente, três máquinas Case, tradicionais nos canteiros de construção e aqui lotadas no processo de sistematização do solo, isto é, na preparação do solo e dos canteiros para o plantio (os canteiros deverão ter mais ou menos 1,5 m de largura cada). Há uma motoniveladora 865B, uma escavadeira hidráulica CX220B e uma pá-carregadeira 721E canavieira. Esta última recebeu algumas adaptações em sua composição, como pré-filtros na entrada do motor e do ar-condicionado, de modo a evitar o contato com o excessivo movimento de partículas em suspensão, advindas do bagaço da cana. É o que sentiremos depois na pele, quando visitarmos as instalações da usina de etanol e açúcar: parece que neva e os óculos de proteção não conseguem evitar a invasão das partículas finas do bagaço. Há também o melaço que encharca o ar, com seu odor característico, levemente azedo, do cozimento e da fermentação da cana, e vai grudando e adoçando a gente com o passar do tempo. É doce (ou quase) a visita à usina. Na operação da Usina da Mata estão hoje um grupo de máquinas Case Construction, formado por sete pás-carregadeiras, três motoniveladoras e uma escavadeira hidráulica.
Sem paradas
O negócio da Usina da Mata é intensivo: colhe-se e processa-se cana 24 horas por dia, com auxílio inicial de colhedora Case A8800 Multilinhas, traquitana que tem um braço com dois círculos cortantes na extremidade, que vão girando e aparando os ponteiros da cana (não utilizados no processo industrial), enquanto sua bocarra central vai engolindo os caniços com o auxílio de quatro bastonetes cilíndricos, quais dedos. À esquerda da máquina, um duto metálico se alteia, se curva e vai cuspindo o vegetal coletado e já picotado nos transbordos puxados por um trator. Um operador conduz a colhedora; outro, o trator. “Em usina não se tem estoque; o estoque é o que está em cima do caminhão”, posiciona José Luiz Vieira. É que a cana, depois de colhida, tem validade de mais ou menos 24 horas. Não se pode perder tempo, portanto.
Amanda Corrêa de Souza, roupas convencionais, jeans, boné, óculos escuros, colete verde-limão refletivo, tem uma função importante no processo de transporte da cana, do canavial para a usina. Profissão: engatadora de julietas. Julieta, no jargão do setor sucroalcooleiro, é a segunda caçamba do conjunto de transporte rodoviário denominado romeu e julieta. Amanda é, portanto, espécie de engenheira de tráfego no canavial, que coordena a aproximação dos caminhões e dos tratores, a correta abordagem lateral do tra
tor com o caminhão, a altura do transbordo, erguido hidraulicamente, até a inclinação do transbordo, com vistas ao derrame da cana. Tudo feito com um conjunto de sinais que formam um código, compartilhado e compreendido pelos motoristas. “Tem de ter atenção dobrada, e muita paciência”, resume Amanda a sua profissão, com a experiência de quem está nela há quase quatro anos. Na Usina da Mata, trabalham três engatadoras de julietas por turno, nos três turnos existentes; Amanda pode ser encontrada no canavial das 7h às 15h20. Moça simpática.
A usina
Os caminhões carregados de cana seguem agora para a usina, por estradas de terra. Uma parada no meio do caminho: para a coleta de três amostras da cana na caçamba, a fim de analisar o teor de sacarose dela. Isto é, para saber quão doce é a cana. Coletam-se, hoje, amostras de cerca de metade de toda a cana colhida. O processo industrial da usina quem nos apresenta é João Turato, o gerente da área. “É o comércio que define se produzimos mais açúcar ou mais álcool. Ou 70% açúcar e 30% álcool; ou 70% álcool e 30% açúcar”, posiciona Turato, indicando a diretriz de mercado da produção. O processo de fabricação de açúcar e etanol (etanol anidro, com 0,3% a 0,7% de água; e etanol hidratado, com 7% de água) é autossustentável em termos de energia e ainda gera excedente, vendido no mercado externo: são consumidos 12 MWh ou 13 MWh na produção e exportados 20 MWh. A energia se obtém da combustão do bagaço da cana na caldeira, que produz vapor d’água e, por sua vez, movimenta as turbinas instaladas no circuito.
Questões
Então, depois do giro pelas instalações, até a saída final do açúcar (que ficará branco após a ação do enxofre), retornamos, melados de cana, com uma camada de bagaço recobrindo a pele. Algumas questões vão adoçando (e amargando) os pensamentos: a questão da produtividade no campo será resolvida com a pura e simples mecanização das atividades? E os trabalhadores, antes empregados no corte e colheita da cana, o que farão? Serão formados e qualificados para outras atividades agrícolas ou mesmo fabris? E se não chover, como não chove há tantos dias por aqui, paisagens amarelas, a poeira vermelha que se levanta e vai colorindo a gente, o que vai acontecer com as lavouras? O Sudeste se mal acostumou com água abundante e não tem cultura de racionalização da irrigação ainda, e é sabido que se gasta muito mais do que deveria. Qual o futuro do álcool, do etanol como combustível, com a provável crescente exploração do petróleo da camada do pré-sal? Há um cheiro no ar de difícil identificação, ainda.
Fonte: Revista O Empreiteiro