O que é ser "geógrafo"

Compartilhe esse conteúdo

Aziz Nacib Ab´Saber organiza as suas “memórias profissionais” num conjunto de depoimentos prestados à jornalista Cynara Menezes. Colocadas em livro editado este ano pela Record, com o título “O que é ser geógrafo”, elas acabam compondo muito mais do que um perfil do cientista: constituem a profissão de fé de quem tem passado a vida toda dedicando-se a estudos, pesquisas, elaboração de trabalhos técnicos e ao ensino de matéria vista, algumas vezes, e equivocadamente, como de fácil assimilação, dependendo de quem se dê ao exercício de decorar nomes de capitais, países e rios, montanhas e outros acidentes geográficos. Nascido em 1924 em São Luiz do Paraitinga, Ab´Saber, encontrou na geografia, ainda menino, o caminho para conhecer e interpretar a paisagem do Vale do Paraíba e as mutações provocadas pela ocupação do solo: primeiro, a mata; depois, o ciclo do café, ao fim do qual os fazendeiros foram se arranchar, sem recursos, nas cidades. Quando começou a estudar geografia em São Paulo, interessou-se pela compartimentação topográfica das colinas da cidade e seu entorno serrano, procurando conhecer a sedimentação que gerou a bacia local, modelo do movimentado sistema de colinas do planalto paulistano. Estudante pobre da Universidade de São Paulo, ele buscou, na aquisição obsessiva do conhecimento, a compensação para o que não poderia obter com seus limitados recursos materiais. Em 1948 conseguiu publicar o primeiro trabalho científico. A nota sobre “a geomorfologia do Jaraguá e vizinhanças” saiu na Revista Filosofia, Ciências e Letras. A partir daí começou a convencer-se de que um dia seria conhecido e – quem sabe? – reconhecido. Na USP dava aulas, mas recebendo como jardineiro ou prático de laboratório. Só entrou ali como professor em 1965, quando fez o concurso para livre-docente. Então, pôde repensar vida, tanto a particular quanto a acadêmica. Como pesquisador, apaixonado pelo que chamava de “Teoria dos Refúgios”, identificou-se com o trabalho de Paulo Vanzolini, “cientista boêmio e fantástico” que vez ou outra derivava da ciência para uma cachacinha ou para o samba. Quando diretor do Instituto de Geografia (1969-1982) aceitou convite para incorporar-se á luta contra a proposta do governo paulista de construir um aeroporto internacional na reserva florestal Caucaia do Alto. Alguns de seus argumentos, como a inadequação de obra desse tipo nos altos aplainados de morros acidentados, e a falta de consideração para com a biodiversidade e as aguadas ali preservadas, causaram impacto e foram analisados até pelo presidente Ernesto Geisel. Ab´Saber sugeriu, então, que o aeroporto fosse construído na região de Cumbica, o que acabou aconecendo. Mais tarde, como presidente do Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Artístico, Arqueológico e Turístico do Estado de São Paulo (Condephaat), deixou estudos prontos para o tombamento das serras do Mar e do Japi. Recentemente, o professor tem-se manifestado contra o projeto de transposição do rio São Francisco, segundo ele, destituído de estudos básicos fundamentais. Mas o geógrafo, com todo o poder de seu conhecimento, não tem poder algum para modificar nada. Diante disso, o que ele faz é engajar-se na luta e continuar a ser, como tendo sido até aqui, um exemplo de inteligência e dedicação às causas da geografia humana.
Fonte: Estadão


Compartilhe esse conteúdo

Deixe um comentário