Washington Novaes
Quem tenta ver o que acontece nas áreas florestais do Norte do País – como grandes hidrelétricas, abertura de rodovias, implantação de linhões para transmissão de energia, grandes projetos de mineração – costuma franzir o cenho. Porque constata que o desmatamento recente, de agosto de 2012 a março de 2013, em áreas protegidas, tem sido muito forte exatamente no entorno de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do governo federal.
Segundo estudo do Instituto Imazon (O Estado de S. Paulo, 29/6), perderam-se nada menos de 208 km² de floresta, 41% mais que no período de agosto de 2011 a março de 2012. Ou seja, quem mais devia cuidar das áreas protegidas – a administração pública – mais negligente foi.
E isso acontece, mesmo se sabendo que áreas de preservação permanente e reservas indígenas são apontadas, em vários relatórios internacionais e nacionais, como o caminho mais eficaz para a conservação e para proteção da biodiversidade, que é a nossa grande possibilidade, pois dela virão novos alimentos, novos medicamentos, novos materiais para substituírem os que se esgotarem (e o Brasil tem pelo menos 15% da biodiversidade planetária).
Mas há indícios de que o desmatamento em geral voltou a subir: 1.695 km² entre agosto do ano passado e fevereiro último, 26% mais que em igual período anterior. Ao todo, o desmatamento no bioma atingiu 41,5 mil km² entre 2007 e 2011. Pode piorar, com o novo Código Florestal. Já perdemos a vegetação, ao todo, em quase 20% do bioma.
"E isso se segue às usinas de Balbina
e Samuel, dois desastres ambientais ”
O setor da energia é um dos destaques. Agora mesmo está sendo licenciada a implantação de dois trechos de linhões para transmissão de energia da usina de Tucuruí – décadas depois do início da construção dessa unidade, para a qual foi autorizado o sepultamento, sob as águas, de 2.700 km de floresta, sem sequer retirar a madeira.
Com 851 km de linhão, só agora se vai ligar a usina a Macapá e Manaus, que nessas décadas continuaram sendo abastecidas por usinas movidas a combustíveis fósseis – a forma mais poluente. E isso se segue às usinas de Balbina e Samuel, dois desastres ambientais; meio século depois da rodovia Transamazônica, outra insanidade muito cara.
Mas agora acrescenta-se a tudo isso, Belo Monte, usina de 11.233 MW, mas que em boa parte do tempo só funcionará com 4.500 MW. Que precisará de um “linhão”, para abastecer o Norte da Amazônia, que não se sabe se ultrapassará o grande rio por baixo ou por cima, a que custo, para somar-se aos R$ 30 bilhões já previstos nas obras.
E para onde irá a maior parte da energia? Para o Sudeste do País, milhares de km além, com muitos riscos (nossos linhões hoje perdem 17% da energia que transmitem). Que dizer, então, dos gigantescos problemas urbanos nas imediações dessas obras gigantescas, como em Porto Velho (usinas do rio Madeira), vizinhanças de Tucuruí e agora de Altamira (com Belo Monte)? Mas ainda assim se projetam várias usinas para os rios Teles Pires e Tapajós, nas vizinhanças de áreas de conservação e indígenas. Por que não se pensa em descentralizar a geração? Por que não intensificar a implantação de usinas não poluentes como as eólicas, já competitivas em preço da energia fornecida, mas sem que as liguem a redes de distribuição e ainda proibindo sua participação em leilões para novas usinas?
"A floresta tropical vai perder a
capacidade de influenciar beneficamente
o clima em outras regiões do País”
E não é só no Brasil que se cometem temeridades. Em toda a Amazônia, incluindo Peru, Colômbia e Equador, já há autorizações para explorar petróleo e gás em mais de 1 milhão de km². Isso implica abertura de estradas, problemas para a biodiversidade e comunidades extrativistas, riscos de incêndios florestais etc. (Instituto Carbono Brasil, 5/6). E o Senado brasileiro ainda aprova o plantio de cana-de-açúcar em áreas desmatadas na Amazônia e no Cerrado…
E assim se vai, embora estudos em toda parte digam que a floresta tropical já está sofrendo e vai sofrer ainda mais, pois vai perder a capacidade de influenciar beneficamente o clima em outras regiões do País. Ainda mais que sofrerá muito com a acidificação dos oceanos, que influi nas correntes de vento que chegam ao bioma. E isso, quando o País já está perdendo cerca de 1% do seu PIB com os problemas climáticos nas áreas agrícolas.
O Fundo Amazônia, com doações de outros países e recursos federais, poderia ser um bom caminho. Mas até agora só desembolsou 11,4% dos recursos recebidos. Também o acordo entre o Ministério Público e a Associação Brasileira de Supermercados, para não vender carne bovina de áreas desmatadas, pode ser um bom caminho. Da mesma forma, campanhas de ONGs para que ninguém compre madeira ilegal. Mas o maior sinal de alerta está no Barômetro da Biodiversidade: dois terços dos consumidores brasileiros já querem saber a origem dos produtos que compram (UEBT, junho 2013). É uma esperança.
Fonte: Revista O Empreiteiro