As primeiras são criticadas por submergir vastas áreas férteis e deslocar comunidades; as outras são as maiores fontes de gás de efeito estufa — mas o governo parece decidido a favorecer as UHEs
A usina chinesa é criticada porque descolou 1,4 milhão de habitantes das regiões ribeirinhas, submergiu terras férteis e sítios ecológicos, abaixou o nível d’água de dois grandes lagos de água doce, e teria aumentado os riscos de atividade sísmica. Além disso, tem sua capacidade de geração prejudicada pelo regime inconstante do rio Yang-tse.
A formação de um lago de 600 km pela barragem de Três Gargantas não impediu a pior seca dos últimos 50 anos ao longo do seu curso, interrompida pelas primeiras chuvas em junho de 2011. O governo admite serem reais alguns problemas ambientais, mas alega que trabalhos de mitigação prosseguem e a hidrelétrica regulou as cheias do rio e beneficiou milhões de habitantes a jusante.
A capacidade total de geração da China atinge 1.145 GW, da qual 758 GW são produzidas por térmicas a carvão. Há 300 GW de potencial hidrelétrico não aproveitado — e o governo fixou a meta de usar essa fonte e mais a nuclear para gerar 15% da produção total de energia até 2020, saindo do patamar existente hoje de 9%.
Existe um “complexo industrial barrageiro”, segundo os críticos ambientais, que se junta com os governos locais que detêm praticamente o poder ilimitado para planejar e aprovar projetos hidrelétricos — encarados como empreendimentos de desenvolvimento regional, sem que as autoridades ambientais consigam impor programas de preservação.
A exemplo do que fizeram nos Estados Unidos no início do século XX — quando a Corps of Engineers e o Bureau of Reclamation dividiram entre si os rios do país para efeito de gestão —, os rios da China foram distribuídos entre as empresas estatais de energia, as mesmas que são encarregadas de construir novas usinas. O Ministério de Recursos Hídricos, em Pequim, possui técnicos competentes em preservação ambiental mas não participa do processo para aprovar projetos hidrelétricos.
Em nível regional, quase 100 pequenas hidrelétricas foram erguidas no rio Nu, a despeito do clamor público que paralisou a construção de algumas delas em 2004. Existe também uma tradição histórica que liga os governantes à construção de barragens em grandes rios, responsáveis por ciclos de fartura, enchentes e escassez de alimentos. O governo comunista construiu centenas de barragens de grande porte desde 1949, tendo como a obra maior a hidrelétrica de Três Gargantas.
Outra projeto controverso é a hidrelétrica de Xiaonanhai, a montante de Três Gargantas, planejada para retardar o assoreamento do reservatório desta. Os críticos, entretanto, apontam que inundará vastas extensões de terras férteis, além de produzir pouca energia relativa — um conjunto de barragens previsto para o rio Jinsha na região produzirá 30 vezes mais eletricidade do que Xiaonanhai.
Marco da engenharia
Independentemente da polêmica, Três Gargantas é um marco da engenharia chinesa, que hoje está envolvida com cerca de 300 projetos de hidrelétricas em mais de 60 países. Localizada em Yichang, na província de Hubei, a barragem mede 2,3 km e 186 m de altura e a casa de força comporta 26 unidades geradoras. Sua capacidade nominal é de 18.200 MW — 10% do consumo da China. Navios de grande porte atravessam a barragem via duas eclusas de cinco estágios, que vão vencer um desnível de 150 m. Pequenas embarcações usarão um elevador de barcos, ainda em construção.
No total, 60 mil trabalhadores foram mobilizados para a construção, sendo que 25 mil deles apenas nas obras da barragem. A obra teve início em 1994. Na época, a National Geographic publicou a informação de que o motorista dos basculantes de 32 t ganhava US$ 0,25 por viagem, representando US$ 2 por dia.
Em novembro de 1997, o rio Yang-tse foi desviado para um canal de 3,5 km, depois do fechamento de uma ensecadeira de 580 m por 140 m de altura. No início de junho de 2003, começou o enchimento do reservatório de 600 km de extensão. A água subiu 0,5 cm/h e em meados de junho já alcançava 135 m acima do nível do mar — 100 m acima do seu nível normal antes de ser barrado.
Neste período, houve uma cena curiosa — produtores de remédios da medicina chinesa estavam capturando os insetos, escorpiões e cobras que estavam chegando às margens, fugindo do seu habitat natural. Em agosto entraram em operação duas turbinas de 700 MW.
A barragem principal foi concluída em maio de 2006, nove meses antes do cronograma, e uma cerimônia foi realizada em memória dos 100 trabalhadores que morreram nas obras. Entre os benefícios dessa obra, o governo chinês aponta a produção de energia equivalente a 50 milhões t de carvão que deixaram de ser queimados por ano; água abundante para agricultura irrigada; fim das inundações que somente neste século provocaria a morte de pelo menos 300 mil pessoas; e um curso navegável no rio Yang-tse que vai acelerar o desenvolvimento ao longo de suas margens.
Mas o preço do impacto ambiental também foi enorme. O governo informou que 74 mil acres de terra fértil foram perdidos, embora 37 mil acres de terras novas tenham sido cultivadas. Os ambientalistas alegam que a perda chegou a 240 mil acres. Treze cidades grandes, 140 cidades menores e 1.352 vilarejos, além de 1.600 fábricas e 700 escolas foram submersas pela águas do lago.
A maior perda foi Wanxian, com suas 900 fábricas, mas a nova cidade ganhou uma ferrovia, uma rodovia ligando a Xangai e um aeroporto no topo de um morro. Já Yunyang, localizada numa região baixa, teve de realocar 160 mil habitantes.
O governo aprovou US$ 10 bilhões para a realocação da população afetada, tarefa que provou ser mais complexa do que a construção da própria usina. Algumas comunidades eram colocadas em barcos que desciam o rio até novos lotes de terra demarcados pelo governo. Um total de 1,4 milhão de habitantes foram realocados, para diversa s províncias do país. Outras permaneceram no que restou dos vilarejos antigos.
Como é típico nessa situação, enquanto uns reclamam de abandonar suas raízes de centenas de anos nas localidades —algo caro ao povo chinês — outros até comemoraram a mudança ao trocar casebres construídos com barro, com fossa externa, por apartamentos novos com água, luz, gás, banheiros, e um aluguel simbólico de US$ 1,80 ao mês. A última cidade, Gaoyang, com cerca de 1 mil casas, foi evacuada em julho de 2008.