Interessante reconhecer nossos equívocos e nossos poucos acertos na história da ferrovia brasileira (1963-2013). Aos poucos, em seguidos anos destas bodas de ouro, como diria Chico Buarque – tijolo por tijolo em um desenho mágico –, nesta magia fizemos desaparecer cada tijolo levantado em cem anos de construção.
Não é por coincidência somente de datas. Com certeza teve início a derrocada das nossas ferrovias exatamente nessa época. Em 1957, a rede ferroviária brasileira estava toda estatizada por não representar interesse ao capital; e a de São Paulo em franca decadência por total incompetência de suas direções em se atualizar com novos rumos que o mundo do pós-guerra começava a cavalgar.
Nossa miopia estratégica, que não é de hoje, possibilitou que as empresas ferroviárias brasileiras se acomodassem à falta de concorrência. Seus dirigentes não viam que a matriz de transporte de carga ou passageiro mudava aceleradamente, para dar vazão à produção do País que entrava tardiamente na era da Revolução Industrial.
O Estado interveio estatizando o sistema ferroviário para poder cobrir equívocos empresariais daquelas diretorias. Com a estatização, já então na década de 1970, em São Paulo criou-se a empresa Ferrovia Paulista S.A. (Fepasa), que reunia todas as ferrovias implantadas no Estado com poucos trechos além de seus limites. O governo federal formou a união de todas as demais ferrovias do país em uma estatal, Rede Ferroviária Federal Sociedade Anônima, 1957. O Brasil emergia de um país essencialmente agrário para um surto industrial iniciado há alguns anos.
No período em que teve início essa estatização, encontramos ferroviários e seus dirigentes divididos na perspectiva de qual futuro estaria reservado para as ferrovias. Muitos imaginavam conseguir fazer com que as ferrovias se erguessem e voltassem à cena, pelo fato de que no exterior lutavam para isso. Outros, que aos poucos passaram a ser maioria, viam a possibilidade de tornar a ferrovia rentável abandonando trens de passageiros, aplicando recursos na mobilidade somente dos trens de cargas.
O Japão passava a liderar projetos em trens de alta velocidade para passageiros com a criação do trem Shinkasen. O país mostrava ao mundo sua competência técnica e sua disposição de liderança ferroviária em nível mundial. A Europa via em seus trilhos desmantelados pela guerra o futuro de seus transportes tanto de cargas como de passageiros. Em toda a década de 50 passou a reconstruir e inovar em tecnologia de trens criando e reconstruindo sistemas ferroviários sem abandonar a reconstrução de suas rodovias. Fator de importância para a vitória de seus esforços foi a recuperação do parque industrial de veículos motores, com expressiva qualidade, tornando-se líderes mundiais em tecnologias veiculares.
Se além de buscar tecnologias, também tivéssemos, neste passado, procurado o desenvolvimento nacional tecnológico, teríamos crescido com relativa independência, e também colaborado com o crescimento de oportunidades no mundo ferroviário. Poucas foram as iniciativas de criar tecnologia nacional. Ao contrário, passamos a comprar tecnologia, absorvemos muitas vezes até com inteligência em determinadas áreas como a do metrô.
“De forma criminosa sucateamos nosso parque ferroviário de passageiros de médio e longo percurso”
As estatais ferroviárias, apesar de seus esforços, foram delegadas a ter comportamento pouco empresarial, especialmente em trens de passageiros. De forma criminosa sucateamos nosso parque ferroviário de passageiros de médio e longo percurso. Os de cargas sucatearam pelo uso intenso sem reposição e muito menos uma boa manutenção.
Hoje, estamos tentando finalizar o início de um processo importante para resgatarmos nosso passado — o advento de trens de alta velocidade entre as principais metrópoles brasileiras. Pela falta de conhecimento ferroviário que deveria estar imerso no Estado brasileiro, as tentativas são muitas de se dar os primeiros passos, como também os fracassos vem sendo sucessivos.
As discussões sobre detalhes importantes levam anos, em seguida surgem tantos outros, muitas vezes desanimando empreendedores importantes. Assim, adiam-se indefinidamente ambas as questões — a mobilidade urbana e a territorial. Surgem no mundo político criíticas dando ênfase á aplicação de recursos na mobilidade urbana em detrimento da territorial — mais uma vez passaremos a tampar o sol com a peneira. Ambas possuem a mesma importância e são colaboradoras entre si. Não esquecendo que já se passaram duas gerações no desmantelamento das nossas ferrovias e nas discussões do que seria melhor, não se fazendo nada.
Nada será importante se continuarmos oferecendo oportunidades aos estrangeiros sem absorver e desenvolver tecnologias, continuando a fabricar carroças. Passaremos os próximos cinquenta anos com o mesmo discurso, cosendo e remedando ideias menores e ganhando sempre uma excelente colocação, “terceiro-mundista”.
Existe uma frase importante que deveria nortear os investimentos – “Transporte é um direito do cidadão e um dever do Estado”. Vale para cargas e passageiros em qualquer nível de responsabilidade do Estado, lembrando que o uso da iniciativa privada não deve ser substitutivo do Estado, apenas colaborativo. A inteligência tem de estar sempre também instalada no Estado.
*Cyro Laurenza é engenheiro e consultor
Fonte: Revista O Empreiteiro