O aprendizado com as soluções inovadoras de Belo Monte no Xingu

 A UHE em perspectiva, onde a área inundada será de 516 km²

 

Belo Monte, no rio Xingu (11.233 MW), prepara-se para operar em 2016, 455 dias depois do cronograma original, por motivos fartamente divulgados. A usina e as obras do canal de derivação foram enfocadas em palestra das mais concorridas no III Workshop “As Práticas de Sucesso na Gestão Profissional de Obras e Projetos” de O Empreiteiro, realizado em maio

Nildo Carlos Oliveira

 

A usina hidrelétrica, a terceira maior do mundo depois da chinesa Três Gargantas (22,5 mil MW) e da binacional Itaipu (14 mil MW), preserva uma originalidade e muitas lições: distribui-se em quatro canteiros distintos – sítios Belo Monte e Pimental – e canal de derivação e diques. Os investimentos somam R$ 26 bilhões. 

 

O barramento e o vertedouro principal estão no sítio Pimental, onde está instalada a casa de força complementar, no leito do rio Xingu, a 40 km da cidade de Altamira (PA). Desse ponto, e pelo canal de derivação, parte do rio será desviada para a casa de força principal do sítio Belo Monte, para formar o chamado “reservatório dos canais”.

 

Paulo Vasconcelos: Sistemas de drenagem com características próprias
 

Ela vai operar a fio d´água. Isso significa que a geração deverá variar de acordo com o volume corrente do Xingu a cada período hidrológico. O vertedouro vai garantir a operação do canal de derivação, que levará as águas do rio ao reservatório intermediário a fim de abastecer as 18 turbinas tipo Francis. E deverá manter a vazão da Volta Grande do Xingu, fixada, para o período de seca, em 700 m³/s. Esta vazão será superior, naquele trecho, à mínima vazão historicamente ali registrada, que é de 400 m³/s.

 

Mapeamento geológico da Volta Grande do Xingu; e o arranjo geral com a indicação dos quatro sítios
 
Sítio Pimental com a barragem do canal direito, vertedouro e as outras estruturas; e desenho esquemático do vertedouro do Sítio Pimental
 

As diversas lições que Belo Monte está proporcionando resultam dos diversos estudos que vinham sendo realizados ali desde finais dos anos 1960 e que foram consolidados nos projetos que definiram os sítios mencionados. Chama a atenção a engenhosa solução de engenharia para a implantação do canal de derivação e das obras de proteção da extensa e emaranhada rede de igarapés, para manter a integridade do equilíbrio ecológico em toda a área.

 

O consórcio construtor afirma que as definições dos projetos foram rigorosamente atendidas. Assegura que o trecho do rio Xingu, ao longo da chamada Volta Grande, com 100 km de extensão, foi submetido, durante todo o tempo da construção, a um regime de restrições de vazão determinado por um hidrograma ecológico.

 

A concepção do empreendimento manteve-se focada no aproveitamento de cerca de 90 m do desnível natural existente ao longo de 150 km da Volta Grande do Xingu, entre a cidade de Altamira e as localidades de Belo Monte e Belo Monte do Pontal, situadas nos municípios de Vitória do Xingu e Anapu. Nessa confluência, o rio passa a receber influências do rio Amazonas e da maré. O aproveitamento se faz por intermédio da configuração de um reservatório com dois setores – o do Xingu, na calha do rio, e aquele conformado fora da calha, na margem esquerda.

 

As lições assimiladas não dizem respeito unicamente às questões da arte de construir hidrelétrica na Amazônia, com todos os condicionantes previstos, mas se estendem a uma visão política, segundo a qual é preciso que o Estado mantenha sua presença em regiões remotas. E devem ser criados meios para facilitar diálogo com moradores e tribos indígenas, tendo em vista a redução dos conflitos que culminaram com invasão de canteiros, depredações e atrasos de cronograma.

 

Disposição da barragem e outras estruturas no Sítio Pimental; e o traçado do canal de derivação
 

Um dos maiores problemas da construção da usina, apesar do cumprimento dos condicionantes acordados entre autoridades, a população de Altamira e tribos indígenas pela concessionária, foi a dificuldade nesse relacionamento. No atual estágio do empreendimento a Norte Energia informou que o sistema de esgotamento sanitário de Altamira já estava concluída. Contudo, a prefeitura local ainda não dispunha dos recursos para executar as ligações domiciliares. 

 

As seções típicas do canal de derivação

 

 A Concessionária Norte Energia registra 455 dias de atraso provocado por invasões e até por atos de vandalismo, motivo que a levou a apresentar recurso junto à Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). Esta, no entanto, não aceitou o recurso e, por causa disso, a Norte Energia terá de adquirir energia no mercado à vista, para repor o volume que deixará de entregar às distribuidoras devido ao atraso no cronograma de operação.

 

A longa trajetória das obras

A palestra sobre Belo Monte, sua construção, condicionantes, arranjo geral do projeto e, em especial, as providências engenhosas para manter a integridade do ecossistema local, foi proferida pelo engenheiro Paulo Vasconcelos dos Reis, gerente geral do consórcio projetista, formado pelas empresas Intertechne, Engevix e PCE (IEP).

 

Ele sintetizou um histórico da obra ao longo do tempo, informando que a curva formada pela Volta Grande do Xingu contribui para a preservação de Altamira, antiga Babaquara e das terras indígenas no entorno. No local há ocorrência de rochas formadas a partir da deposição sedimentar, chamadas migmatitos, da família dos gnaisses, muito apropriados a fundações.

 

Sobre o canal de derivação, disse que ali foi concentrada a maior quantidade de equipamentos de ponta já empregados em obra daquele tipo. No canal de derivação, segundo ele, chegaram a ser movimentados 126 milhões de m³ de terra e rocha, volume que considera superior ao das escavações executadas na abertura original do Canal do Panamá, que foi da ordem de 96 milhões de m³.

 

O canal tem 210 m de largura na base e 300 m de largura na superfície. Ao lado dele foram desenvolvidas as obras para a preservação do canal e dos igarapés. São 28 diques de contenção cujo volume de aterro chegou a 27 milhões de m³. Alguns deles têm a dimensão de barragens.

 

Paulo Vasconcelos informou que, por causa da necessidade de proteger o canal de derivação das águas das chuvas e das águas dos igarapés, foram projetados nove sistemas de drenagem independentes, cada um com características próprias. Um deles, o Galhoso, na margem direita do canal, conduz as águas coletadas para o rio Xingu a montante, por intermédio de um canal de drenagem perimetral de cerca de 6 km de extensão. Enquanto isso, o sistema Galhoso da margem esquerda leva as águas de um igarapé da bacia de drenagem na margem direita do canal, para o rio Xingu, construindo-se, para isso, um canal de ligação entre um reservatório de amortecimento da bacia e o igarapé conhecido pelo nome de Di Maria.

 

A construção dos diques de proteção dos igarapés

 

O arranjo geral do Sítio Belo Monte e foto mostrando as obras da tomada d´água e a casa de força

 

Além dessa cadeia de drenagens, que têm em vista o manejo das águas dos igarapés (e falar em igarapé, na região amazônica, invariavelmente é falar de rios caudalosos), o canal dispõe de um sistema de drenagem interna, que é responsável pela condução, tanto das águas pluviais que ele recebe quanto das águas coletadas em algumas bacias não drenadas pelos sistemas referidos. Dois canais internos, concebidos dentro do canal de derivação, cada um com cerca de 6 m de largura, juntam-se em um só, também interno, com 12 m de largura, para levar as águas, que estejam ali a mais, para jusante. Todos os igarapés e bacias são protegidos de modo a manter a naturalidade do equilíbrio do meio ambiente local.

 

Ele falou também dos cuidados adotados para o descarte do material. Nesse sentido, corrobora informações do consórcio construtor, esclarecendo que o material, oriundo da maior parte das escavações, não estava sendo aproveitado em aterros e em outras obras. As longas distâncias e o custo do transporte tornavam o uso do material antieconômico. Por esse motivo, ele foi, em parte, disposto em áreas de bota-fora em talvegues ou levado para preenchimento de espaços de vales e bacias de igarapés. 

 

Os diques de proteção, que preservam pequenos cursos d’água, têm a função de evitar que estas corram para o canal de derivação e aumentem o volume previsto, ocasionando desequilíbrios e perda de carga. A cadeia de soluções hidráulicas confere ao conjunto das obras de Belo Monte uma dimensão científica apontada como inédita em hidrelétricas no Brasil.

 

Ao final de sua palestra, Paulo Vasconcelos exibiu, ao público, os seguintes números do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe); Área Destruída de Floresta Amazônica entre agosto/12 e julho/13: 5.891 km². Média Mensal: 490 km².

 

 A área total de inundação da UHE Belo Monte será de 516 km², dos quais 134 km² no reservatório dos canais e 382 km² no reservatório do rio Xingu. Uma área inundada equivalente ao desmatamento descontrolado mensal da Amazônia.

Fonte: Revista O Empreiteiro

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