Em boa hora o historiador britânico Kenneth Maxwell, autor do clássico A devassa da devassa: a Inconfidência mineira, lembra que este mês, dezembro, marca o bicentenário do nascimento do empresário Irineu Evangelista de Souza, o Barão e, depois, Visconde de Mauá.
O empreendedor, considerado o maior mobilizador da engenharia em seu tempo, costumava dizer que ideias, sem ação, não se justificam. E sabia como estabelecer o nexo entre pensamento e empreendimento, estimulando as fontes de investimentos para fazer as coisas acontecerem. Para ele, pensar não era só pensar: era fazer. Por isso, e embora contestado por uma sociedade conservadora, que invariavelmente não sabia olhar para outra coisa senão para o próprio umbigo, ele fez o que fez: mudou o Brasil.
Necessário enfatizar que Irineu Evangelista, nascido no dia 28 de dezembro de 1813, na vila de Nossa Senhora da Conceição do Arroio Grande, à época distrito de Jaguarão, Rio Grande do Sul, não teve berço privilegiado. Seu pai foi assassinado por bandidos quando ele tinha cinco anos. E foi alfabetizado quando se encontrava sob a guarda de um tio, no interior paulista. Aos nove anos começou a trabalhar como caixeiro num armazém, no Rio de Janeiro. Ali, na adolescência e juventude, foi aprendendo contabilidade e a arte do comércio.
Um dia, já nos anos 1840, teve a oportunidade de viajar à Inglaterra na tentativa de prospectar recursos e acabou tendo contatos com indústrias e capitalistas. Foi sedimentando a ideia de que o caminho para o crescimento brasileiro não seria outro, senão a industrialização. O País teria de industrializar-se; mobilizar-se internamente para criar suas próprias indústrias e deixar de viver apegado apenas à agricultura precária, então esparsa e precária. Voltou ao Brasil convencido de que se tornaria industrial.
Mas não vamos retocar aqui uma história já conhecida. O fato é que ele obteve do governo do Império a concessão para o fornecimento de tubos de ferro destinados à canalização do rio Maracanã, no Rio de Janeiro; adquiriu uma fundição, que depois transformou em estaleiro e não parou mais. Cada plano era uma ação. E, em um país que necessitava de tudo, cada ação era um grito de largada para algo maior.
Na esteira de seus empreendimentos, puxou a engenharia. Abriu oportunidades para quem estivesse disposto a inventar, projetar, construir. Foi assim que obteve a concessão para explorar, por 20 anos, o projeto de iluminação a gás da cidade-sede do Império. Cuidou de organizar a Companhia de Navegação do Amazonas; construiu 14 km da ferrovia ligando o porto de Mauá, na baía de Guanabara, à estação Fragoso, no pé da Serra da Estrela e, mais tarde, construiu a Estrada de Ferro Dom Pedro II, que depois seria denominada Estrada de Ferro Central do Brasil.
Esses são apenas alguns dos seus empreendimentos mais notórios. Irineu Evangelista estimulou o desenvolvimento de outros segmentos industriais e motivou a engenharia a fornecer bases consistentes para os seus projetos. Contrário à escravidão e também contrário à Guerra do Paraguai, pisou terreno instável e ficou vulnerável à ação de políticos medíocres e conservadores. Tornou-se até banqueiro, mas aí o campo de ação não era mais o mesmo. Não tinha, para ele, a consistência da industrialização.
Maxwell recorda, em nota sobre o bicentenário do Visconde de Mauá, que ele morreu em 1889 e seu corpo foi transportado, de Petrópolis, para o Rio de Janeiro, pela ferrovia que ele construiu. Contudo, a importância dele para a engenharia brasileira ainda é um capítulo que precisa ser explorado. E escrito.
Fonte: Revista O Empreiteiro