Maior parceiro comercial da África e quarto maior investidor estrangeiro em investimentos diretos, a China já provoca reações crescentes depois de uma década de atuação no continente
Joseph Young
O comércio exterior da África somou US$ 1 trilhão em 2013. Nele desponta a liderança da China, com US$ 156 bilhões, seguida pelos Estados Unidos, França, Índia e Espanha, com menos de metade a um terço do resultado chinês. Em investimentos externos diretos, que atingiram US$ 59,3 bilhões em 2012, a China, com US$ 2,5 bilhões, é o país na quarta posição, abaixo da Inglaterra, Estados Unidos e Itália.
Esses números não refletem, na realidade, a penetração do capital e empresários chineses no continente africano e a crescente animosidade que vêm provocando. Um tema de recentes sketches cômicos na rádio de diversos países gira sempre em torno de cidadãos locais que perderam a namorada ou a esposa para homens chineses. Disse um desconsolado africano: ”Eles são feios e baixinhos que nem pigmeus. Mas vêm com bolsos cheios…”.
Mais de 1 milhão de chineses emigraram para a África na década passada, na sua maioria comerciantes e trabalhadores. Há uma empatia entre os governos e um número crescente de ferrovias, pontes e estradas que estão sendo construídas por construtoras chinesas. O capital chinês controla diversos depósitos de minerais estratégicos. Nesse quesito, em que a China tem levado vantagem na competição com antigas potências coloniais, a concorrência é renhida; os europeus reclamam que, por causa da governança corporativa, eles não podem recorrer a presentes, como automóveis Mercedes-Benz que empresários chineses costumam dar como mimo a dirigentes locais.
Países não europeus parecem ganhar terreno na economia africana. Negócios com a Índia podem atingir US$ 100 bilhões este ano, crescendo num ritmo superior aos realizados com a China, e devem suplantar os Estados Unidos em pouco tempo. Brasil e Turquia também estão deixando os concorrentes europeus para trás.
Segundo estudo recente da consultoria PWC, depois de uma década de enfoque em infraestrutura, mineração e petróleo, os investimentos diretos da China hoje se diversificaram amplamente, de fabricação de sapatos a processamento de alimentos. Talvez por isso mesmo a reação contrária tem se alastrado em outros segmentos dos países africanos, principalmente quanto às relações com trabalhadores locais, frente a empregados trazidos da China, e maior rigor em preservação ambiental nos projetos de infraestrutura.
Segundo a IDE-Jetro (Institute of Developing Economies; Japan External Trade Organization), a China toca projetos de infraestrutura em 35 países da África, com a maior parte em Angola, Nigéria e Sudão, e tem crescente presença na República Democrática do Congo (RDC). O grosso das obras é de hidrelétricas e transportes, em especial ferrovias, e em menor grau, água e esgoto.
A competitividade das construtoras chineses salta à vista nas concorrências das agências multilaterais, como Banco Mundial e Banco de Desenvolvimento da África, que obrigam a realizar licitações internacionais nos projetos que financiam. No caso do primeiro, calcula-se que desde 1999 construtoras chinesas tenham ganhado de 10% a 20% das concorrências realizadas, com valor acumulado de US$ 738 milhões no período 2001-2006. Embora expressivo, esse total torna-se quase insignificante perante o valor comprometido por empresas chineses em obras de infraestrutura, estimado em mais de US$ 12 bilhões no período.
Elas se concentram em obras civis, com ausência quase total em serviços de consultoria e participação mínima em fornecimento de equipamentos — que não passa de 3% do total. Em construção, entretanto, a China conquistou 31% dos contratos licitados pelas agências mundiais entre 2004 a 2006. O segundo colocado é a França, com 12% do total em obras civis; todos os outros países não ganharam mais do que 5%.
Cerca de 70% do valor dos contratos das construtoras chinesas estão em quatro países: Etiópia, Moçambique, Tanzânia e RDC. Esse mapa difere quando se trata de projetos financiados por capital chinês, com 55% concentrados em Angola, Sudão e Nigéria.
Foco em hidrelétricas
O setor que atraiu a maior parte do financiamento chinês é o de energia, que acumulou até hoje compromissos de US$ 5,3 bilhões, a maior parte deles em hidrelétricas. Até 2007, esses recursos estavam destinados a dez usinas em nove países, ao custo total superior a US$ 5 bilhões, sendo US$ 3,3 bilhões financiados. A capacidade combinada desses projetos alcança a expressiva soma der 6 mil MW — a capacidade instalada atual na África é de 17 mil MW.
As negociações concluídas mostram uma abordagem versátil em termos de garantias reais: o financiamento do EximBank da China aceitou petróleo como garantia na barragem do Rio Congo, na República Democrática do Congo, e cacau na barragem Bui, em Gana. O empréstimo para a barragem de Souapiti no Guiné está travado com receita da mineração de bauxita.
Tradição em ferrovias
O marco pioneiro da presença chinesa na África foi a construção da ferrovia Tanzânia-Zâmbia nos anos 70, simbolizando sua contribuição à modernização do continente. Nos anos recentes, essa participação cresceu exponencialmente com financiamentos que somam US$ 4 bilhões. Essas obras abrangem a reabilitação de 1.350 km de linhas obsoletas e a execução de 1.500 km de ferrovias novas. Em comparação, a rede total do continente atinge cerca de 50 mil km.
Fonte: Revista O Empreiteiro