Índia: exemplo para o Brasil?

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Mais de um bilhão de habitantes, 300 milhões de pessoas com poder de consumo e uma taxa de crescimento de 9% em sua economia somente no ano passado. A Índia cada vez mais tira os olhos do mundo sobre o seu lado místico – que conquistou e conquista artistas e milhares de pessoas – para se firmar como um país que saiu da linha emergente nos anos 80 e agora passa a ostentar números de Primeiro Mundo. Mas, diante de uma encruzilhada de problemas muito parecidos com os do Brasil, que conseguiu estabilizar sua inflação em 1994, mas não conseguiu romper uma estagnação econômica até hoje – a grande pergunta é: por que a Índia conseguiu chegar lá e o Brasil não consegue demonstrar o mesmo resultado?

As explicações são várias, conforme afirma o economista do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), André Nassif, autor do artigo “A Economia Indiana no Período 1950-2004 – da Estagnação ao Crescimento Acelerado: Lições para o Brasil?”. Se nos anos 80, o estado indiano era regido pela ineficiência microeconômica, por um nível de degradação social, debilidade do sistema de infra-estrutura e mecanismos precários de inserção internacional, a partir de 1991, implementou um conjunto de reformas econômicas estruturais, com ênfase na liberalização comercial, na abertura aos investimentos estrangeiros diretos e na modernização do sistema financeiro e do mercado de capitais.

Esses fatores não foram suficientes, segundo o economista, para assegurar o desenvolvimento econômico. “Numa palavra, nossa hipótese é que o melhor desempenho da economia indiana nos últimos 25 anos deve ser creditado ao objetivo de priorizar o crescimento econômico, o qual é perseguido por meio da implementação de ações estratégicas que vão além das reformas ditas liberalizantes”, afirma o economista.

Para ele, faltou ao Brasil, para chegar perto da Índia, a capacidade para desarmar um modelo de política macroeconômica com taxas de juros reais elevadas e câmbio supervalorizado. Há outros elementos para explicar a pujança indiana: ao contrário do Brasil, o governo indiano privilegiou uma prática de planejamento e de coordenação central de políticas públicas; manteve uma política fiscal ativa, com déficts recorrentes, e evitou a circulação livre de capitais, enquanto os brasileiros, ao contrário, embarcaram nessa corrente.

Mesmo com esse disparate entre as duas economias, Nassif esclarece que, virtualmente, o Brasil tem todos os elementos para se tornar uma grande economia a longo prazo. Uma de suas conclusões é que se o Brasil souber orientar suas políticas, dando prioridade ao crescimento, terá possibilidades de mudar essa situação.

“Se fizermos um comparativo entre as duas economias hoje, veremos que a Índia tem muita gente preparada quando analisamos números absolutos – 300 milhões são altamente qualificados, indicativo maior do que a população brasileira. Porém, em números relativos, vários indicadores apontam que a Índia gasta menos em pesquisa e desenvolvimento do que o Brasil; a taxa de analfabetos na Índia é bem maior que a do Brasil”, enumera o economista.

O economista destaca que ainda não há evidências precisas se o atual processo de crescimento da economia indiana é, ou não, sustentável. Destaca dois fatores para explicar sua dúvida. Primeiro se for considerado a dívida PIB da Índia, maior do que a do Brasil. Em 2006, segundo estimativa da Agência de Inteligência Central dos Estados Unidos (CIA), a relação dívida/PIB da Índia era de 52,8%, enquanto que a do Brasil, na mesma época, era de 51%. “No entanto, é extremamente importante dizer que a diferença é que a maior parte da dívida PIB indiana está concentrada a longo prazo, enquanto uma grande parte da dívida PIB Brasil vencia em pouco tempo”, destaca o economista.

Segundo quando: se fala em economia sustentável da Índia, o fato de que cerca de 60% da força de trabalho daquele país estão empregados no setor primário da economia, o que é considerado um contra-senso nas experiências histórias de desenvolvimento. “O grande desafio é criar mecanismos para transferir os ganhos de produtividade e pujança do setor de TI para o setor industrial”, afirma o economista.

Proximidade

Longe de comparativos e de olho em uma maior proximidade entre os dois países, há pessoas, como o cônsul honorário da Índia no Brasil, Élson de Barros Gomes Júnior, que destaca a sinergia entre os dois países. A troca de experiências, em sua opinião, possibilitará bons negócios recíprocos. “O Brasil tem uma boa expertise no campo de construções de hidrelétricas, de rodovias e no campo de agronegócios. A Índia tem uma grande experiência em ferrovias, em biotecnologia, tecnologia da informação e no campo farmacêutico. Os dois têm necessidades parecidas, muito semelhantes, e, por isso, também se pode encontrar para seus problemas soluções parecidas”, analisa o cônsul.

Atualmente, o comércio entre a Índia e o Brasil vem aumentando a cada ano e o fluxo comercial entre os dois países gira um montante de U$$ 3,5 bilhões ano. A balança comercial vem se apresentando desfavorável ao Brasil em torno de U$$ 1,5 bilhões ano. Segundo Gomes Júnior, a expectativa, até 2010, é que o Brasil, juntamente com a Índia, cheguem aos US$ 10 bilhões de fluxos comerciais.

Para a coordenadora de relações institucionais da Câmara de Comércio Índia Brasil, Fabiana Tarabal, há experiências interessantes que poderiam ser aplicadas tanto em um quanto em outro país. No caso da indiana, ela cita o investimento em educação e tecnologia de ponta, que formam cerca de 150 mil engenheiros por ano e vem se destacando cada vez mais no setor de tecnologia de informação no desenvolvimento de softwares.
“Esse setor movimenta bilhões de dólares na economia indiana, tornando esse país um dos mais fortes do mundo nesse segmento, representando aproximadamente 6% da economia do país”, destaca.

A lição que o Brasil deve dar para a Índia, segundo ela, está profundamente ligada aos setores de construção para obras pesadas, no campo de mineração, em que diversas empresas brasileiras são especializadas em extração mineral, na construção de aeroportos e de rodovias, e também em questões de agronegócios. “A Índia necessita muito dessa experiência do Brasil”.

Há quatro anos atuando em missões comerciais entre os dois países, o advogado Adler Martins, do Escritório Manucci Advogados, destaca que o governo indiano deve investir quase US$ 500 bilhões de dólares na infra-estrutura do país. “Logo, haverá forte demanda por matérias-primas

para a construção. Mais do que isso, muitas empresas de engenharia indianas têm buscado parcerias tecnológicas no Brasil, pois precisam de auxílio técnico na concepção e execução dos projetos mais complexos”,diz.

Para Martins, os biocombustíveis também podem trazer oportunidades positivas entre o Brasil e a Índia já que este último país passará a adotar pequenas parcelas de etanol na gasolina comercializada, e o mesmo se dará com o biodiesel em relação ao diesel. “Uma vez que o país não tem a fartura de terras produtivas disponíveis que se pode encontrar no Brasil, o caminho natural é a importação desses produtos”, acredita.

No caminho inverso, o advogado afirma que as empresas brasileiras podem utilizar o conhecimento indiano na criação de softwares e na administração de tecnologias relacionadas às telecomunicações, a fim de terceirizar processos e reduzir custos. “Há uma região na Índia em que se fala português (Goa), onde poderiam ser instalados “call-centers” brasileiros. Não se pode negligenciar também que há muitas empresas indianas com condições técnicas para fabricar medicamentos e outros produtos químicos de acordo com os padrões brasileiros, com um custo inferior ao do Brasil”, analisa.

Uma outra lição que deveria ser copiada da Índia, na opinião de Martins, é o forte investimento em tecnologia e em educação. “Mas talvez a maior demonstração de sabedoria da política econômica da Índia seja a coragem de enfrentar de frente os problemas de infra-estrutura. A Índia está engendrando esforços para solucionar seus problemas logísticos presentes e futuros, enquanto o Brasil caminha a passos lentos nesse campo”.

Fonte: Estadão


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