Free Flow necessita de arcabouço legal

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No 3º Salão de Inovação do CBR & C Brasvias 2011, realizado pela Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias (ABCR), Chile e Portugal mostraram a aplicação dessa tecnologia que já atingiu a maturidade. Entretanto, precisa de um ambiente legal e da disposição favorável do poder concedente para que alcance resultado

O Chile adotou as leis de concessão em 1996 e no ano seguinte estendeu-as para portos e empresas de saneamento, segundo Jorge Rivas A., gerente de operação da concessionária Vespucio Norte. Ao dividir os riscos entre o Estado e os concessionários privados, a modalidade viabilizou não só o seguro de responsabilidade civil, como também aquele em casos de catástrofes naturais — o terremoto de fevereiro de 2010 que atingiu o país é um exemplo —, além de ter aberto financiamento pelos bancos a taxas reduzidas. 
Assim, os investimentos via concessões atingiram o total de US$ 12,5 bilhões no período de 1993 a 2011, tendo o Estado recebido US$ 428 milhões pelas outorgas. O total de rodovias concedidas chegou a 1.500 km.

Os estudos de concessão chilenos são efetuados pela iniciativa privada e o Ministério de Obras Públicas deve aprová-los antes de colocar o empreendimento em licitação pública. Seis autoestradas urbanas foram contempladas em concessões —Vespucio Sur, Central, Costanera Norte, Vespúcio Norte, Túnel San Cristobal e Radial Nororiente —, que somaram investimentos de US$ 1,8 bilhão, incluindo 215 km de vias na região de Santiago. 
No chile, existem 1,86 milhões de tags ativos em automóveis, com um único modelo universal, e 78 pórticos de pedágio, que fazem a leitura automática desses tags, possibilitando o funcionamento do sistema chamado Free Flow (pedágio sem cabine de cobrança). Por ano, 18 milhões de faturas de pedágio são geradas — os dados de cobrança dos usuários são consolidados respeitando-se a privacidade do cidadão.
O Free Flow no Chile funciona com o suporte de um arcabouço legal constituído pela lei de trânsito 18.290, que estipulou a falta de tag ou passe diário como infração grave — por conta disso, mais de 8 milhões de infrações foram lavradas até hoje, envolvendo 715 mil placas diferentes, cujas multas foram aplicadas efetivamente e recebidas, com apenas 10% dos infratores recorrendo à justiça. O artigo 42 da lei de concessões assegura que a multa pode chegar a 40 vezes o valor total da dívida, e o carro ou o salário do cidadão pode servir de garantia.
O sistema de pedágio que controla hoje duas autoestradas no país permite incorporar novas rodovias e tem disponibilidade de 99,5%. Embora utilizem tecnologias distintas de tag e pórticos, seus dados são intercambiáveis. O uso de tag chegou a 95% dos usuários, com alta taxa de pagamento via web, e o atendimento ao público é feito pela internet e redes sociais em 55% dos casos.
O sucesso dessa etapa de concessões levou o governo chileno a anunciar um novo programa para 2010-2014, envolvendo rodovias, aeroportos, hospitais e penitenciárias, prevendo-se investimentos de US$ 11,7 bilhões.

APLICAÇÃO EM PORTUGAL
A experiência de Portugal, utilizando a tecnologia QFree, mostra a importância do apoio político para a implementação do pedágio eletrônico, incluindo garantia de proteção aos dados privados do cidadão; supervisão efetiva das autoridades, que tornou possível  a introdução da placa eletrônica nos veículos; prova de passagem do veiculo no pedágio baseado na imagem fotográfica e no registro do tag; e a obrigatoriedade  contratual de os provedores de serviço da rodovia pedagiada responderem pelo atendimento às  queixas dos usuários.
O sistema português dá descontos para usuários frequentes e moradores da região da rodovia, e o não pagamento do pedágio é considerado infração fiscal pelas autoridades e cobrada como tal. A taxa de aceitação dos usuários começou em 40%, já dobrou e continua crescendo. As concessionárias portuguesas – Ascendi, Brisa e Ferrovial – se surpreenderam com a baixa percentagem de infratores, graças à rapidez na cobrança de débitos, e a instalação de postos nas rodovias para receber o pedágio em dinheiro, visando principalmente aos veículos de outros países. A disponibilidade do sistema atinge 99,9%.

POSSÍVEL INTRODUÇÃO NO BRASIL
O Free Flow representa um sistema de pedágio mais “justo”. A cobrança por km percorrido irá resolver a principal queixa dos usuários atuais de rodovias pedagiadas: muitos usam a rodovia, mas só poucos pagam. Por exemplo, muito menos da metade dos usuários que percorrem as rodovias que entram em áreas metropolitanas – Dutra, Ayrton Senna, Anchieta – paga pedágio porque as praças estão fora da área urbana e, muitas vezes, os usuários usam a rodovia somente no seu trecho inicial – portanto, sem passar pela praça de pedágio. Paradoxalmente, os custos de operação são maiores nos trechos mais trafegados — exemplo: socorro mecânico e médico – e poucos usuários pagam por este serviço.
O Free Flow ou pedágio por km percorrido representa a “democratização do pedágio”, ou seja, pedágio mais justo para todos. Para poder aplicar este conceito nas rodovias brasileiras, não há problemas tecnológicos a serem resolvidos — a tecnologia já funciona em diversos países —, mas existem duas questões sérias que, com certeza, irão surgir na gestão do processo:
1 – Mudar o arcabouço legal atual para minimizar o risco de inadimplência, lembrando que hoje existe um percentual expressivo de usuários que nem IPVA pagam e cujos veículos estão em situação irregular. Este grupo representa grave risco para o concessionário. A solução seria aumentar a fiscalização e retirar os veículos irregulares de circulação.
2 – A classificação dos veículos, hoje, é por número de eixos e por rodagem dupla, que funciona em uma praça com cabines confinadas; porém, no sistema Free Flow não existe tecnologia que consiga classificar os veículos por número de eixos, com margem de erro aceitável. Nos países onde o Free Flow opera, o sistema de classificação é por comprimento do veiculo: leve ou comercial. Essa mudança traria evidentes problemas operacionais às atuais concessionárias que estão operando.
Equacionados estas duas questões, que precisam de solução nacional e não estadual, o sistema de pedágio por km percorrido traria benefícios para a totalidade d
os usuários das rodovias operadas por concessionárias, ampliando o universo dos usuários pagantes. Quando essa mudança se efetivar, o valor dos pedágios pode até cair.

Fonte: Padrão


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