Para fugir do carvão, energia nuclear. A que preço?

 

Nem o acidente catastrófico de Fukushima, no Japão, esfriou o ânimo do governo chinês, que já autorizou
a retomada das obras das novas usinas nucleares para geração elétrica

Quando o governo britânico anunciou este ano que aprovou um consórcio liderado pela francesa EDF, com a participação da China General Nuclear Power Group, uma estatal chinesa, para construir com recursos próprios e operar uma nova usina nuclear em Hinkley Point, em Somerset, na Inglaterra, com 3.200 MW de capacidade, os comunistas da velha guarda devem ter se revirado no túmulo. Depois da queda do Muro de Berlim, 25 anos atrás, a construção da primeira usina nuclear na Europa por engenheiros chineses deve ser o tiro de misericórdia nos ortodoxos do PC — porque os negócios hoje falam mais alto do que a geopolítica.

Para reduzir a dependência do carvão, que produz 4/5 da energia consumida na China, contribuindo para acentuar a grave poluição que atinge as grandes cidades, há mais de 20 usinas nucleares em obras no país, em diferentes estágios. A capacidade de geração nuclear poderá triplicar por volta de 2020, como parte do programa nacional que prevê dobrar a geração elétrica no horizonte de 2030.

Com o governo central tomando as decisões, há poucas vozes que se erguem sobre a segurança nuclear, ao contrário do cenário global em que a lembrança do desastre em Fukushima, em 11 de março de 2011, como consequência de um tsunami, continua viva. A maior usina nuclear da Europa, localizada na Ucrânia, foi paralisada recentemente. Em Chernobyl, nesse mesmo país, o sarcófago metálico que vai vedar as usinas nucleares destruídas está em fase final de montagem, mas ninguém sabe quem vai pagar a conta final.

A pressa e a insegurança
A pressa do governo chinês no seu programa de usinas nucleares traz riscos adicionais de segurança. Ao invés de escolher um modelo de usina por critérios técnicos, de um fabricante experiente, e replicá-lo nos novos projetos, a China preferiu nacionalizar os projetos ocidentais, por meio de empresas estatais que concorrem entre si no mercado global oferecendo modelos similares, mas nenhum deles suficientemente testado com operação em escala comercial.

Em outubro de 2012, o governo de Beijing aprovou a revisão de segurança das usinas nucleares em construção e autorizou a retomada das obras, a um ritmo mais lento, projetando chegar a 130 GW de capacidade instalada até 2030.

Projetos situados em regiões sujeitas a abalos sísmicos e com escassez d’água foram cancelados. Os órgãos oficiais também afirmam que as novas usinas a ser licenciadas devem se ajustar aos padrões de segurança de terceira geração.

 

Planta nuclear de Yangjiang, na província de Guangdong, China, entrou em operação em 2014
 

Estes têm a ver, por exemplo, com as bombas elétricas para sistemas de resfriamento, que falharam em Fukushima após o tsunami. Modelos recentes de usina nuclear de marcas ocidentais, como Westinghouse e Areva, incorporam medidas mais severas de segurança, como mecanismos de resfriamento que funcionam por gravidade, sem precisar de energia elétrica.

Especialistas do mercado acreditam que a China venha a importar parte dos novos reatores do Ocidente, com conteúdo redundante de sistemas de segurança, ao invés de adotar somente modelos nacionalizados que ainda não entraram em operação comercial.

A China opera hoje 17 usinas nucleares de energia, algumas agrupadas como um único conjunto, todas instaladas ao longo da costa, com fácil acesso à água do mar para fins de resfriamento — e dispersão dos poluentes em caso de eventual acidente. Mesmo com essa prioridade à geração nuclear, mais da metade dos novos projetos de usinas elétricas no país usa fontes renováveis, como hidrelétricas, parques eólicos e plantas solares.

 

 

Descomissionar Fukushima é tarefa para 40 anos

Quinhentas mil t de água contaminada por elementos radiativos representam a principal ameaça no sítio da usina Fukushima Daiichi, no Japão, estocadas em mais de mil tanques que ocupam vasta área — este mar de rejeitos perigosos pode ser comparado às 9 mil t de água tóxica gerada pelo derretimento parcial da usina de Three Miles Island, nos Estados Unidos, em 1979. Para enfrentar esse risco tão acentuado, com potencial para perpetuar essa tragédia de grandes proporções, há 6 mil trabalhadores da Tokyo Electric Power (Tepco) e empresas subcontratadas empenhados num programa que vai custar US$ 17 bilhões. É um esforço quase sobre-humano para colocar essas condições adversas sob controle, quatro anos depois de o tsunami histórico ter provocado o triplo derretimento nos reatores da usina.

Todo dia cerca de 400 t de água de subsolo descem dos morros atrás da usina nuclear e chegam à base dos três reatores danificados, onde se misturam com a água de resfriamento usada para evitar o superaquecimento do combustível que fundiu, o que pode vir a provocar novo acidente. A maior parte dessa água é bombeada e estocada em tanques, mas uma porção substancial dela atinge outros locais do sítio, inclusive trincheiras abertas ligadas ao mar.

 

 

As primeiras unidades ALPS para descontaminação d’água, instaladas pela Tepco, sofreram problemas técnicos, prejudicando seu desempenho. Os tanques de estocagem d’água tiveram vazamentos. Os trabalhos para congelar uma trincheira em torno dos reatores estavam meses atrasados. Uma outra barreira congelada, de 1,5 km, para impedir que a água do subsolo alcance a base dos reatores, deverá estar pronta em março próximo e inteiramente congelada em maio.

Novos purificadores ALPS foram testados com sucesso. Eles usam filtros e absorventes para reter 60 elementos radiativos d’água, sem empregar aditivos químicos que geram rejeitos próprios; têm capacidade para limpar 2 mil t de água por dia.

Em novembro passado, foram removidos com sucesso 1.330 conjuntos de combustível gasto de uma piscina no reator 4, que foi severamente danificado por uma explosão após o acidente com o tsunami, em 11 março de 2011. Especialistas temiam pelos riscos desse trabalho, caso esses elementos de combustível colidissem ou fossem danificados. Mas a parte mais arriscada está por vir — a remoção do combustível fundido dos reatores 1, 2 e 3, cujo nível de radiatividade é tão intenso, que impede a aproximação dos trabalhadores.

Robôs fizeram inspeções no prédio dos reatores mas não identificaram o local exato do combustível fundido. Os riscos são de tal ordem, que a Tepco e o governo foram obrigados a adiar a remoção desse material do reator 1 por cinco anos, para 2025. O descomissionamento completo da usina deve demorar cerca de 40 anos. O custo desse trabalho, mais a compensação financeira de 120 mil habitantes obrigados a deixar suas residências, pode chegar a US$ 86 bilhões. Mas, a despeito dessa tragédia, o governo japonês já autorizou a religação de algumas usinas nucleares.
 

Fonte: Revista O Empreiteiro

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