Aeroportos construídos por todo o território nacional chegaram a locais remotos antes das rodovias e ajudaram a integrá-los ao País
No dia 22 de outubro de 1911, Edmond Plauchut, que foi mecânico de Santos Dumont em Paris, decolou na Praça Mauá no Rio de Janeiro, sobrevoou a avenida Central e quando chegava à Ilha do Governador caiu no mar, de uma altura de 80 m. Com esse turbulento e curto vôo, começava a aviação no Brasil. Mas o entusiasmo pelos aviões logo tomou conta dos brasileiros mais aventureiros, empolgados com experiências como a dos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral, que pousaram no Brasil em 17 de julho de 1922, depois de desafiar o Oceano Atlântico num vôo pioneiro entre a Europa e a América do Sul. A grande extensão do País, aliada à ausência e à precariedade das poucas estradas existentes, fez o transporte aéreo ter um grande impulso no País, de tal forma que a aviação comercial começou em 1927 e na década de 60 o Brasil já tinha a segunda maior rede em tráfego do mundo, só perdendo para os Estados Unidos.
Com o uso intenso dos aviões não havia espaço para pistas improvisadas e surgiram vários aeroportos, como Congonhas e o Campo de Marte, em São Paulo, e a Base Aérea Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro. Essa capacidade de integrar território tão vasto levou os engenheiros brasileiros a lugares distantes e isolados: antes de Brasília começar a ser construída, um pequeno aeroporto já existia; Manaus (AM), que nos anos 70 ainda quase inacessível, também foi beneficiada com um aeroporto. Alguns foram particularmente marcantes, como, por exemplo, o Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, obra em que foram introduzidas novas tecnologias de construção. Outros têm histórias curiosas, como a Base Aérea de Anápolis (GO), construída para permitir o uso dos caças supersônicos Mirage, e o Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), rejeitado a princípio pela sociedade paulista e hoje indispensável.
Manaus
Na década de 60 o governo federal queria desenvolver e integrar a região Amazônica com o restante do País. A criação da Zona Franca de Manaus, em 1967, foi uma das iniciativas do governo para chamar a atenção sobre a região e, no ano seguinte, seguindo essa diretriz, foi criado pelo Ministério da Aeronáutica um grupo de trabalho para estudar a implantação de um aeroporto na cidade.
Vários locais foram estudados para a instalação do aeroporto de Manaus, até que fosse escolhida uma área nas vizinhanças do igarapé Tarumã-Açu, situada a 14 km do centro da cidade. A implantação do empreendimento foi iniciada em 1970, com projeto da Hidroservice, e as obras civis a cargo da Camargo Corrêa. O brigadeiro Theodósio Pereira da Silva, na época diretor técnico da comissão encarregada da obra e depois presidente da mesma, lembra que poucas desapropriações foram necessárias, mas os proprietários da região, preocupados com possíveis invasões, atiravam em quem se aventurava pela área.
As dificuldades eram muitas pelo fato de Manaus ser praticamente isolada do restante do País: não havia acesso por terra e a cidade carecia de infraestrutura, pois frequentemente faltava energia, gerada por uma pequena termelétrica; e o sistema de abastecimento coletava água do rio Negro, distribuída sem tratamento e com cor escura. Todos os insumos vinham de outras regiões e a maior parte da carga era transportada por rodovia até Porto Velho ou Belém e de lá seguia para Manaus em barcos, pois a rodovia Manaus – Porto Velho ainda não existia. O cimento, por exemplo, era comprado da Aratu em Salvador e levado de navio para Manaus, seguindo uma programação rígida para evitar atrasos. Muitos equipamentos também foram importados, atrelados a um financiamento externo obtido para a obra. Mas Silva destaca que, apesar das adversidades, trabalhar na Amazônia gerava grande entusiasmo.
Saulo Thadeu Vasconcelos Catão, hoje diretor de projetos na área de transporte da Camargo Corrêa e na época gerente da obra, lembra que a mão de obra local era escassa e por isso a construtora recrutava operários no Norte e Nordeste. A variedade de usos e costumes representava uma dificuldade a mais, pois os operários da região Amazônica, por exemplo, estavam habituados a uma refeição à base de peixes. Já os nordestinos preferiam carne. Para segurar os operários na obra eram feitos bingos e sorteio de roupas e televisores, por exemplo. As equipes que cumpriam as metas também recebiam brindes para estimulá-los.
Um grande problema foi a falta de pedra na região. Catão diz que foi necessário ano e meio de estudos para analisar o aproveitamento de arenito em uma jazida a 8 km do canteiro, próxima de um igarapé. No local foi construída uma ensecadeira para rebaixo da pedreira e, depois, feito um lago na área atingida, para minimizar a degradação ambiental, embora na época os órgãos de controle ambiental ainda não tivessem exigências tão rígidas como hoje. A falta de brita também dificultou a pavimentação e após vários estudos foi definido que a base e a sub-base seriam executadas com solo-cimento.
O brigadeiro lembra também que embora a região Amazônica pareça plana quando vista de cima, ilusão provocada pela copa das árvores, os terrenos são bastante irregulares. Tanto que no local foi necessário grande volume de terraplanagem, especialmente nas áreas destinadas ao platô das pistas. Para complicar, chove muito na região – 2.500 a 3.000 mm anuais – praticamente interrompendo a execução dos serviços por seis meses.
A chuva também prejudicou os serviços de pavimentação. Catão conta que depois de muitos problemas com a umidade do material, a solução encontrada foi construir três fornos rotativos, semelhantes aos usados nas usinas de asfalto, para secar o material utilizado no solo-cimento. O material saía do forno a 60°C e só então era colocado na usina de solo-cimento, recebendo a dosagem correta de água, para daí ser aplicado no local. Embora tenha resolvido o problema, o consumo de energia era enorme e ainda demandava a movimentação de grandes volumes de material.
Apesar das dificuldades o aeroporto de Manaus foi concluído no prazo previsto e inaugurado em 1976 pelo presidente Ernesto Geisel. Suas instalações compreendem, basicamente, pista de pouso e decolagem com 2.700 m, dois terminais de carga aérea (o segundo entrou em operação apenas em 1980), seis pontes de embarque/desembarque, sete hangares, três salas de desembarque doméstico, uma de desembarque internacional, além de dois terminais de passageiros.
Brasília
Quem passa pelo atual Aeroporto Internacional de Brasília, com um corpo central e dois satélites pra embarque/desembarque, desenho que ganhou no início da década de 90, não imagina como a infrae
strutura local mudou ao longo dos anos. Em 1956, na primeira vez que Juscelino Kubitschek pousou no Planalto Central, quando a construção da nova capital ainda era um projeto, seu avião desceu no aeroporto Vera Cruz.
A pista era de terra batida e o “terminal de passageiros”, um barracão de pau-a-pique coberto com folhas de buriti. O aeroporto tinha sido construído um ano antes por Bernardo Sayão, atendendo uma solicitação do Marechal José Pessoa, na época presidente da Comissão de Localização da Nova Capital Federal. O aeroporto situava-se onde hoje é a estação rodoferroviária de Brasília e foi chamado de Vera Cruz porque José Pessoa pretendia batizar a nova capital com este nome.
Construir um novo aeroporto era uma das prioridades para facilitar o acesso às obras da nova capital e os serviços começaram em novembro de 1956, envolvendo o desmatamento de 1,3 milhão m². A pista foi projetada com 3.300 m de extensão, mas a primeira etapa compreendia apenas 2.400 m. O terminal de passageiros já apresentava uma significativa melhora: foi construído em madeira. A inauguração oficial do aeroporto ocorreu em maio de 1957 e o fluxo de passageiros por conta das obras de Brasília transformou-o rapidamente em um dos mais movimentados: um anos depois já era o décimo no ranking do País.
Esse pequeno aeroporto com terminal de madeira foi utilizado até 1971, quando as novas instalações, bem mais modernas, entraram em operação. Mas o novo aeroporto gerou uma grande polêmica na época, envolvendo dois projetos de arquitetos consagrados: Oscar Niemeyer e Sérgio Bernardes.
O Ministério da Aeronáutica acabou assumindo o desenvolvimento do projeto do novo aeroporto. O projeto era simples, mas continha melhorias técnicas, como modernos sistemas de sonorização, circuito fechado de TV, sistema informativo, mostradores eletrônicos no setor de embarque, sistemas de condução de bagagens e portas eletrônicas, itens que chamavam a atenção na época. Na área operacional a integração dos sistemas de pistas e pátios agilizou os pousos e decolagens.
Esse aeroporto atendeu os passageiros de Brasília até 1990, quando foi iniciado um programa de ampliação. A primeira etapa, inaugurada em 1992, compreendeu a construção de um viaduto para o terminal de passageiros e a instalação de uma cobertura metálica. O projeto foi desenvolvido pelo arquiteto Sérgio Parada e a Themag, sendo executado pela Camargo Corrêa. Em 1994 foram finalizados o chamado satélite, edifício circular com as áreas de embarque e desembarque, a reforma do corpo central do terminal de passageiros e nove pontes de embarque. Também entrou em operação o Sistema Integrado de Tratamento de Informação Aeroportuária (Sitia), o primeiro instalado em um aeroporto da América Latina, que automatiza o controle de várias atividades. Dois anos depois foi concluída a terceira etapa, que agregou uma nova área de embarque e desembarque internacional, terraço panorâmico, um finger e praça de alimentação.
Mauro Cauville, gerente da Infraero em Brasília, conta que a maior dificuldade nessas três etapas foi criar áreas provisórias para remanejamento dos escritórios e espaços dos concessionários. Para dar maior rapidez aos serviços, ocasionando a menor interferência possível com os prédios existentes, com posterior integração do prédio antigo, para evitar cortes de energia, telefonia, etc.
Ainda de acordo com Cauville, encontra-se em execução a quarta etapa das obras, iniciada em abril de 2000, que inclui uma nova pista de pousos e decolagens, mais duas pontes para ala internacional e novas lojas. O projeto também é do arquiteto Sérgio Parada, e as obra estão sendo executadas pela Construtora Beter. Para acelerar os serviços, toda a superestrutura está sendo executada com perfis de aço SAC-41 e a previsão de término desta etapa é em dezembro de 2002. Com isso, o terminal terá uma área total de 87.500 m² e capacidade para 7 milhões de passageiros/ano.
Anapólis
No início dos anos 70, a Força Aérea Brasileira adquiriu da França 16 aviões Mirage, como parte de uma política mais efetiva de defesa aérea. Entretanto, os jatos – que atingem velocidade duas vezes superior a do som – precisavam de um aeroporto capaz de recebê-los. Surgia assim a Base Aérea de Anápolis (GO), distante cerca de 50 km de Goiânia e a 200 km de Brasília, dotada da maior pista de pouso e decolagem já construída até então no Brasil.
A Aeronáutica criou a Comissão da Construção da Base Aérea de Anápolis (CCBASAN), que contratou a consultoria da Eletroprojetos, responsável também pela fiscalização, além de três construtoras, entre elas a Rabello, encarregada da maior parte das obras, incluindo as pistas, hangar e diversos prédios.
A base aérea é composta basicamente por uma área pavimentada de 314 mil m², um hangar de 4 mil m², cercado por pequenos prédios, e a área administrativa, além dos alojamentos, situados em outro conjunto. Em um ponto mais afastado foram construídos os bancos de ensaios e o run-up, destinado a testar motores de avião. O banco de ensaios foi instalado sobre fundações especiais, contendo placas de cortiça para impedir a transmissão das vibrações para a estrutura do prédio. Já o run-up precisou de outra solução. As juntas de dilatação das placas de concreto do pátio de testes são de latão, para suportar as altas temperaturas (até 600°C) e os gases expelidos pelas turbinas a jato. As duas áreas de teste contam também com uma placa defletora de concreto fortemente armado, capaz de agüentar o empuxo do vento, que chega a 180 m/s.
As cabeceiras são de concreto, a seção central é de concreto asfáltico e as extremidades de asfalto. O pavimento foi dimensionado pela CCBASAN para suportar uma pressão de 200 lb.pol² e assim eventualmente poder receber grandes jumbos. As exigências de qualidade na construção foram muitas e por isso a Construtora Rabello solicitou ao Instituto de Pesquisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) um traço de concreto com uma resistência mínima à tração na flexão de 45 kg/cm².
Nessa obra não faltou o toque de criatividade peculiar dos engenheiros brasileiros: a central de concreto foi improvisada no canteiro com peças de diversos fabricantes, aumentando a produção de 24 para 60 m³/h. A solução encontrada foi acrescentar um silo de espera antes e outro depois da balança, permitido a adoção de um sistema de alimentação contínuo, reduzindo à metade o tempo de alimentação da central.
Guarulhos
Em 1940, a Arma de Aviação do Exército, que mais tarde daria origem ao Ministério da Aeronáutica, estava preocupada com a defesa do maior ce
ntro industrial do País. As famílias Samuel Ribeiro e Guinle doaram então uma gleba da Fazenda Cumbica para a construção da Base Aérea de São Paulo, erguida tão rapidamente que em 1941 já estava pronta.
O tempo passou e o fluxo de passageiros que utilizavam o aeroporto de Congonhas, situado bem no meio da capital paulistana, aumentou bastante. Era hora de construir um novo aeroporto internacional, com capacidade de absorver o crescimento do tráfego aéreo. Definir o local mais apropriado gerou uma polêmica na época. Cumbica era uma das possibilidades, mas a dificuldade de acesso atrapalhava o projeto. A questão foi resolvida quando, no final da década de 70 o governo estadual começou a construir a rodovia dos Trabalhadores, atual Ayrton Senna, facilitando o acesso local.
O Brigadeiro Theodósio Pereira da Silva era o presidente da comissão responsável pela obra e conta que a princípio a sociedade rejeitou o projeto, mas com o tempo entendeu a importância do aeroporto e resolveu “adotá-lo”. A rejeição estava ligada também ao fato de ser um época de transição do governo militar para civil e o momento histórico acabou colaborando no desejo da população de debater o projeto.
A segunda questão a ser resolvida foi a desapropriação da área ao redor da Base Aérea Cumbica, aumentando-a para 14 km². No passado, o local abrigara uma aldeia indígena e teoricamente, pela Constituição, pertenceria à União. E esta não podia pagar pela desapropriação das cerca de 5 mil propriedades irregulares existentes em terras que teoricamente já eram suas. A solução encontrada foi criar uma lei transferindo o problema para o governo do estado de São Paulo e este conseguiu finalmente desocupar a área.
As obras foram iniciadas em 1980 por um consórcio liderado pela construtora Camargo Corrêa. O brigadeiro conta que do ponto de vista técnico não havia nenhuma grande dificuldade a ser vencida pela engenharia da época. O que mais deu trabalho foi o solo brejoso na região da baixada do rio Baquirivu, um afluente do rio Tietê, que precisou ser removido para a construção da pista. Apesar do volume grande de movimentação do material, não foi uma tarefa complexa.
O primeiro terminal de passageiros foi inaugurado em janeiro de 1985. Um Boeing 747 da Varig, vindo de Nova York, desceu da pista de 3 mil m marcando o início das operações no aeroporto. O terminal 2 teve sua implantação dividida em quatro etapas, concluídas entre 1991 e 1993. Os dois terminais passaram recentemente por obras de reforma e ampliação e está prevista a construção do terminal 3, possivelmente em conjunto com a iniciativa privada.
Galeão
Em 1970 foi iniciada a construção do Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, uma obra marcante pelos desafios e soluções diferentes encontradas pela engenharia nacional. Técnicas inusitadas venceram o lodo e a falta de água, mas a obra entrou para a história por causa da implantação da primeira pista de concreto protendido do País, que contou com o processo alemão Dywidag, além de um trem concretador, capaz de proporcionar alta produção.
Três anos antes do início da obra, o Ministério da Aeronáutica criara a Comissão Coordenadora do Projeto Aeroporto Internacional (CCPAI), responsável por todo o empreendimento. Este entregou a execução dos projetos e a fiscalização à Hidroservice, enquanto a terraplanagem e as obras correntes foram executadas pela Companhia Brasileira de Projetos e Obras (CBPO) e as demais obras civis couberam ao Consórcio Odebrecht-Star (COS).
Marcelo Jardim, diretor superintendente da Odebrecht e que na época fiscalizava as obras de infraestrutura pela CCPAI, lembra a dificuldade das obras de terraplanagem. O volume total chegou a 31 milhões m³ e necessitava de uma quantidade gigantesca de água para sua compactação e manutenção dos caminhos de acesso. Só que na época havia uma falta de água crônica no Rio de Janeiro e a solução encontrada foi a utilização da água do mar. Na época, utilizar água salgada em aterros gerava muita desconfiança, pois não se sabia quais efeitos poderia provocar. Mas depois de inúmeros testes, a água salgada pôde ser adotada.
As obras de drenagem também demandaram uma solução criativa. Jardim conta que o projeto previa a construção de vários canais a céu aberto onde desembocavam tubulações pra lançar no mar as águas captadas pelo sistema de drenagem das pistas. Mas os locais onde os canais deveriam ser construídos eram constituídos por camadas de lodo com até 12 m de espessura. Os engenheiros então tiveram a ideia de construir um aterro sobre o lodo, da largura dos canais, e aplicar uma sobrecarga sobre ele, de forma que o material indesejado fosse expulso e o fundo de areia firme fosse atingido. Assim, a escavação dos canais pôde ser finalmente executada.
Mas o maior desafio foi aplicar o processo de protensão Dywidag. Renato Baiardi, atual (2002) membro do conselho da Odebrecht e na época diretor do contrato, lembra que o método Dywidag já havia sido utilizado na pavimentação de pistas de concreto na Alemanha, mas desenvolver a placa na profundidade correta para o aeroporto brasileiro foi um desafio. Na época existia ainda outro empecilho: não era fácil importar aço e a Belgo Mineira precisou produzir o material aqui, um tarefa complexa que demandou bastante tempo. A Dywidag tinha interesse em trazer a tecnologia para o Brasil e produzir o aço e os complementos necessários aqui, mas o aeroporto do Rio de Janeiro acabou sendo o único a empregar o método.
“É impossível imaginar hoje uma obra como aquela, com 10 mil empregados. Era uma minicidade. Hoje uma obra similar contaria, no máximo, com 2.500 a 3 mil pessoas devido à evolução da engenharia. Mas a construção do aeroporto era uma das obras mais importantes do País e eu estava lá”, lembra Baiardi, sem esconder o orgulho. Uma das lembranças que guarda da obra está ligada à alta produtividade obtida com o método. Ele conta que os alemães vieram para o Brasil transferir tecnologia, mas conseguiam produzir, no máximo, sete placas no mês. Os brasileiros aprenderam tão bem o processo que chegaram ao recorde de 51 placas mensais, fato comemorado como o “batismo” da peça com a cachaça 51, como em um navio lançado pela primeira vez ao mar.
Obter uma produtividade tão alta não foi fácil. Antes das obras começarem, Jardim passou três meses na Alemanha e depois participou do treinamento dos técnicos da Odebrecht e da CBPO na parte de protensão de placas. O trabalho era cuidadoso para que as placas não fissurassem devido ao atrito delas com o solo enquanto o concreto ainda apresentava baixa resistência. Para isso, era necessário aplicar protensão nos cabos quando o concreto ainda tinha baixa resistência e aumentá-la gradativamente. Jardim conta que
era necessário proteger as extremidades dos cabos de aço protendido Dywidag para evitar a corrosão e os engenheiros brasileiros tiveram a ideia de utilizar copos plásticos de café cheios de uma mistura epóxica. A solução, embora simples, agradou muito os alemães que vieram visitar as obras.
Outro aperfeiçoamento brasileiro ao método alemão foi a criação de uma espécie de ábaco, desenvolvido com base em medições das primeiras placas concretadas. Ele permitia que as extremidades das várias faixas de concretagem de uma mesma placa (seis faixas na pista de pouso e três na de rolamento) ficassem perfeitamente alinhadas depois de prontas. Cada faixa tinha cerca de 100 m de comprimento e era ajustada de acordo com a hora de concretagem e a temperatura. Dessa forma, depois da protensão, as extremidades tinham o mesmo alinhamento, coisa que até então não tinha sido conseguida na Alemanha. Embora do ponto de vista técnico não fosse relevante, o cuidado garantia um resultado estético perfeito.
Os engenheiros desenvolveram também uma tabela com um índice de conforto, que media o acabamento da superfície das placas, que tinham um cabo de protensão transversal a cada 45 cm. Depois das primeiras concretagens foi verificado que as bainhas dos cabos provocavam uma ondulação, que por sua vez geraria uma vibração desagradável para os aviões ao transitarem nas pistas. Por meio de uma pesquisa detalhada foi possível elaborar um método que envolvia uma régua metálica e pequenas chapas de metal com diferentes espessuras. O somatório das deformações permitia o cálculo do índice de conforto. Dependendo do grau obtido, as construtoras eram penalizadas com a suspensão das concretagens por períodos de um a três dias.
Quando a medição foi a adotada as construtoras protestaram, mas depois o fato acabou gerando uma saudável competição entre a Odebrecht e a CBPO.
Na verdade as ondulações eram provocadas pela compressão do trem de concretagem sobre as bainhas durante a vibração do concreto, pois este as empurrava para baixo e elas acabavam voltando lentamente para a posição original, ocasionando as pequenas ondulações superficiais. O problema foi resolvido com maior número de apoio das bainhas, concreto com maior volume de agregado gaúcho e um esquema de acabamento e desempeno final da placa 30 minutos após a passagem do trem.
Mas o uso do trem concretador, fabricado pela empresa belga Societe Generale de Material d’Entrepreneurs, foi uma revolução na época, pois nunca havia sido utilizado no Brasil. O equipamento era composto por três máquinas, que lançavam, distribuíam, vibravam e davam acabamento final ao concreto das pistas de taxiamento e do pátio de estacionamento das aeronaves. As máquinas corriam sobre trilhos, que serviam também de gabarito e fôrma de concretagem.
O Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, muitos anos depois rebatizado de Tom Jobim, foi inaugurado em janeiro de 1977, com capacidade para atender 6 milhões de passageiros/ano. Mas apenas dois anos depois de inaugurado, o primeiro terminal já atingia praticamente a sua capacidade total, registrando 5,7 milhões de passageiros/ano. Em 1990, a Infraero aproveitou algumas áreas previstas para futuras expansões e acrescentou 20 mil m² ao terminal.
Em 1992 foi iniciada a construção de um segundo terminal de passageiros no aeroporto do Rio de Janeiro, também executada pela Odebrecht e dessa vez com projeto da Engevix e da Enpro, esta especialista em estrutura metálica, que fez o cálculo e o desenvolvimento do projeto executivo. Sérgio lannibelli, diretor de contrato da Odebrecht, conta que a execução das fundações do segundo terminal tinham sido iniciadas e a construtora reformava o primeiro para receber os visitantes da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento – Rio 92, quando um incêndio destruiu parte do setor doméstico do aeroporto. A construtora teve que desdobrar para conseguir recuperar o terminal I a tempo do evento, que marcou época no Rio de Janeiro.
Uma das inovações no novo projeto foi uma estrutura espacial sustentando a laje pré-moldada de cobertura, com vão de 37 m, algo inédito no País, que substituiu a laje de concreto tradicional. Outra mudança em relação ao primeiro terminal, que teve sua estrutura em concreto toda moldada in loco, foi a utilização de vigas pré-moldadas. Já o edifício garagem foi executado com estrutura mista, incluindo laje steel deck. As torres de iluminação, com 50 m de altura, também foram executadas de forma diferente. Enquanto no primeiro terminal a concretagem das torres foi realizada de uma só vez, com fôrmas deslizantes, no segundo foram empregadas estruturas pré-moldadas. No pátio de estacionamento e de taxiamento das aeronaves, a construção das pistas utilizou o mesmo método, que ainda permanecia válido, mas com um trem concretador novo. O concreto também mudou e ficou mais resistente com o emprego de fibra de aço carbono e microssílica, seguindo as atualizações tecnológicas da engenharia.
O segundo terminal foi concluído em 2000, mas apenas dois terços do projeto foram executados. O restante da obra depende do aumento do número de passageiros no terminal.
Referências
Sites da Infraero e Born to Fly
Fonte: Padrão