Os recursos hídricos para agricultura correm risco de acabar? A revista The Economist, na sua edição de 2 de setembro passado, mostra os resultados – alguns surpreendentes – de estudos que vêm sendo realizados há cinco anos pelo Grupo Consultivo de Pesquisa Agrícola Internacional, uma rede mundial de instituições de pesquisa. Numa conferência recente na Suécia, alguns resultados preliminares foram divulgados, como o fato de que pequenos investimentos em infra-estrutura de água podem dar retornos substanciais, ao contrário de projetos grandiosos que são preferidos pelos governos e agências de fomento. É que estes consomem vastos recursos e não conseguem solucionar a escassez de água de um terço da população global, correspondente a cerca de 2 bilhões de habitantes. Estima-se que as lavouras consomem 95% da água usada pelo homem – são necessários 3 mil litros de água para cultivar alimento suficiente diário para uma pessoa, equivalente a um litro por caloria. Como a população mundial cresce e os padrões alimentares estão melhorando, inclusive em quantidade, as projeções sugerem que a agricultura vai estar demandando o dobro de água por volta de 2050. Esse é um número assustador. Os estudos mostram que 900 milhões de habitantes vivem em bacias fluviais e consomem 75% do volume total da água, deixando o suficiente apenas para manter os fluxos dos rios e lagos. Outros 700 milhões vivem em bacias que rapidamente se aproximam desta situação. Outro bilhão vive ao alcance de recursos hídricos, mas não possuem condições materiais para serem abastecidos. O lençol freático está caindo velozmente em regiões pobres e densamente povoadas da China, Índia e México. Em teoria, o mundo tem ainda água de sobra para abastecimento, considerando recursos hídricos de países como Canadá e Rússia. Intensificar o comércio global de alimentos, reduzindo a pressão sobre a agricultura local, especialmente nos países áridos, pode diminuir a demanda por água. Mas depender de alimentos importados – como o faz Egito, país pobre e desértico, e Japão, uma economia industrial, é uma política que não encontra apoio popular. Assim, os governos tendem a incentivar maior produção agrícola por meio de projetos de irrigação de elevado custo. Os estudos mostram, entretanto, que pequenos investimentos de equipamentos simples, como bombas para captar água do lençol freático, são mais ágeis de implementar e proporcionam maior retorno sobre o capital, além de provocar problemas ambientais e sociais em menor escala. Um estudo recente sobre plantação de verduras em Gana mostra que os agricultores que irrigam suas culturas com água não potável — trazida por baldes — tiveram 230% de retorno sobre o investimento, comparado a 30% de retorno sobre grandes projetos de irrigação custeados pelo Estado. A avaliação do Grupo Consultivo, segundo a revista The Economist, indica que modestos investimentos em agricultura irrigada com água de chuva podem melhorar de forma dramática a produtividade da lavoura em países pobres, elevando a renda dos agricultores locais, e reduzir a pressão para expandir a produção agrícola em outras regiões. Mais da metade dos alimentos cultivados no mundo vem de lavouras irrigadas com água de chuva, ao contrário das plantações irrigadas de outra maneira. Mas, se a chuva faltar, a colheita está perdida. Canais para captar e distribuir a água das chuvas e pequenos reservatórios e tanques selados para estocá-la podem ajudar os agricultores em períodos de estiagem, bem como incentivar culturas maiores ou de maior valor. Esse aumento de renda por sua vez trará mais recursos para sementes, fertilizantes e máquinas. Na Tanzânia, a lavoura irrigada com água de chuva permite o plantio de arroz e legumes invés de sorgo e milho, trazendo pelo menos o dobro da renda aos agricultores, que pode multiplicar-se por até sete vezes nos anos favoráveis. Se essa técnica for adotada em larga escala, segundo esses estudos, o rendimento da lavoura pode aumentar 100%. Neste caso, a área de agricultura de alimentos no mundo pode crescer em apenas 10% para atender a demanda projetada para 2050 – e não vai faltar água.
Fonte: Estadão