Nildo Carlos Oliveira
A edição eletrônica em português do jornal espanhol El Pais saiu, ontem, com um artigo da jornalista Eliane Brum intitulado Dois Josés e um Amarildo.
Ela escreveu sobre “o gesto que não se completa“ – o braço erguido de José Dirceu e José Genoíno, ao serem presos condenados por corrupção. O gesto é aquele que permanece no imaginário como símbolo de resistência em tempos de chumbo aqui e alhures. Mas, contra o quê, seria o gesto? Os tempos mudaram e ambos não se encontram mais na linha de frente da luta contra uma ditadura. Ambos seriam, então, vítimas da democracia?
A corajosa jornalista diz quem são, hoje, os mártires políticos: Amarildo de Souza, negro e favelado; Rafael Braga Vieira, catador de latas, morador de rua e negro; Antonio Pereira, auxiliar de serviços gerais, que desapareceu em Planaltina, Distrito Federal e Douglas Rodrigues.
Além destes, existem outros mais: os sobreviventes de uma realidade nua e crua que ainda não se transformou; que o poder instalado com a ajuda daqueles cujo gesto não se completa, não conseguiu alterar, no campo e nos grandes centros urbanos.
E, o gesto não se completa, mesmo com as manifestações de junho passado. A esperança era de que as reivindicações fossem absorvidas, analisadas e se tornassem objeto de reflexão e de práticas políticas consequentes. Mas, depois que elas ocorreram, e depois das promessas, as águas refluíram. Hoje, é como se não tivessem ocorrido. Mudanças, algumas, foram cosméticas. E até denúncias pontuais de corrupção parecem aflorar por motivos políticos contingenciais. Como se houvesse uma troca de favores: “Se você não me denunciar, eu não te denuncio”.
O gesto era para se completar. Mas ele não se completa no descompasso da Petrobras; nas condições ruinosas da malha rodoviária; no sistema de esgoto – o rio Pinheiros e outros rios continuam sendo canais de águas podres; não se completa com a prisão de corruptos e corruptores; e nem com ações no Parlamento, onde a gastança califária continua. O IPTU, em São Paulo, é um gesto que se completa, pelo avesso, contra o contribuinte.
As vítimas, portanto, são outras. O gesto está fora de foco e de época. Parabéns à jornalista que fez a anatomia daquele gesto.
Fonte: Nildo Carlos Oliveira