Joaquim Cardozo, o poeta que calculava estruturas

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Era o engenheiro que fazia poesia ou era o poeta que fazia cálculo estrutural? Nas duas atividades, Joaquim Cardoso se excedia. E era mesmo difícil separar as duas coisas, uma vez que, se no cálculo estrutural ele conseguia colocar a sensibilidade do poeta para materializar as ousadas concepções da arquitetura do mestre Niemeyer, no verso ele estabelecia o equilíbrio de forma e estética reclamado pela sua poesia, de grande sentido humano, voltada para a temática inspirada pelos valores de sua região, o Nordeste.
Se vivo fosse, ele teria completado, em agosto último, 110 anos. No dia 4 deste mês (novembro), familiares, amigos e antigos colegas lembraram que ele faleceu nessa data, há exatamente 25 anos. A obra literária, referenciada pelos intelectuais de sua geração, da mesma forma como a obra técnica, imortalizada nos projetos das estruturas que ele calculou, continuam a testemunhar a dimensão do poeta e a engenhosidade do engenheiro.
A pesquisadora Maria da Paz R. Dantas, que há tempos vem estudando a obra do poeta-engenheiro, que nasceu no Recife e acompanhou o desenvolvimento daquela capital relacionando-a com as motivações de sua poesia, diz que as duas atividades de Joaquim Cardozo acabaram se completando.
“No cálculo ele deu o mesmo salto que o levou a encontrar a poesia do outro lado da sua razão cartesiana. Possivelmente não teria continuado a praticar o cálculo de estruturas, caso tivesse de permanecer atrelado à rigidez de algumas normas”. No fundo, segundo a estudiosa, trabalhando com a arquitetura de Niemeyer, ele conseguiu uma unidade, aparentemente impossível, entre engenharia e poesia. O exemplo acabado desse consenso entre engenho e arte ocorre na obra maior que inovou a arquitetura nacional: a arquitetura de Brasília.
Como engenheiro, ele estudou o desenvolvimento urbano do Recife e Olinda, resultante do legado histórico de portugueses e holandeses. Aprofundou os estudos da matemática e conseguiu introduzir inovações nos métodos do cálculo estrutural da época. Convidado por Niemeyer, elaborou os projetos do conjunto da Pampulha e, posteriormente, calculou o Palácio da Alvorada, a Catedral de Brasília, a cúpula do Congresso Nacional e o Palácio do Itamaraty. Como poeta, escreveu os livros Signo estrelado; Os anjos e os demônios de Deus, Poesias completas e outras obras, tais como Coronel de Macambira e De uma noite de festas.
De Olinda, o poeta falou “das perspectivas estranhas, dos imprevistos horizontes, das ladeiras dos conventos e do mar”. No poema Imagens do Nordeste, capta, por inteiro, a cor local: “Velho calor de dezembro/ chuva das águas primeiras/feliz batendo nas telhas;/ verão de frutas maduras/ verão de mangas vermelhas”.
Quando Niemeyer o convidou para elaborar o projeto do cálculo do Congresso Nacional, o engenheiro, de imediato, teve um ataque de poesia. Debruçou-se sobre o projeto arquitetônico. Viu ali algo até então inusitado: uma obra que atrairia a atenção internacional. E estava certo. Até o notável projetista italiano Pier Luigi Nervi manifestou-se, entusiasmado, sobre aquela arquitetura.
Aceito o convite de Niemeyer, Joaquim Cardozo estudou todos os aspectos embutidos numa questão complicada: encontrar a curva apropriada que deveria possibilitar o apoio estrutural da cúpula invertida, de 60 m de diâmetro, na laje do edifício do Congresso. Uma noite, com a mesma satisfação que o tomava quando concluía, com êxito, uma obra poética, ele telefonou a Niemeyer: “Meu caro arquiteto, descobri.” E Niemeyer: “Ora, Joaquim, você descobriu o quê, a essa hora da noite?” E ele, conclusivo: “Descobri a tangente que dará a impressão de que a cúpula que você projetou está pousada suavemente na laje”. Os dois – ou os três – o arquiteto, o engenheiro e o poeta – se felicitaram. A descoberta era um êxito da arquitetura, da engenharia e da poesia.
Fonte: Estadão


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