Falta de continuidade prejudica avanços da tecnologia dos túneis

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Apesar de obstáculos já antigos no Brasil, CBT comemora feitos e projeta crescimento

 

Guilherme Azevedo

 

Uma das disciplinas da engenharia que mais se destacam hoje no Brasil, a construção de túneis entretanto não encontra formação adequada e específica em nível universitário no País. São pouco numerosas as universidades que ensinam ao futuro engenheiro as artes das construções subterrâneas, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Há, ainda, obstáculos antigos, como o do planejamento deficiente dos projetos e de certo imediatismo e preconceito com as obras subterrâneas. A avaliação é do presidente do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT), engenheiro Hugo Cássio Rocha, feita na entrevista a seguir. O CBT é a entidade que reúne a indústria de construção de túneis do Brasil.
 
A travessia por túneis avança como disciplina da engenharia, mas seu ensino, no Brasil, ainda é insuficiente

 

A transposição por túneis é, hoje, uma das alternativas mais buscadas, por exemplo, para a adequação dos projetos às exigências ambientais, como forma de reduzir o impacto local, na hora da execução e depois da operação dos empreendimentos. Portanto, discutir o assunto túneis, com um viés propositivo, é parte do esforço necessário à construção de infraestrutura adequada no País.

 

Hugo Cássio Rocha, presidente do CBT

 

O CBT foi fundado em 1990 e, portanto, completa 24 anos de vida, este ano. Quais são as principais conquistas e realizações do comitê?

Acredito que a principal conquista do CBT nestes 24 anos foi conseguir reunir a indústria tuneleira brasileira – clientes, projetistas e construtores (e seus subcontratados). Este é o principal objetivo do Comitê Brasileiro de Túneis, que vem conseguindo se concretizar ao longo dos anos. Além disso, foram realizados três Congressos Brasileiros de Túneis, dois Congressos Mundiais de Túneis (um em 1998 e outro agora, em maio), dois cursos da ITACET (Fundação para Educação e Treinamento da ITA – International Tunneling and Underground Space Association), o Simpósio de Impermeabilização, o lançamento do livro Túneis do Brasil – já em sua segunda edição –, diversas palestras técnicas, participação em congressos internacionais – com incentivo do CBT e delegações sempre maiores –, visita à galeria de teste de Hagerbach, na Suíça, com uma delegação de 32 brasileiros, e cursos técnicos pelo Brasil, como em Belo Horizonte, Fortaleza, Rio de Janeiro e Salvador. Outro destaque é que, de acordo com o ex-presidente da ITA In-Mo Lee, o CBT é um dos grupos mais ativos do mundo e o mais ativo da América do Sul. Isso se reflete em números, se considerado o crescimento do número de associados de 2004 a 2014. Eram 105 associados em 2004 e já são 470 no primeiro semestre de 2014. A luta agora é para que o comitê continue crescendo, reunindo a comunidade tuneleira e mostrando à sociedade como um todo a importância das obras subterrâneas.

 

Do ponto de vista da engenharia de túneis, qual posição o Brasil ocupa hoje entre os países? Em que disciplina de construção de túneis vamos bem e em que disciplina de construção de túneis precisamos melhorar, ainda?

O Brasil, no Segundo Império, esteve na vanguarda da construção de túneis, utilizando tecnologia e mão de obra especializada importada. No início do século 20, importou tecnologia, mas já começou a utilizar mão de obra local. Nos anos 50 e 60, consolidou a engenharia de túneis, mas nos anos 70 é que formou a maior parte dos grupos técnicos de túneis que atuam até hoje, a partir de obras importantes, como Rodovia dos Imigrantes, Ferrovia do Aço, usinas de Paulo Afonso e o Metrô de São Paulo. Neste período, esteve mais uma vez como vanguarda em relação a vários países do mundo, com utilização de tuneladoras de última geração. Após os anos 80, a engenharia de túneis teve pouco incentivo ao desenvolvimento devido à crise econômica, entretanto, com a introdução do método NATM [New Austrian Tunnelling Method, na sigla em inglês], foi desenvolvida uma importante “escola” brasileira, com reconhecimento internacional, com túneis revestidos somente com concreto projetado, diferentemente do que se fazia e se faz ao redor do mundo. Até hoje este desenvolvimento é reconhecido mundialmente. Associado a isso foi também desenvolvida a técnica de poços circulares somente com concreto projetado, que, por sua vez, evoluiu para a técnica de poços secantes múltiplos, técnica que foi exportada para a Europa (Portugal) por engenheiros brasileiros. Também existe um reconhecimento internacional da vanguarda brasileira.

 

O engenheiro brasileiro tem recebido formação específica e adequada para a construção de túneis? Qual é a avaliação do CBT sobre a formação universitária do engenheiro brasileiro nas disciplinas de túneis?

De maneira geral, não se ensinam projeto e construção de túneis no Brasil. No nível de graduação, a formação (com algumas exceções) é quase nula. Mesmo em nível de pós-graduação, poucas escolas têm disciplinas disponíveis no tema. Entre as escolas que têm disciplinas, destacamos a Escola de Engenharia de São Carlos-USP, a UNB, a Escola Politécnica da USP, a PUC-Rio e a UFRJ-Coppe e o ITA (Instituto Tecnológico da Aeronáutica).

 

O que difere, em linhas gerais, o projeto básico e executivo de um túnel do de uma obra de arte, digamos, mais convencional? O que precisa estar contemplado em projetos de túneis, aquilo que não pode faltar de modo algum, para sua boa execução?

A principal diferença dos projetos de túnel para uma obra de arte convencional é que o principal material de construção é o maciço circundante, o maciço geológico, e este varia metro a metro e não pode ter suas propriedades mecânicas (no caso, geomecânicas) co
nsideradas com uma abordagem determinística, mas sim probabilística. Em consequência disso, o projeto básico também deve ter uma abordagem probabilística. As propriedades reais do maciço e as necessidades de suporte e de tratamento só poderão ser definidas definitivamente no projeto executivo, o que pode conduzir a significativas variações de custos. Os principais ingredientes de um bom projeto de túneis são: 1) bom conhecimento da geologia local; 2) adequadas e bem planejadas investigações geológicas e geotécnicas; 3) escolha de um método construtivo adequado considerando a geologia, as condições fisiográficas, a destinação das obras, a ocupação superficial e a experiência do construtor; 4) projetistas experientes; 5) utilização de várias (e redundantes) metodologias de cálculo, utilizando processamentos numéricos em 2D e 3D, mas sem desprezar os métodos de cálculo tradicionais semiempíricos; 6) avaliações probabilísticas de estabilidade; 7) construtores experientes; 8) acompanhamento técnico de obra com técnicos experientes; 9) adequado monitoramento; e 10) eficiente sistema de gestão de riscos.

 

As obras de túneis são hoje bastante numerosas no Brasil, até como opção considerada mais ecologicamente correta e por estar debaixo da terra, interferindo menos na superfície densamente povoada e ocupada. O contexto, portanto, é favorável a sua difusão. Porém, o que o senhor apontaria como o grande obstáculo às obras por túneis, no Brasil?

Vários são os obstáculos. O primeiro é a falta de planejamento e de continuidade das obras, problema que prejudicou os projetos por vários anos. Obras acima da superfície inacabadas são menos críticas que um túnel inacabado. Outro é a falsa ideia de que túneis são caros. Se assim fossem, os países mais desenvolvidos e que melhor planejam sua infraestrutura não os fariam. Os prazos políticos apertados são outro grande inimigo dos túneis, pois um projeto benfeito precisa de um tempo mínimo de planejamento, maturação e execução. Além disso, os túneis não aparecem na superfície e seu impacto eleitoral é menor. A ganância de alguns poucos executores, que preferem uma obra mal investigada e planejada para poder efetuar reivindicações mais lucrativas no futuro. Aquela ideia de “quanto pior, melhor”, levando alguns administradores públicos a achar que uma obra de túnel é imprevisível e, portanto, deve ser evitada. E ainda a falta de tradição.

 

O que o senhor considera que poderia ser o incentivo que faltava para a indústria de construção de túneis, como um todo?

A obrigatoriedade de uma profunda análise de custo-benefício de longo prazo e de um aprimorado sistema de gestão de riscos do empreendimento, associados a mudanças na legislação vigente de contratação de obras, flexibilizando a Lei 8.666.

Fonte: Revista O Empreiteiro


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