Fazendo emergir uma nova disciplina no País

Impulsionados pelo túnel Santos-Guarujá, engenheiros brasileiros aprofundam formaçãoem túneis submersos

Guilherme Azevedo

Um grupo de cerca de 170 engenheiros e estudantes de engenharia imergiu tão fundo quanto possível numa disciplina que apenas agora desponta no País: a de construção de túneis submersos. Foi durante o “Seminário sobre Túneis Submersos”, dias 8 e 9 de novembro, em período integral, no Instituto de Engenharia, em São Paulo. Uma iniciativa do Comitê Brasileiro de Túneis (CBT), em parceria com a Fundação para Educação e Treinamento sobre Túneis e Uso do Espaço Subterrâneo (ITACET, na sigla em inglês).

Profissionais estrangeiros, experimentados na criação, gestão e execução de alguns dos maiores e mais complexos túneis sob a água no mundo, deram início à transferência dessa tecnologia, processo que deve culminar com a execução do primeiro túnel submerso do Brasil. O túnel Santos-Guarujá, no Litoral Sul paulista, tem custo orçado hoje em R$ 2,4 bilhões e pretende ligar os municípios de Santos e Guarujá atravessando as águas do Oceano Atlântico no canal onde está situado o Porto de Santos. A extensão prevista é de 1,712 km, com trecho submerso de cerca de 700 m, 21 m de profundidade, três faixas de rodagem de cada lado e cobrança de pedágio. Aguarda-se o início dos trabalhos para julho de 2014, com prazo de conclusão para março de 2018 (um total de 44 meses).

“Se tantos outros países adotaram a solução, por que ela não chegou ao Brasil? Daqui por diante, as travessias serão pensadas de formas diferentes, incluindo a solução de túneis imersos”, defendeu o engenheiro civil Tarcísio Celestino, na abertura do encontro. Ex-presidente do CBT, Tarcísio é gerente de projeto da Themag Engenharia, empresa que integra, ao lado da Engevix e da Planservi, o consórcio consultor do projeto do túnel Santos-Guarujá.

Engenheiro Tarcísio Celestino, na abertura do seminário: Defesa da difusão da técnica

No mundo, conforme apresentado por Jonathan Baber, diretor de projeto da consultora Mott MacDonald, do Reino Unido, existem hoje 140 túneis submersos com fim de transporte e outros 45 com fim de serviços, como cabeamento. A Holanda é a líder mundial em número de túneis submersos, com 34, seguida dos Estados Unidos, com 30, e o Japão, com 28. Entre os continentes, a Europa é, disparado, o local que mais concentra túneis do gênero, 88, contra 53 na Ásia e 36 na América. Baber apresentou, inclusive, definição do que é um túnel submerso, bom início de conversa sobre o assunto: “Um túnel submerso consiste de um ou mais elementos de túnel pré-fabricados que são flutuados até osite, instalados um a um e conectados um ao outro sob a água. Um túnel submerso é geralmente instalado numa vala que foi previamente dragada no fundo de um canal entre estruturas terminais (os emboques) que são construídas no seco”.

O seminário tratou com profundidade dos múltiplos aspectos complexos envolvidos na construção desse tipo de obra de arte especial, como as atribuições de um proprietário de projeto, que deve, como sugeriu Michael Tonnesen, da consultora dinamarquesa COWI, se cercar de consultores experientes, caso não tenhaexpertiseno assunto. Outros temas focalizados foram os tipos de túneis submersos existentes; a definição do espaço interno do túnel, incluindo itens como ventilação, área de serviços, drenagem, sistema antifogo etc.; alinhamento e extensão do túnel submerso; análise e projeto estrutural; questões geotécnicas, ilhas e melhoramento do solo; sequência de construção, juntas e controle inicial de fissuras; lançamento, reboque, instalação e imersão; dragagem, fundações e conexões finais com a superfície; segurança e gerenciamento de riscos; e operação e manutenção das estruturas.

Ponte ou túnel?

Imagem do projeto do túnel submerso Santos-Guarujá, no Litoral Sul paulista

Algumas questões de base se fizeram logo presentes: quais as vantagens de uma travessia por túnel submerso, quando comparada com a mesma travessia por ponte? Quando utilizar um, quando utilizar o outro? O risco inerente ao túnel submerso, o fato de estar sob a água, é superior ao do túnel escavado convencional, em terra? Jonathan Baber foi respondendo, com ponderação: “Não há uma regra básica entre ponte e túnel. Depende da natureza da travessia para sabermos se o túnel submerso é melhor. Em termos de solo, não teríamos mais riscos devido ao solo submarino, em comparação com o solo escavado. É se certificar de que as sondagens geológicas deem informações precisas sobre as condições do subsolo. Digo que o risco de um túnel submerso é diferente, mas não mais alto”.

Você, empreiteiro, já sabe, mas não custa recordar: há dois tipos de túneis, segundo o material escolhido para a execução. Pode ser de concreto ou de aço. Se for de concreto, as seções que o compõem, normalmente medindo entre 100 m e 180 m, podem ser monolíticas ou segmentares. As seções monolíticas são estruturas contínuas que atuam como vigas, e se articulam apenas nas juntas de imersão, quando vão formando o túnel. Exatamente por esse caráter mais rígido, os elementos monolíticos ganham uma membrana externa de impermeabilização como garantia contra vazamentos. As seções segmentares diferem das monolíticas por terem juntas intermediárias, não apenas nas extremidades. Essa característica deixa uma seção segmentar imune a vazamentos, prescindindo da aplicação de membrana impermeabilizante. Palavra de Christian Ingerslev, da construtora Parsons Brinckerhoff, dos Estados Unidos.

Para Christian Ingerslev, critério político também importa

Qual é melhor? De aço ou de concreto? De novo, não há resposta única, simples. A decisão de fazer o túnel desse ou daquele material inclui s&ea
cute;rie de outras variáveis, como a disponibilidade de um ou de outro insumo, a oferta de mão de obra especializada em cada técnica, o contexto econômico do país e do mundo. “Talvez o custo não seja o fator principal na hora de decidir entre um e outro, mas a política. Falta espaço para gente de concreto, então se faça de concreto. Falta espaço para gente do aço, então se faça de aço. Nunca subestime a política”, recomenda Ingerslev. Ele apontou algumas características da execução com um e com o outro material. Por exemplo, o concreto se torna mais flexível na hora de configurar as vias do túnel, ao passo que a chapa de aço é mais resistente a possíveis abalos sísmicos. “Mas não se limite ao básico. Pense fora da caixa: qual é a solução ideal para o seu caso?”, incentivou.

A qualidade do concreto, aliás, é um dos principais fatores a ser observados numa obra de túnel submerso. Pelo motivo óbvio: não pode haver trinca, para não vazar água. Daí a técnica de resfriamento do concreto no lançamento, criada e difundida pelos holandeses e já conhecida no País, ser recomendada, uma vez que torna os elementos mais bem-acabados. Todo o cuidado no trato com o concreto é decisivo.

Minimizando riscos

Um dos assuntos centrais do seminário foi segurança e gestão de riscos. A execução de um túnel submerso precisa prever respostas adequadas a um sem-número de eventos possíveis. É preciso resistir firmemente a abalos sísmicos; ao regime das marés, da intensidade das ondas; a choques advindos de afundamentos de navios sobre a estrutura; ao impacto de âncoras de navios, entre tantos outros.

A complexidade explicitada pelos palestrantes parece ter sido o que de mais importante ficou para o público. “Não imaginava a quantidade de instrumentos, sensores, robôs, equipamentos envolvidos na execução de túneis submersos. O problema é garantir a vedação do túnel, como se faz o processo de junta e também a imersão do túnel”, aprendeu o engenheiro civil Marcio Andrade Meirelles, gerente de estudos de obras da construtora Isolux Brasil. Para Marcos Antônio de Oliveira, engenheiro civil da construtora Mendes Júnior, o sucesso está nos detalhes. “É essa a diferença entre um projeto bem-sucedido ou malsucedido. Por exemplo, se a junta (entre os segmentos dos túneis) não estiver muito boa, o que vai acontecer? Atraso, aumento dos custos.” Danielle Broda, estudante do quarto ano de engenharia civil na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e aficionada por pontes, gostou do comparativo entre travessias por pontes e túneis escavados e submersos e defendeu humildade nesse momento inaugural para a engenharia brasileira. “A gente não vai conseguir fazer isso sozinho. Vai precisar de ajuda.” Embora não trabalhe diretamente na edificação de obras de arte especial,Gislaine Coelho de Campos, engenheira civil do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), elogiou: “Foi uma oportunidade de aprendizado enorme, em pouco tempo”.

O domínio da técnica de submergir túneis decerto importa, como mais uma possibilidade disponível para transposições. Pode ser muito útil e até mais vantajosa, dependendo das condições do projeto. A técnica também já alimenta o sonho de poetas, de engenheiros, percorrendo léguas submarinas a bordo de seus automóveis Nautilus. Através do mar profundo.

Maiores túneis imersos do mundo

San Francisco – Estados Unidos (1969)

5,82 km

Copenhague – Dinamarca (2000)

3,5 km

Busan – Coreia do Sul (2010)

3,2 km

Roterdã – Holanda (1966)

2,85 km

Pulau Seraya – Cingapura (1988)

2,6 km

Paraná – Argentina (1962)

2,36 km

Boston (Hampton Roads 2) – Estados Unidos (1976)

2,22 km

Tuas Bay – Cingapura (1999)

2,1 km

Boston (Hampton Roads 1) – Estados Unidos (1957)

2,09 km

Blaye – França (1978)

1,93 km

Fonte: Redação OE

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