Obras do Canal do Panamá são retomadas, mas prazo está comprometido

Execuções do maior empreendimento da engenharia atualmente no mundo, para ampliar o canal e instalar mais três eclusas, podem sofrer atrasos por conta de reajustes reivindicados pelo consórcio construtor. A data de inauguração, prevista para 14 de agosto – celebração dos 100 anos da via -, está ameaçada

Nildo Carlos Oliveira

 

A ameaça é real. O consórcio Grupo Unidos pelo Canal (GUPC), formado pelas empreiteiras Sacyr Vallehermoso S. A. (líder), da Espanha; Jan de Nul, da Bélgica; Construtora Urbana S. A., do Panamá e Impregilo S.p.A., da Itália, deixou claro, dia 19 do mês passado (janeiro), que a paralisação completa das obras não era “um cenário a ser, por enquanto, considerado”. Enfatizou, no entanto, que se até o dia seguinte, a reivindicação para os reajustes dos custos, não fosse atendida, o direito de suspender os serviços, a qualquer momento, não seria apenas uma ameaça retórica.

Não é de hoje que o consórcio vem procurando mostrar à Autoridade do Canal do Panamá (ACP) que os custos globais das obras, da ordem de US$ 5,25 bilhões (preços de 2009), estavam defasados. E passou a reivindicar os reajustes de US$ 1,6 bilhão, equivalentes a R$ 3,8 bilhões, ao constatar que o volume dos serviços e as diversas interfaces técnicas de toda ordem não batiam com os dados do planejamento previamente elaborado.

A crise que a partir das gestões do consórcio vem pairando sobre o Canal tem mobilizado não somente os representantes das empreiteiras, mas das embaixadas da Espanha, Panamá e Itália. O embaixador Jesús Silva, da Espanha, já reuniu-se com o presidente panamenho, Ricardo Martinelli, e defendeu a necessidade de se encontrar uma solução urgente para o impasse, a fim de se eliminar as causas dos atrasos que vêm ocorrendo.

Representantes do GUPC atribuem o estouro dos custos – em nenhum momento previstos no contrato – a incorreções nas planilhas das informações que lhes foram repassadas pela Autoridade do Canal do Panamá. Eles afirmam que tais informações constituíram a base do planejamento de cada etapa das obras de expansão. Depois, o dia a dia das obras revelou que os dados dos relatórios não correspondiam à realidade. Além do que, argumentam que a ACP tem rejeitado soluções técnicas capazes de reduzir custos finais. Citam que ainda recentemente ela rejeitou o emprego de uma mistura de cimento no revestimento das novas eclusas, sob a alegação de que o material não garantiria os 100 anos de vida útil estabelecido no contrato. Os reajustes reivindicados, portanto, segundo o consórcio, passaram a ser imprescindíveis.

O presidente Ricardo Martinelli, embora venha demonstrando sensibilidade para o diálogo, antecipou a posição do governo: “Iremos até o fim do mundo para brigar pelos interesses panamenhos. Esta obra precisa ser concluída, uma vez que é um dos projetos marítimos mais importantes da atualidade”. Já a ACP insiste em rejeitar totalmente as pressões dos empreiteiros. E mantém a posição de que o consórcio precisa respeitar o contrato que eles mesmos assinaram.

Falhas no planejamento?

A ACP questiona a posição do consórcio de que elaborou o planejamento a partir de informações que ele considera incorretas. O argumento é de que as empreiteiras participaram de uma licitação pública internacional; aparentemente, elas tiveram todas as condições para conhecer o sítio das obras; avaliar o volume de serviços considerando as projeções a partir das dimensões da estrutura anterior do canal; puderam estudar o meio físico para a passagem do número de navios — cerca de 14 mil por ano, com mudanças no tamanho deles e na tonelagem das cargas, que aumentarão dos atuais 311 milhões de t para 340 ou 350 milhões de t/ano. E foram informadas da previsão segundo a qual, até 2025 a capacidade ampliada do canal possibilitará o tráfego de 19.600 navios. E sabem que, quando isso ocorrer, a capacidade de carga terá aumentado para 600 milhões de t/ano. Portanto, nada disso poderia constituir fator de desconhecimento, na fase de planejamento.

Ocorre que toda obra de engenharia tem imprevistos. Sobretudo, uma obra dessa amplitude e dimensão. Sob esse aspecto, podem sobrar razões às empresas do consórcio para a reivindicação que estão fazendo.

Desde a construção do canal, inaugurado em agosto de 1914, é generalizado o entendimento de que as obras para unir o Atlântico ao Pacífico jamais seriam fáceis. É a luta da engenharia para unificar duas forças maiores da natureza, em favor dos interesses do comércio internacional. Ali seria o ponto de convergência de praticamente todas as especializações da engenharia: obras hidráulicas; sondagens; técnicas diversas de perfuração e escavações em terra e rocha; planejamento para desmonte com explosivos; a divisão das diversas frentes de serviços; cálculo de grandes estruturas; avaliação do uso dos mais diferenciados equipamentos; e conhecimento dos mais diferentes recursos da engenharia naval e outras matérias.

O canal atual é dotado de dois grupos de eclusas do lado do Pacífico e, de outro, do lado do Atlântico. Neste, as portas maciças de aço das eclusas triplas do lago de Gatún têm 21 m de altura e pesam 750 t cada. As obras de expansão, embora se desenvolvam a partir do conhecimento da engenharia aplicada anteriormente, precisam superar até maiores dificuldades.

O impacto da expansão na economia mundial

Analistas econômicos vão um pouco além do prognóstico inicial do impacto da ampliação do Canal do Panamá na economia mundial. Já se falou que a partir de 2015 o tráfego por ali, do comércio internacional, seria de 4%; depois, de 5% e, agora, as estimativas elevam o percentual para 6%.

Nas condições operacionais atuais (dois grupos de eclusas do lado do Pacífico e, outro, do lado do Atlântico), o tráfego local vinha perdendo competitividade, uma vez que não permitia a passagem dos pós-panamax. Estudos patrocinados pela Autoridade do Canal do Panamá (ACP) mostram que a crescente demanda por esses meganavios aumentará gradativamente a frota mundial de navios-contêineres.

Somente com a execução de uma obra de grande porte — a expansão ora em curso — a participação do mercado internacional na rota que vai do norte da Ásia até a costa leste dos Estados Unidos passaria de 38% para 41% e garantiria a competitividade. Outros dados recentes revelam também que o comércio transnacional entre o Pacífico e o Atlântico deverá ficar cada vez mais acirrado por conta do crescimento anual de 7% do comércio asiático. O peso da China é responsável por essa realidade.

Além de proporcionar mais facilidade e lucratividade ao comércio mundial em si, a expansão traz, em seu bojo, outros dividendos importantes; elevará em 1,2% o PIB do Panamá; atrairá investimentos estrangeiros para o país; ajudará a promover o desenvolvimento industrial no setor marítimo; estimulará negócios colaterais, como construção e ampliação de estaleiros, terminais para abastecimento de grandes barcos e aumento da operação de portos de contêineres. E serão consideravelmente impactantes as atividades que se desenvolverão à margem do funcionamento do Canal, quando as novas eclusas estiveram em operação. Assim, o impacto econômico da obra não se restringirá à região do Panamá: será extensivo a toda a América Latina.

Contudo, começa a desenhar-se outro cenário futuro para a região. É que o México e a Nicarágua gostariam de mostrar que também podem ter um ponto de encontro comercial entre os dois oceanos, com uma passagem de grandes navios pelo interior de seus territórios. Por mais que haja obras de expansão no Panamá, aqueles dois países continuam a sinalizar possibilidades de abrirem caminhos próprios entre o Atlântico e Pacífico. E, com a experiência obtida pela engenharia nas obras do Canal, essa possibilidade jamais seria remota.

As obras em andamento

Recentemente, quando a revista O Empreiteiro visitou as obras de expansão, constatou o seguinte:

• Era iniciada a construção do sítio para a instalação das novas eclusas pós-panamax do Pacífico e do Atlântico. Elas terão três câmaras, tanques de reutilização de água e comportas rodantes.

• Estavam sendo escavados cerca de 50 milhões de m³ ao longo de um trecho de 6,1 km do novo canal do acesso norte.

• Estava em escavação o canal de acesso ao Pacífico — ( fase 1) —com a remoção de 7,3 milhões de m³ de material;

• Progredia a escavação do mesmo canal — já na fase 2 — com a remoção de 7,4 milhões de m³ de material. E era iniciada a escavação do canal de acesso ao Pacífico (fase 3), incluindo a remoção e disposição final de 8,2 milhões de m³ de material.

Posteriormente, o consórcio apressou uma série de obras tendo em vista a instalação de 16 comportas, tipo rodante, das novas eclusas. Essas comportas teriam 427 m de comprimento, 55 m de largura e 18,3 m de profundidade — dimensões equivalentes às de um navio de contêineres de 12 mil TEUs (contêiner de 6,1 m de comprimento).

Quando a crise, por conta da demanda pelos reajustes, começou a colocar algumas sombras de inquietação sobre o canal, as obras já estavam com cerca de 73% dos serviços concluídos. E representantes do comércio global prognosticavam a festa para celebrar a inauguração, alardeando a expansão do canal como o marco histórico desse começo de milênio. Afinal, é por ali, pelos 80 km das águas do canal, que passam cerca de 6% do comércio internacional.

Antes dessa obra, a navegação da costa leste para a costa oeste dos Estados Unidos tinha de superar uma distância de 15 mil km. Os navios contornavam a América do Sul e prosseguiam, sob grandes riscos, pelas águas geladas do Estreito de Magalhães, na Patagônia, no extremo sul das Américas. O comércio, nesses termos, registrava prejuízos e contabilizava catástrofes. Teria, portanto, de encontrar um caminho seguro. E invocou a capacidade da engenharia internacional para conectar os dois oceanos.

Uma fiança da Zurich Insurance

No dia 8 de janeiro último, a empreiteira italiana Impregilo S.p.A., que integra o consórcio, manifestou-se duramente sobre a resistência da Autoridade do Canal do Panamá à possibilidade de assimilar um reajuste de preços. Um de seus representantes disse que o consórcio construtor não é uma instituição de caridade e não havia razão para que os construtores acabassem assumindo uma parte dos custos das obras.

Debates e eventuais acusações mais fortes à parte, o fato é que há informações segundo as quais a Autoridade do Canal do Panamá já se reuniu com representantes da Zurich Insurance Group, que dispõem de diversos títulos e apólices de seguros relativos às obras de expansão. Concretamente, a empresa internacional de seguro teria em mãos uma fiança de US$ 400 milhões de desempenho e uma obrigação de pagamento de US$ 50 milhões relacionados com o trabalho das eclusas. Em novembro último, a empresa havia emitido uma fiança de US$ 600 milhões em apoio ao consórcio.

No fundo, tudo está sendo feito para que não haja rescisão do contrato. Uma rescisão desse tipo teria implicações danosas para o custo da execução das obras, que poderia dobrar ou até triplicar. Além do que, conforme assinala C. J. Schexnayder, assinando matéria da revista ENR – Engineering News Record, para Paolo Moder, membro do conselho do grupo italiano Impregilo, um novo consórcio talvez não significasse a garantia da execução do projeto técnico e da operação nos moldes do que é oferecido pelo GUPC. O jeito, portanto, é ficar como está e continuar a lutar pelos reajustes, para ver como é que fica.

Nenhuma das partes revelou números e dados específicos que permitam identificar as discrepâncias entre os projetos de engenharia realizados por empresas conceituadas e reconhecidas por suas competências e a realidade encontrada pelo
consórcio construtor na execução das obras. Causa estranheza que esse litígio não tenha mobilizado consultores internacionais para se ter uma terceira opinião independente, como costuma acontecer em obras desse porte.

Fonte: Revista O Empreiteiro

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