O exemplo de Mandela no mundial de rúgbi na África do Sul

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Joseph Young

A união entre os que têm quase tudo e os excluídos, em torno de uma causa comum,
abriu caminho para mudanças sociais duradouras

O filme Invictus, dirigido por Clint Eastwoord, baseado no livro Conquistando o inimigo, do jornalista britânico John Carlin, conta a história de Nelson Mandela, o líder da maioria negra da África do Sul, que conquista a liberdade depois de passar 27 anos na prisão e é eleito presidente do país.

Ele recebe uma nação dividida. De um lado está a maioria negra, libertada apos décadas de segregação racial e de perseguição política violenta; de outro, os brancos, enfim, conscientes de que perderam o poder político, embora conservem a sua disposição, a policia, o exército e o Serviço Secreto.

Uma das primeiras decisões do novo governo sul-africano é convidar todos os funcionários da presidência, na sua maioria brancos, a permanecer em seus postos. Para desgosto dos seguranças negros, designados pelo partido, Mandela, interpretado no filme pelo ator Morgan Freeman, decide integrar igual número de agentes brancos, provenientes dos quadros do Serviço Secreto, que era temido por seus métodos truculentos no regime anterior do aparteid.

Logo nos primeiros dias de sua administração, Mandela recebe informação de que o seu partido, Congresso Nacional Africano, havia votado a favor da extinção do nome da seleção nacional de rúgbi conhecido pelo apelido de Springbok e do seu uniforme verde e ouro. Motivo: tratava-se do odiado esporte dos brancos. Os negros preferiam o futebol.

O novo presidente convence o partido a reverter a decisão, contrariando a posição de boa parte dos delegados presentes à reunião, que havia votado contra a manutenção do nome da seleção nacional. E fez mais: convidou o capitão da seleção, François Pienaar (interpretado por Matt Damon), filho de uma família africâner, os descendentes dos boers holandeses que colonizaram a África do Sul, e convenceu-o a cumprir uma missão em favor de seu país – ganhar a Copa do Mundo do Rúgbi que a África do Sul iria sediar dali a dois anos, contra os favoritos tradicionais: as seleções da Inglaterra, da Austrália e da Nova Zelândia.

Mas, como conquistar a simpatia da população negra, que sempre torcera para os times adversários nos jogos de rúgbi? Além de passar a frequentar os jogos-treino da seleção sul-africana de rúgbi, Mandela pediu que fossem incluídas no programa de treinamento da seleção local, visitas aos bairros pobres onde moravam os negros, para ensinar as crianças a jogar rúgbi. Aos poucos, através de uma providência que sensibilizou o povo, ele transformou um esporte praticado pela minoria branca, numa bandeira que empolgou um país de 43 milhões de pessoas. A nação, unificada pelo esporte, projetava-se, assim, no cenário internacional.

O Mundial de Rúgbi começa com África do Sul desacreditada. Os candidatos naturais para conquistar o campeonato eram a Inglaterra, a Austrália e a Nova Zelândia. Mas, a África do Sul, foi abrindo caminho, conquistando terreno e, ao final de uma difícil fase de treinamento, passou das quartas de final à semi-final, até conquistar o primeiro lugar.

Antes do jogo decisivo, Mandela visita de surpresa o campo de treinamento da seleção nacional. E, no dia da grande final, vai ao campo para cumprimentar as duas seleções adversárias – Nova Zelândia e África do Sul – envergando a camisa do seu time e o boné verde e ouro que a distinguia historicamente. Contra todos os prognósticos, os springbok ganham a partida e o título mundial.

As cenas finais mostram brancos e negros se abraçando no estádio, comemorando o feito inédito. Embora seja um típico happy end de um filme americano, Invictus divulga uma moral: se um líder consegue mobilizar seu povo em favor de um objetivo maior, é natural que ela possa, através do seu exemplo, conquistar vitórias surpreendentes.

Copa do Mundo + Olimpíada

O Brasil, eleito sede da Copa do Mundo de 2014 e, o Rio de Janeiro, sede da Olimpíada de 2016, têm uma oportunidade singular que talvez não se repita nas próximas décadas. As duas competições podem contribuir para uma remodelação urbana das principais cidades brasileiras, algumas delas, como acaba de acontecer com o Rio de Janeiro e como aconteceu recentemente em São Paulo, muito castigadas pelas chuvas torrenciais, deslizamentos de encostas e danos na infraestrutura urbana, fatos extensivos à malha rodoviária, prejudicada com as queda de barreiras e de pontes e viadutos e apagão de energia elétrica.

Com relação às obras necessárias ao funcionamento dos grandes centros urbanos, tendo-se em conta aqueles eventos internacionais, não se trata apenas de executar os projetos previstos em um amplo programa de engenharia. A Copa e a Olimpíada são uma oportunidade, talvez única, no gênero, de mobilizar a população na defesa de obras que vão constituir um legado, depois da realização daqueles eventos internacionais, em favor da atual e das futuras gerações do Rio e do País. Para tanto, a sociedade precisa fazer valer o seu direito de opinar sobre a definição dos projetos a fim de que as decisões que vierem a ser tomadas para a execução das obras, não resultam de acertos em gabinetes fechados. A sociedade deve apoiar as medidas necessárias, da mesma forma como deve apoiar, no caso da identificação de eventuais irregularidades, as decisões do Tribunal de Contas da União (TCU) ou dos órgãos equivalentes, nos Estados.

O Rio de Janeiro, em especial, tem a oportunidade de romper as barreiras que segregam a população dos morros, da população que habita as partes planas e nobres. A Olimpíada de 2016 pode produzir uma mobilização popular que capaz de provocar profundas mudanças na sociedade carioca, impulsionando a cidade-estado para um patamar superior de qualidade de vida. Desde que os surtos de violência sejam reduzidos e haja a possibilidade de geração de emprego

e renda, mesmo a longo prazo.

Juscelino Kubitschek construiu Brasília e canalizou o desenvolvimento para o interior do Brasil. O Pais espera por uma liderança semelhante para capitalizar a Copa 2014 e a Olimpíada 2016 e estabelecer o patamar de nova cultura de crescimento sustentável, a exemplo do que ocorreu na Coréia do Sul e Seul, Espanha e Barcelona, que também sediaram a Olimpíada e a Copa do Mundo de Futebol.

Fonte: Estadão


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