A história do Metrô de Belo Horizonte, cuja Linha 1 encontra-se em funcionamento pleno desde novembro do ano passado, mostra, a exemplo de outros metrôs de superfície em diferentes capitais, que nem sempre os projetos concebidos em conformidade com as tendências do desenvolvimento urbano, são aqueles que, na prática, acabam implementados. No geral, em razão dos limites impostos pela escassez total de recursos, tais obras aproveitam traçados ferroviários existentes, negligenciando planejamento que recomendaria intervenção direta em áreas centrais e que poderia beneficiar, de modo mais amplo, a população. O Metrô-BH, que começou a ser construído em 1981, com a previsão ilusória de que poderia ser concluído em 1986, aproveitou a diretriz do leito ferroviário de carga, introduzindo correções e melhorias, mas tangenciando a área central. Atualmente, com 28,2 km de extensão, transporta 43 milhões de passageiros/ano, mas deixa uma defasagem muito grande no atendimento. Basta observar que Belo Horizonte possui 2,2 milhões de habitantes, número que sobe para 5 milhões, considerado-se o conjunto populacional da Região Metropolitana. Esses números explicam e justificam as gestões políticas, técnicas e econômicas da Superintendência do Metrô local para executar a Linha 2 (Calafate-Barreiro), que daria um mergulho técnico no subsolo da cidade, e iniciar também as obras da Linha 3 (Pampulha-Savassi), igualmente subterrânea. Essas obras efetivamente metroviárias, a serão realizadas com a tecnologia que o País aprendeu a aplicar, sobretudo em intervenções urbanas complexas, de que são exemplos as dos metrôs de São Paulo e do Rio de Janeiro. O Metrô-BH é ilustrativo da distância entre o que é planejado e previsto e o que é efetivamente realizado. O traçado atual da Linha 1 (Eldorado-Vilarinho) não corresponde, por inteiro, àquele originalmente proposto, que tinha em vista uma ligação entre Betim, na Região Metropolitana, e o bairro São Gabriel, com um ramal para o Barreiro, o que somaria 60 km de plataforma ferroviária em faixa totalmente vedada. Com a crise do petróleo nos anos 80 e a situação de esgotamento do poder de investimento do governo federal – situação que perdura até hoje –, os cronogramas foram sendo alterados. Em 1987 as frentes de serviço tiveram de ser desmobilizadas e o que se tornou possível fazer, foi a colocação, em funcionamento, mesmo assim, de modo parcial, do trecho Eldorado-Central, com 12,5 km de extensão. As obras somente seriam retomadas em 1991. A partir de 1995 elas ganharam novo impulso, em razão do contrato de financiamento de US$ 197 milhões, assinado com o Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento – Banco Mundial (Bird). Isso permitiu a operação da linha nos contornos atuais. Hoje, a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU), responsável pela implantação, gestão e operação do Metrô-BH e que desenvolve suas atividades também no Recife (PE), Natal (RN), João Pessoa (PB) e Maceió (AL), está articulando com o governo federal para promover a transferência do metrô local aos poderes do município de Belo Horizonte e do governo estadual, conforme prevê a Constituição de 1988. Com a transferência, imagina-se que o Metrô-BH viverá outra fase importante: aquela em que poderá ser favorecido com a obtenção dos investimentos indispensáveis à implantação das obras das Linhas 2 e 3, orçadas em US$ 1,5 bilhão.
As cidades brasileiras precisam de transporte de alta capacidade
Está óbvio, contudo, que a transferência pura e simples do poder de gestão, implantação e operação de metrôs para governos municipais e estaduais não resolve o problema. A transferência precisa ser acompanhada de medidas que se traduzam em condições para a obtenção de financiamento, uma vez que a receita própria resultante do movimento dos usuários não é suficiente para cobrir as despesas com as obras necessárias para atender a demanda. João Ernani Antunes Costa, superintendente do Metrô-BH, diz que a Linha 1 está pronta e em processo contínuo de melhorias. Uma dessas melhorias é representada pelas obras do terminal de integração do Vilarinho, que significará aumento da demanda, impacto muito forte nas condições urbanas locais como reflexo da operação do terminal, que será dotado de um amplo shopping center; distensão da área central, uma vez que Vilarinho ajudará a absorver parte da frota de automóveis e de ônibus que tradicionalmente circulam pela área central, e melhoria, também, da qualidade de vida da população da região, alcançada pela influência das obras. Além disso, há medidas para aperfeiçoamento da frota de 25 trens, que vem sendo dotada de sistema mais moderno de frenagem e de melhores condições de segurança e eficiência. “Contudo, persiste um problema”, avalia Costa. Trata-se da velha mentalidade ‘rodoviarista’ brasileira, pela qual se privilegia o tráfego de longa distância – o que não deixa de ser natural, considerando-se a necessidade do transporte de bens, pessoas e serviços –, mas se deixa de privilegiar os grandes centros urbanos, que têm de conviver compulsoriamente com os congestionamentos e os efeitos que eles provocam do ponto de vista da poluição, deterioração dos pavimentos viários e dos prejuízos com os gastos absurdos de combustível. Para resolver esse problema, a prioridade número 1 são as obras metroviárias, se possível, as enterradas, que são as mais caras. “As nossas cidades precisam ser atendidas por transporte de alta capacidade. Sem metrô, só existem as opções dos ônibus e dos automóveis. Ora, o nosso sistema viário é muito limitado. Aqui em Belo Horizonte não dispomos de vias largas, com exceção da Avenida Cristiano Machado. Colocadas as coisas nesses termos, posso afirmar que Belo Horizonte precisa de um sistema metroviário subterrâneo igual aos das outras grandes cidades do mundo. Só para exemplificar: Madri é uma cidade com cerca de 5 milhões de habitantes e tem mais de 220 km de metrô subterrâneo. Nós temos na Região Metropolitana uma população equivalente e o nosso metrô, de superfície, não chega a 30 km de extensão” ”, acentua o superintendente. Ele acha que a regionalização do Metrô-BH, conforme preceito constitucional, poderá resultar na implementação de projetos e obras de ampliação, desde que se tenha em vista a possibilidade do emprego de recursos com esse fim. “Eu acredito que só haverá investimento significativo em nosso metrô, quando a transferência acontecer. E se acontecer com a contrapartida dos mecanismos para obtenção de investimento”. Costa diz que a regionalização
do metrô de Salvador (BA) foi feita muito bruscamente, sem o necessário planejamento, e que a regionalização do metrô de Fortaleza (CE) também não aconteceu como deveria, o que está levando o poder local a uma operação política muito difícil para obter financiamento. A transferência do Metrô-BH para os poderes locais (Estado e município) só deverá ser compreendida, se houver a contrapartida do ponto de vista de investimentos. Essa contrapartida viria: primeiro, no bojo da reforma tributária, uma operação que se arrasta penosamente no Congresso Nacional; segundo, com os recursos da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide-Combustível), que não podem continuar a ser desviados para a composição do superávit primário e nem podem ser aplicados apenas para a melhoria das estradas, mas do sistema de transporte como um todo; e terceiro, com a colocação, em prática, da modalidade de contratação via Parcerias Público-Privadas (PPPs), ainda não viabilizadas no governo federal e que está apenas engatinhando em alguns Estados. O superintendente levanta outra questão importante para o sistema de transporte via metrô: no geral, quem recorre a esse sistema é a população de renda insatisfatória e, às vezes, aqueles que não têm renda nenhuma. A reforma tributária, por conta disso, precisa considerar tanto a necessidade de provisão de investimentos para obras de manutenção e ampliação, como os subsídios na composição da tarifa. O sistema tem de ser integrado e racionalizado a fim de que haja condição de melhorar a cidadania e, como resultado disso, o progresso do cidadão e da cidade.
O metrô no subsolo
Márcio Wagner Fonseca, da assessoria técnica, lembra que é em razão também desse enfoque da cidadania e da cidade, que se justifica todo empenho para que as obras das Linhas 2 e 3 saiam do papel. A Linha 2, que seria inicialmente um ramal em forma de Y, ligando Calafate-Barreiro, evoluiu para se tornar uma linha independente. Sairia do Barreiro e passaria em túnel pela área central até chegar a Santa Teresa, região predominantemente hospitalar. Nesse trecho já foram aplicados R$ 60 milhões em algumas obras civis, tais como viadutos e passarelas. Já a linha 3, igualmente uma prioridade, vem sendo objeto tão-somente da elaboração de projetos. Essas duas linhas somariam cerca de 20 km de obras subterrâneas.
Manutenção 24 horas
Enquanto as obras novas não vêm, dá-se ênfase aos serviços de manutenção, conforme salienta Fernando Pinho, coordenador desta área. A manutenção atua em todo o sistema, tanto na parte civil quanto na operação, alcançando todos os aspectos incluindo o material rodante. O enfoque tem em vista disponibilizar o sistema 100% , dentro das condições da melhor qualidade. “Para isso, mantemos equipes continuamente treinadas para cuidar do material rodante e dos sistemas fixos operacionais, tais como sinalização, telecomunicações, rede aérea, registros, estações, além de pessoal para cuidar das edificações, centro de controle operacional, via permanente e ao longo de toda a faixa de domínio, abrangendo obras de arte especiais e correntes etc.”, diz o coordenador. As equipes trabalham na prevenção e na correção. O trabalho preventivo tem em vista evitar os problemas que acaso surjam durante a operação. Como, no entanto, às vezes isso é inevitável – em todos os setores as surpresas podem aparecer – os serviços se desenvolvem com a perspectiva da correção. O sistema do Metrô-BH conta com um tipo de manutenção que fica centralizado no pátio da estação São Gabriel e que enfoca uma frota de 25 trens (unidades elétricas), cada um composto de quatro carros: dois motores e dois carros-reboque. Essa composição tem capacidade para transportar 1.030 passageiros por viagem, com uma taxa de ocupação da ordem de seis passageiros por m². São trens elétricos cuja rede aérea catenária capta 3 mil V em corrente contínua. “Atualmente, daqueles 25 trens, estamos operando 18 nos horários de pico, com um intervalo de 5,5 minutos. Com a entrada em operação do terminal de Vilarinho, em março do ano que vem, o plano é reduzir esse tempo para 4,5 minutos. Com isso teremos de operar 21 trens, ficando apenas com quatro trens para reserva e manutenção. Isso, em nossas condições, representa um desafio. É que a nossa equipe é pequena e a reposição de pessoal não pode ser automática; depende de concurso público e de autorização para fazer isso. Hoje temos um contingente, para a manutenção, de 230 pessoas, todos de alta qualidade, treinados no metrô de são Paulo”, diz Pinho. Boa parte do material de reposição do sistema é obtida no mercado brasileiro. Os trens foram desenvolvidos e fabricados na França. Há algum tempo, cerca de 60% do material de reposição provinham do mercado nacional e 40% do país de origem. Hoje, o índice de nacionalização é da ordem de 70%.
Um pólo cultural
A Linha 1 tem contribuído, ao longo de sua história e do seu traçado, para a difusão da história cultural de Belo Horizonte e do Estado, de forma geral. Exemplo disso é o Museu de Artes e Ofícios, na praça da Estação, conjunto de estilo eclético, com 9 mil m², que abriga duas edificações interligadas por um túnel, onde funciona esse privilegiado espaço cultural. Ele foi concebido e enriquecido a partir da parceria estabelecida entre o Instituto Cultural Flávio Gutierrez (Icef), o Ministério da Cultura e a Superintendência da CBTU. O belo conjunto arquitetônico, uma tradição da cidade, foi cedido em regime de comodato e favoreceu a instalação do museu. O Icef é presidido pela empresária Ângela Gutierrez, uma personalidade lutadora, conhecida pela dedicação aos movimentos culturais. Além de contar com esse museu, o Metrô-BH tem ajudado a difundir cultura em outros de seus espaços.
Fonte: Estadão