José Carlos Videira
O economista Carlos Alvares da Silva Campos Neto é o responsável pelas pesquisas na área de infraestrutura do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão que fornece suporte técnico e institucional às ações governamentais. O especialista calcula que o investimento em infraestrutura de transportes no País, em relação ao PIB, mais do que dobrou nos últimos anos, mas ainda é o menor entre os emergentes. Segundo Campos Neto, o Brasil precisa de R$ 180 bilhões para recuperar os mais de 20 anos em que ficou sem investimentos no setor. Segundo os números do Ipea, a iniciativa privada vem aumentando sua participação nos investimentos em infraestrutura, mas o especialista alerta que o limite dessa participação é o retorno financeiro dos investimentos. Acompanhe a seguir os principais trechos da entrevista exclusiva paraO Empreiteiro.
Qual avaliação o sr. faz do estado atual da infraestrutura de transportes no Brasil?
Campos Neto– O Brasil ficou 25 anos (1985-2005) com muito pouco investimento em infraestrutura de transportes, que se degradou nesse período, fazendo aumentar muito a necessidade de investimento. Até houve crescimento dos investimentos públicos e privados, entre 2003 e 2010, mas insuficientes, tanto para recuperar o que deixou de ser feito quanto para dar conta das necessidades da sétima maior economia do mundo. E de 2010 a 2013, os investimentos se estabilizaram.
Se estabilizaram em quais valores?
C.N. –Em termos reais, ficaram em R$ 25 bilhões, R$ 26 bilhões por ano em todos os quatro modais de transporte.
Quanto isso representa do PIB?
C.N. –Algo em torno de 0,6% do PIB, o que é muito pouco. Mas é o maior percentual investido pelo País desde 2002, e muito superior se comparado, por exemplo, a 2003, quando os investimentos ficaram em 0,26% do PIB. Mais do que dobrou em termos reais e, mesmo assim, não foi suficiente para atender às necessidades.
E em relação aos demais emergentes?
C.N. –Os países emergentes que hoje concorrem com o Brasil (Rússia, China, Índia, Coreia do Sul, Vietnã, Chile, Colômbia etc.) investem por ano, em média, 3,4% do PIB em transporte. Então, temos de, pelo menos, multiplicar por quatro o atual volume de investimentos, para recuperar o que deixou de ser feito e conseguir ter uma infraestrutura adequada para reduzir os custos logísticos da economia brasileira.
O governo vai acabar tendo de investir mais do que a iniciativa privada.
C.N. –Essa é a ideia que se tem, mas os nossos números não mostram isso. De 2002 a 2013, o setor privado respondeu por 45% do montante investido em transportes no Brasil, enquanto o setor público ficou com 55%. E em 2002, 2003 e 2004, os investimentos privados são maiores que os públicos.
Por quê? Houve concentração em algum modal?
C.N. –Há concentração nos modais ferroviário e portuário. Os investimentos privados também vêm tomando vulto em rodovias e, mais recentemente, em aeroportos. Mas, de fato, as ferrovias foram todas concedidas ao setor privado, mais ou menos em 1997. A partir daí, a participação do setor privado passa a ser muito expressiva.
Mas esse crescimento conjuntural não foi por conta das concessões?
C.N. –Deixa de ser conjuntural, na medida em que houve uma concessão. Os contratos são de longo prazo. Nesse setor, os investimentos privados passaram a ser mais significativos para o setor, e os investimentos públicos ficaram muito limitados, pelo menos até meados de 2008. A partir daí, os investimentos públicos no setor ferroviário voltam a ganhar vulto.
Por quê?
C.N. –Houve decisão política de que a expansão da malha ferroviária seria feita por meio do PAC. A construção da Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste), a expansão da Ferrovia Norte-Sul, a construção da Fico (Ferrovia de Integração Centro-Oeste) estavam previstas para ser construídas com recursos públicos. Portanto, há uma retomada do investimento público em 2008, mas os recursos privados são expressivos e ainda dominam o setor ferroviário.
E no setor portuário?
C.N. –O investimento público tem relativa importância, mas o privado também acaba sendo num montante maior. Até porque os investimentos nos terminais privativos são bastante expressivos na modernização e na compra de equipamentos.
E onde fica a contrapartida?
C.N. –Mais na parte de infraestrutura dentro do porto, acesso rodoferroviário e dragagens. E esses investimentos têm vindo em muito pouca monta, tanto que os gargalos dos portos brasileiros são bem visíveis.
Bem ou mal, os portos não têm dado conta das importações e exportações?
C.N. –Os portos conseguiram dar vazão ao crescimento do comércio exterior, a partir de 2003 até 2011, mais por conta dos investimentos privados na modernização e no ganho de eficiência dos terminais privados.
O novo marco regulatório vai ampliar a participação privada?
C.N. –A perspectiva é de que os investimentos cresçam mais no setor portuário, a partir do novo marco. Existem mais de cem pedidos de autorização na Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), alguns muito vultosos a cargo do setor privado, como novos portos privados.
Qual o valor?
C.N. –Em torno de R$ 15 bilhões nos próximos anos. Mas é importante ressaltar a construção de novos portos, como o de Ilhéus (boa parte privado); existe um porto privado sendo construído no Espírito Santo, outro em Manaus. O investimento na construção e na operação, e até a autoridade portuária, será inteiramente privado.
Esse tipo de modelo existe em outros países?
C.N. –Não é comum no mundo o setor privado ser ao mesmo tempo investidor, operador e autoridade portuária. Será um momento novo que o Brasil irá vivenciar.
Em quanto tempo os investimentos começarão a trazer resultados em termos de e
ficiência?
C.N. –A construção dos novos portos deve levar em torno de cinco ou seis anos. Portanto, os resultados serão sentidos mais para o final desta década.
E com relação às Companhias Docas?
C.N. –Se as Companhias Docas funcionarem como empresas, ou seja, gerando receitas suficientes para fazer face ao seu custeio e aos seus investimentos, com plano de metas, resultados e eficiência, mais os recursos do setor privado, a princípio, não haveria necessidade de aportes fiscais no setor portuário.
Isso não é muito otimismo?
C.N. –Se fossem geridas de maneira mais profissional, sem influência política, seria possível o setor não depender de recursos fiscais. Eu costumo brincar que, hoje, se a Companhia Docas precisa comprar um lápis, tem de pedir autorização aqui em Brasília. Aí não dá para funcionar.
Mas a realidade é bem outra, não?
C.N. –As Companhias Docas são mal administradas, mal geridas, estão endividadas, não conseguem fazer os investimentos, e aí o governo tem de socorrê-las.
A saída para melhorar a infraestrutura de transporte no Brasil seria por meio da iniciativa privada?
C.N. –É uma das alternativas, sim. Como disse, nos últimos 12 anos, os números demonstram que o setor privado vem respondendo na média por 45% dos investimentos no Brasil.
Esse percentual ainda vai se manter nos próximos anos?
C.N. –Nossa estimativa de investimento em transporte para 2014, 2015 e 2016 também aponta que os investimentos privados continuarão sendo expressivos e até maiores do que os públicos. Principalmente, em função das novas concessões de estradas e aeroportos feitas no final do ano passado. Os investimentos começarão a maturar, deste ano em diante, o que deverá resultar em investimento privado maior que o público. Numa série histórica de 16 anos, os investimentos privados serão maiores que os públicos em pelo menos sete anos.
Mas qual seria o limite do investimento privado?
C.N. –O limite da participação do setor privado no setor de transportes é o retorno financeiro.
Qual seria esse limite no caso das rodovias?
C.N. –Com as últimas concessões, o governo federal já está chegando a cerca de 9,5 mil km concedidos à iniciativa privada. Isso corresponde a pouco mais de 15% da malha. A média mundial é de 2%. No Brasil, se considerarmos as rodovias estaduais já concedidas, é próxima de 12%. Estamos muito acima da média mundial. Para as rodovias federais, dentro desse modelo de concessão, estamos chegando próximo ao limite ao qual o setor privado teria interesse.
Qual seria esse limite?
C.N. –Podemos chegar a 20% da malha pavimentada que detém um fluxo de veículo de interesse da iniciativa privada. Tem alguma coisa que poderia ser feita por meio de parceria público-privada, mas requer uma parcela de recursos públicos vindos do próprio Tesouro para viabilizar as PPPs.
Isso então inviabilizaria as PPPs?
C.N. –É preciso ter em mente que 75% das rodovias sempre precisarão de recursos públicos no longo prazo para construção, recuperação e manutenção.
Isso foi um dos motivos para a deterioração da malha?
C.N. –Durante o período em que o governo não conseguiu investir, as rodovias se degradaram bastante, criando um passivo de R$ 180 bilhões só para recuperar o que deixou de ser feito em 25 anos.
Em rodovias, como a parte do governo vai ser sempre maior, o tempo de recuperação também vai demorar?
C.N. –O investimento público é moroso. Existe toda uma fase de pré-obra que demanda às vezes mais do que um mandato. Se o projeto executivo for malfeito, contratos mal elaborados, sem contar que a Lei 8.666 é ultrapassada e permite uma série de recursos, demora mesmo.
Quais as outras amarras existentes nesse processo?
C.N. –Também tem a questão das licenças ambientais que demoram anos para ser emitidas e as desapropriações que geralmente terminam na Justiça. Tem todo um período antes de começar as obras que demanda anos. Por isso, muitas vezes, o governo anuncia um programa de investimentos e a gente não consegue ver o retorno.
A demora, então, não é necessariamente por falta de recursos.
C.N. –Os recursos são alocados e autorizados no orçamento, mas a execução orçamentária fica muito aquém do que está autorizado. O governo não consegue gastar o que está no orçamento, por conta de todas essas pendengas, que muitas vezes acabam no Tribunal de Contas da União (TCU).
Projeto executivo é a peça fundamental?
C.N. –Quando o governo lançou o Programa de Investimentos em Logística (PIL), chamamos a atenção que talvez valesse mais a pena investir na fase de preparação do plano, ou seja, na fase de ter bons projetos, bons editais, bons marcos regulatórios; investir mais tempo nisso, do que tentar atropelar esse prazo para chegar logo na fase de obras e aí a coisa acabar complicando. Por exemplo, marcos regulatórios com problemas obrigam o governo a fazer ajustes, que trazem insegurança ao setor privado.
Na questão das ferrovias, como o sr. avalia o papel da Valec?
C.N. –A Valec está com um desafio enorme e novo pela frente. O setor privado tem chamado a atenção para o “risco Valec”. Da forma como está colocado este processo, o empresário fica inseguro em fazer um investimento num contrato de 35 anos, em que a Valec vai comprar 100% da capacidade da via e vai pagar esse investimento feito ao longo desse período. O setor privado se sente inseguro de fazer um contrato num período tão longo sem ter garantia que vai receber mesmo da Valec por esse investimento, com tantas mudanças de governo que se passarão nesse tempo todo. O governo precisa conseguir, de alguma forma, trazer garantias ao setor privado para contornar esse receio.
Existiria algum outro modelo?
C.N. –O modelo inicial previa que a ampliação da malha ferroviária brasileira seria feita com recursos públicos. E depois poderia passar a operação ao setor privado. O governo faria o investimento na infraestrutura da ferrovia e a operação passaria para o setor privado.
As ferrovias no Brasil são sinônimo de obras inacabadas?
C.N. –Nossa experiência com ferrovias, por enquanto, não está sendo exitosa. Temos o caso da Norte-Sul, que não tem sido boa nem em termos de prazo nem de qualidade; a Ferrovia de Integração Oeste-Leste está muito atrasada. Temos a nova Tra
nsnordestina, que está a cargo do setor privado, também está muito atrasada.
Indo para rodovias, o Dnit está cuidando bem da nossa malha rodoviária?
C.N. –O Dnit passou por um processo muito difícil, em 2001, na época da faxina étnica. Os investimentos foram muito deprimidos, o órgão quase parou, os contratos foram todos suspensos, o TCU interveio com muito vigor. Mas é possível recuperar. O Dnit agora está usando bastante o RDC (Regime Diferenciado de Contratação) e está retomando os seus contratos de recuperação e manutenção de rodovias. Este ano, estimo que haverá recuperação dos investimentos do Dnit. Em 2013, o órgão investiu algo em torno de R$ 8,6 bilhões. Para 2014, deve chegar a R$ 10 bilhões, com uma recuperação paulatina.
Com relação a aeroportos, se previa o caos para a Copa do Mundo. Qual a sua avaliação em relação a esse modal?
C.N. –Houve uma tomada de posição do governo, que reagiu aos fatos. Em 2011 e 2012, dos 20 maiores aeroportos brasileiros, 16 estavam operando acima da capacidade. A origem do problema é o aumento da renda, as passagens baixaram de preço, o crédito ajudou muito. Alguns milhões de brasileiros vieram para o setor aéreo, mas os aeroportos estavam do mesmo tamanho. Houve um crescimento de mais de 150% no volume de passageiros, entre 2003 e 2011.
Ninguém previu que a demanda mais que dobraria?
C.N. –Prever um crescimento dessa magnitude, realmente, é difícil. Mas a Infraero, e nossos números mostram isso, vinha também com uma ineficiência muito grande, entre o que estava autorizada a investir e o percentual de execução, em torno de 45%. Mais da metade do que estava autorizado, a Infraero não conseguia executar. Numa conjuntura desfavorável, com gestores escolhidos politicamente. Mas os problemas dos aeroportos já vinham ao longo do tempo, e não eram por causa da Copa do Mundo. Mas mostramos que, no ritmo que se investia, os aeroportos não atenderiam a demanda.
Foi a partir de então que o governo retomou as rédeas?
C.N. –O governo acelerou o processo para conceder os seus três principais aeroportos: Guarulhos, Brasília e Campinas. As empresas vencedoras das concessões estão trabalhando 24 horas, tocando investimentos, para conseguir entregar a tempo. A Infraero melhorou bastante a sua eficiência de execução de seus orçamentos, nos últimos dois anos. De qualquer forma, para a Copa do Mundo, existem alternativas: deslocam-se horários de voos internos, colocam-se voos nacionais em lugares mais apertados, para cidades próximas e se deixam os internacionais nos melhores espaços. Não vai ser aeroporto que vai causar problema, não.
O governo deveria explorar mais concessões?
C.N. –O governo viu que não tinha outra alternativa a não ser as concessões. Mas no caso dos aeroportos brasileiros, é o movimento de passageiros que gera receita e que dita onde o setor privado tem interesse e onde não tem. Dentro desse modelo de concessão, já estamos chegando ao nosso limite. Entregando Guarulhos, Brasília, Campinas, e agora Galeão e Confins, não vai sobrar mais nada.
E os aeroportos regionais e de menos movimento?
C.N. –A Infraero vai ficar ainda com 62 aeroportos para administrar, os menores e os deficitários. Vai precisar muito de recursos fiscais para poder dar conta do que sobrou para ela. Mas é importante lembrar que foi criado o Fundo Nacional de Aviação Civil, que arrecada recursos oriundos das concessões. E a Infraero é sócia com 49% de todas as concessões, para investimentos no restante dos aeroportos.
O Brasil não vai precisar de mais aeroportos?
C.N. –Sim. Com as fronteiras econômicas do País crescendo, vamos precisar de mais aeroportos. E a tendência é de que esses aeroportos sejam menores, nos quais a iniciativa privada não teria muito interesse.
De quanto têm sido os investimentos nos aeroportos?
C.N. –Em 2013, o investimento da Infraero ficou na casa de R$ 1,5 bilhão, e os investimentos privados são estimados, também, em quase R$ 1,5 bilhão. Já os investimentos públicos em 2012 e 2013 somaram R$ 14,75 bilhões. No mesmo período, os recursos autorizados para investimento no orçamento fiscal e no da Infraero perfazem R$ 25,2 bilhões. Isto significa que, em 11 anos, R$ 10,5 bilhões deixaram de ser aplicados no estrangulado sistema aeroportuário brasileiro.
E quanto às hidrovias?
C.N. –No caso de hidrovias no Brasil, falta vontade política. É um setor que o governo ainda conhece pouco. Por isso, tem pouca segurança para investir. Quem acabou tomando a frente, de novo, de usar uma parte dos rios brasileiros foi o setor privado. O governo formalmente fala muito em hidrovias, existem muitos planos hidroviários, mas não saem do papel. A execução é absolutamente pífia.
O governo ignora o potencial de hidrovias no Brasil?
C.N. –Agora que o governo começou a fazer os Evtea (Estudos de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental) sobre hidrovias. Por incrível que pareça ainda pelo Dnit, mas agora essa área de hidrovias deve ir para a Secretaria Especial de Portos (SEP). Esses são os estudos basilares para se conhecer os rios e se saber a necessidade de investimentos em dragagem, derrocamento (retirada de pedras), sinalização, ajustes de pontes, construção de eclusas etc. O governo vinha fazendo planos, sem conhecer as hidrovias, porque os estudos só estão sendo feitos agora.
Fonte: Revista O Empreiteiro