Quando a delegação australiana se recusou a ocupar os alojamentos que lhes foram destinados na Vila Olímpica, no Rio de Janeiro, lamentamos que ali não se tenha recorrido ao projeto eletrônico na modalidade Building Information Modeling (BIM) no gerenciamento do conjunto dos serviços. Ao invés disso, decidiu-se deixar a execução dos acabamentos à responsabilidade de empresas subcontratadas — terceirizadas e até quarteirizadas -, cuja única ferramenta de gestão e de controle de qualidade se resumiu à simples observação e acompanhamento a olho nu. Pior ainda: não houve nem sequer notícia de uma inspeção final a cargo do consórcio construtor para a entrega das chaves.
O estado calamitoso da economia brasileira, quando o governo interino assumiu, foi também reflexo do resultado de gestão temerária: deu-se pouco caso aos agentes tradicionais do mercado, e houve intervenções atabalhoadas em setores estratégicos, como o de energia. Este possuía um modelo que, embora longe de ser perfeito, vinha funcionando. Contudo, o comportamento mais grave do governo anterior foi gastar mais do que a arrecadação permitia; aparelhar a máquina administrativa e não combater a corrupção.
O novo governo tem desafios monumentais pela frente, começando pela retomada das obras de infraestrutura. Para tanto, lança uma nova chamada à iniciativa privada, para que compareça em massa às rodadas das novas concessões de serviços de infraestrutura, iniciando essa tarefa pelos aeroportos de Florianópolis (SC), Porto Alegre (RS), Salvador (BA) e Fortaleza (CE), cujas funcionalidades, investimentos e modernização passarão para operadores privados. Para tanto, o governo vem acenando com prazos mais alongados de investimentos, regras mais claras e amigáveis, incentivando o ingresso de novos players. A abundante liquidez do mercado global e os juros próximos a zero das economias desenvolvidas podem atrair maior número de investidores ao País.
A reforma da máquina administrativa também está na agenda do governo interino. E não deve tratar-se apenas da abertura de concursos para contratar novos quadros. A intenção é requalificar os gestores através de treinamento, uso de softwares de gestão para dar rapidez e qualidade às informações e às decisões; blindagem contra interferências político-partidárias, contratação de empresas privadas de consultoria para estudos e projetos (até o nível executivo) e gerenciamento técnico da execução das obras.
O governo, em suas várias instâncias, precisa superar o ranço da relação de amor e ódio ao investidor privado. Até os países desenvolvidos veem as concessões e PPPs como caminho para a modernização da infraestrutura, diante do baixo crescimento relativo das economias maduras e do custo crescente com saúde, educação e aposentadoria. Não seria o Brasil a reinventar a roda nesta questão. O interesse público é defendido pelas agências reguladoras que fiscalizam as concessões e, para tanto, precisam ter autonomia de gestão. O lucro do concessionário privado faz parte do negócio.
A gestão das obras e empreendimentos deve ser confiada aos técnicos qualificados dos órgãos contratantes, que vão recorrer às empresas privadas de engenharia do mercado para necessidades específicas. Projetos executivos detalhados terão que ser obrigatórios para obras a licitar, já que custam menos de 5% do valor do empreendimento. Empresas que deixam de executar uma obra pelo preço orçado, no prazo e na qualidade regida pelas normas, devem ser excluídas das futuras licitações. Urge acabar com a indústria dos aditivos contratuais.
A Lei 8.666/93 deve voltar à plena vigência, atualizada com as reformas em curso no Congresso, descartando-se o famigerado Regime Diferenciado de Contratações (RDC), que só favoreceu possibilidades de desvios. Convém Introduzir com urgência o sistema eletrônico BIM nos projetos e licitações de obras públicas, conferindo-se transparência ao próprio projeto de engenharia, atrelado à atualização de custos e cronograma a cada alteração autorizada pelo contratante. O Exército brasileiro é pioneiro nessa prática e pode liderar o processo. A Inglaterra vem tomando todas as providências para que até 2017 o uso do BIM se torne obrigatório nas licitações de obras, o que deverá resultar em uma redução de custos finais da ordem de 20%.
Há uma lenda popular segundo a qual o melhor gestor é o português da padaria. Ele fica na boca do caixa. Poucos lembram que a padaria geralmente tem três sócios e cada um cumpre um turno de oito horas — porque os pães começam a ser preparados de madrugada. Resumindo: a gestão da coisa pública precisa ser feita também 24 horas por dia, num processo ininterrupto. Se houver 1% de inspiração, os outros 99% são de transpiração.