Plano de Metas de JK ainda não tem paralelo na política atual

Há 112 anos do nascimento de Juscelino Kubitschek e há quase 40 anos de sua morte, o ex-presidente continua a revelar-se como aquele estadista que assumiu o País com um Projeto de Nação. Os demais, com falhas menores ou maiores, não se credenciaram por suas realizações, nem revelaram uma estratégia estruturada de longo prazo

Nildo Carlos Oliveira

Os protestos de junho do ano passado mobilizaram multidões, mas já estão no esquecimento. A política deixou de ser estratégia do pensamento e da ação transformadora, para virar instrumento de barganha. O empenho em favor da manutenção da inflação em taxas aceitáveis é frustração nacional. O legado pós-Copa foi um pretexto para ludibriar o contribuinte. A mobilidade urbana é um fiasco por antecipação. A segurança pública e urbana é colocada em xeque, de manhã, de dia e de noite, nas ruas, nas casas, nos ambientes de lazer, no campo, nos presídios e nos palácios. E a transferência de renda via bolsa-família, e outras bolsas, converteu-se em mecanismo de inação crônica em prejuízo do trabalho regular e remunerado, que já não interessa à maioria dos seus beneficiários.
O estadista soube selecionar a equipe para o desenho e a construção da nova capital

Apesar desses aspectos e da falta de programas de médio e longo prazo que impedem o País de encontrar o caminho para crescer, há uma relutância em muitas áreas em aceitar JK e os planos de sua equipe de governo como nem sequer o desenho ou o esboço de um Projeto de Nação. Essa relutância se estende tanto ao homem quanto ao político duramente estigmatizado pelos governos militares. Perseguido, cassado, submetido ao vexame de interrogatórios iníquos e ao exílio, teve todas as portas políticas fechadas. Tentaram sepultá-lo vivo, antes de o enterrarem morto. Apesar disso, o fundador de Brasília, responsável pelo Plano de Metas com o qual pretendia fazer o Brasil viver cinquenta anos em cinco, insistiu, em vários de seus pronunciamentos: “Não aprendi a odiar”.

Essas observações são provocadas pelo livro O essencial de JK, visão e grandeza, paixão e tristeza, redigido sem o carimbo autoritário de “biografia autorizada”, pelo jornalista, historiador e ex-ministro Ronaldo Costa Couto. Lançado no ano passado pela Editora Planeta, o livro narra a saga desse “construtor de sonhos”, nascido em Diamantina-MG a 12 de setembro de 1902. Ele cumpriu, no período de seu governo – 1956-1960 – tudo o que prometeu em suas campanhas. Consagrou-se, segundo o biógrafo, como homem de visão e ação, hábil governante e admirável empreendedor público. Trabalhador contumaz, ligava para ministros e demais auxiliares a qualquer hora do dia ou da noite. Quando saiu do governo, obstaram-lhe todas as rotas a fim de impedi-lo de voltar à vida pública.

A Esplanada dos Ministérios (à esquerda), construída em ritmo acelerado, e o Congresso Nacional, que teve inovações no projeto de cálculo estrutural

A biografia de Costa Couto não é a única, a enfocar a trajetória de JK. Outro biógrafo, o jornalista e escritor carioca Cláudio Bojunga, já publicara, em 2001, pela Editora Objetiva, o livro de 798 páginas contando todos os passos da trajetória do político mineiro, no livro surpreendente JK — O artista do impossível. Enquanto a biografia de Costa Couto enfoca “o essencial”, sobretudo os aspectos humanos e afetivos da vida de JK, Bojunga se debruça, ou melhor, mergulha, no cenário brasileiro da época, a fim de desenhar um quadro mais completo: o menino nas ruas de Diamantina; o médico; o prefeito de Belo Horizonte nos anos 40, dedicado a uma política de obras públicas que levou a capital mineira a “respirar, relaxar e a desprovinianizar-se”; as articulações políticas que o conduziram ao governo de Minas e, depois, a chegada à Presidência da República.

Exigente formulador e executor de programas de desenvolvimento, conforme salientam os dois biógrafos, JK era um obcecado pelo planejamento. Compreendeu o papel de Getúlio Vargas, com o seu nacionalismo populista e sua política industrial setorizada. Se este poderia estar identificado pelo nacionalismo dos anos 30 e governou na ditadura e com a ditadura, rotulando o capital como nacional e estrangeiro, JK era mais aberto e governou na plenitude democrática, classificando aquele mesmo capital como produtivo e especulativo, mas com uma visão sintonizada com o mundo do pós-guerra.

A partir de Minas

O planejamento, para JK, era uma obsessão. Quem o visse poderia até imaginar o contrário. Entusiasta, elétrico, infatigável. Desde as primeiras horas do dia até altas horas da noite, não arredava o pé do trabalho. Mas, quem o visse, poderia até imaginar o contrário, que se tratava de um administrador avesso à rotina.

Havia nele uma característica fortemente arraigada: sabia escolher os auxiliares certos para os lugares certos. Poderia até montar a sua equipe a partir de indicações de políticos, mas não abria mão de manter pessoal com absoluto conhecimento técnico ou econômico nas áreas que julgava estratégicas. Assim fez quando prefeito de BH ou quando governador de Minas Gerais. Como governador, convidou ninguém mais que o engenheiro Lucas Lopes, que já presidira a Companhia Vale do Rio Doce, para dirigir a área energética. E, para o DER mineiro, escolheu a dedo o engenheiro Celso Murta, que construíra a rodovia Rio-Bahia.

Assim como sabia escolher bem os homens certos para assumir responsabilidades técnicas e específicas, sabia agir de forma semelhante no campo da arquitetura ou de outras atividades. Foi assim que se deu o convite a Niemeyer, na etapa da urbanização da Pampulha, para que ele projetasse a Igreja de São Francisco de Assis, que proporcionou renome internacional àquela região. E, como governador, criou as Centrais Elétricas de Minas Gerais; construiu 16 estradas-tronco num total de 3.087
km integrando as diversas regiões do Estado e implantou a Companhia Siderúrgica Mannesmann, em Contagem, além de realizar outros empreendimentos que dinamizaram a economia mineira. No fundo passou a ser visto, nos meios políticos, como o provável continuador de Getúlio Vargas na Presidência: seria “o candidato do desenvolvimento, da democracia, da renovação e da modernização”.

Plano de Metas

Conquistada a Presidência da República e vencidos os obstáculos golpistas de toda ordem para poder assumir e governar, Juscelino sacudiu o País de Norte a Sul anunciando a construção de Brasília e dando fundamentos a um dos mais ousados programa de governo: o Plano de Metas. Tratava-se de “um conjunto articulado de programas e projetos setoriais prioritários, com fixação de metas a serem atingidas”. Ele considerava que o Estado, naquela fase brasileira, deveria assumir o papel de indutor do desenvolvimento.

O incentivo à indústria automobilística e à construção provocou dinamismo na economia, mas com graves custos inflacionários

À época, 60% da população vivia no campo e perto de 30 milhões de pessoas dependiam da economia agrária. O Brasil reclamava uma política de modernização, de investimentos e de emprego e a consolidação dos direitos trabalhistas, uma herança da era varguista. Mas, para isso, seria necessário melhorar e ampliar a infraestrutura rodoviária, ferroviária, aeroportuária e portuária; estimular o processo de industrialização; criar mecanismos para atrair capitais estrangeiros; ampliar a infraestrutura urbana e interiorizar o País, com a criação de Brasília.

Defendia uma política, no fundo o esboço de um Projeto de Nação, que, se agradava a alguns grupos, levava outros ao paroxismo, uma vez que era considerada entreguista. Seu governo jamais deixaria de ficar associado à instalação da indústria automobilística no País, embora a Fábrica Nacional de Motores (FNM) já estivesse operando, aqui, desde 1942.

A construção da nova capital ampliou a malha rodoviária necessária a conectá-la às demais regiões. Vieram, com esse empreendimento que criou o maior canteiro de obras do mundo no cerrado do Planalto Central, a rodovia Belém-Brasília (2.400 km); a rodovia Brasília-Rio de Janeiro via Belo Horizonte (1.200 km); a São Paulo via Goiânia (1.150 km), a Brasília-Acre e a Brasília-Fortaleza.

A nova capital federal, referência para a arquitetura internacional com o traço de Niemeyer e referência urbanística, no desenho de Lúcio Costa, estimularia a engenharia brasileira em todas as suas vertentes, movimentaria o conjunto da cadeia produtiva e multiplicaria as atividades das empresas construtoras e empreiteiras de serviços gerais.

O governo JK investiu maciçamente em energia realizando as obras de Três Marias, multiplicando o potencial da hidrelétrica de Paulo Afonso e cuidando da primeira etapa de Furnas. Voltou-se para as possibilidades da energia nuclear, com a instalação de um reator de pesquisas no Instituto de Energia Atômica na Cidade Universitária, em São Paulo. Aumentou a produção do carvão mineral e a capacidade de refino do petróleo, que passaria de 130.000 bb/d, em 1955, para 308.000 bb/d em 1960. Investiu US$ 239 milhões no reaparelhamento ferroviário e construiu 826,5 km de ferrovias numa meta de 1.500 km; construiu 14.970 km de estradas, correspondentes a 115% da meta prevista, que era 13.000 km; e pavimentou 6.202 km de estradas, quando a meta era pavimentar 5.800 km.

Ele aumentou também os investimentos na indústria de base. Em 1955 o crescimento industrial teve aumento de 96%. A capacidade de produção da indústria cimenteira, que era de 2.700.000 t em 1955, passaria para 5.000.000 t em 1960. E assim aconteceria com celulose e papel, borracha, exportação de minérios de ferro etc.

Havia também uma meta para expandir a capacidade física aeroviária. Ele resolveu expandir e construir novos aeroportos, com a realização simultânea dos serviços de infraestrutura correspondentes. Em 1957 houve a encomenda de três Boeings B-707 e de dois Caravelles. A Panair operava no interior e a Sadia, futura Transbrasil, obteve licença para realizar transporte de alimentos. Na época, a Varig inaugurou voos regulares para Nova York, subsidiados pelo governo.

Cumprido o mandato, JK passou a faixa presidencial, em 1961, a Jânio Quadros. Antes, recusara o projeto de reeleição articulado por seus partidários no Congresso. A partir daí vieram os anos do sepultamento da democracia: Jânio abandonou o poder, veio o Parlamentarismo e, depois, o golpe definitivo nas instituições.

O escritor Josué Montello, um dos seus colaboradores mais íntimos, narra o episódio, ocorrido depois que os direitos políticos de JK foram cassados, em que o médico particular do presidente, Aluísio Sales, foi atendê-lo quando ele se encontrava recolhido ao quartel do 7o Regimento de Infantaria, em São Gonçalo, Niterói: “Fui encontrá-lo no derradeiro alojamento, longe de tudo, isolado. Num quarto infecto, com um catre, uma mesa e um sofá caindo aos pedaços.”

Hoje, no entanto, qualquer plano de desenvolvimento mais avançado, que venha a ser elaborado e defendido como um futuro Projeto de Nação, passará, necessariamente pelo modelo adotado por JK, que dias antes do desastre que o matou, na via Dutra, confidenciou a Josué Montello: “Estou morrendo de tédio e sem saber o que faço de mim. Sou político, mas a política me mandou embora.”

Ele morreu no dia 22 de agosto de 1976, vítima de um desastre no km 165 da via Dutra, sentido São Paulo-Rio, em circunstâncias até hoje não suficientemente esclarecidas.

O jurista, professor e político Afonso Arinos de Melo Franco assim define o maior presidente brasileiro: “Um desses raros homens que sabem fazer a História. O futuro lhe dará a dimensão de estadista”.

A inflação, ao ritmo da construção de Brasília

A meta de fazer o Brasil crescer cinquenta anos em cinco teve lá os seus custos econômicos e políticos. E estes, sobretudo, os econômicos, cresceram ao ritmo da construção de Brasília. A palavra mágica era desenvolvimento. Brasília o irradiaria, a partir do Planalto Central, para o restante do Centro-Oeste e para todas as demais regiões brasileiras. Nenhum lugar, por mais remoto que fosse, ficaria fora do radar do desenvolvimento enunciado no Plano de Metas. Custos? O País não po
deria ficar refém do medo de crescer, uma vez que, no entendimento do presidente Juscelino Kubitschek, a outra opção seria a continuidade do atraso e da letargia secular.

Na fase da construção da nova capital a inflação média registrada era da ordem de 25%. Contudo, o PIB nacional crescia a 7%. E o PIB industrial superava o PIB da agricultura.

Os críticos do governo JK encontraram, na inflação galopante, o ponto vulnerável para mostrar o quanto ele estava endividando o País. Tanto é que, quando a crise, provocada pelos gastos com a nova capital, eclodiu, ele procurou o Fundo Monetário Internacional (FMI), a fim de obter um empréstimo de US$ 300 milhões para saldar as dívidas com fornecedores e prosseguir com as obras. A resposta do órgão internacional limitou-se a uma exigência: o Brasil deveria primeiro colocar a casa em ordem, para depois pedir aquela ajuda financeira. No bojo dessa crise, JK substituiu o ministro José Maria Alkmin, no Ministério da Fazenda, por Lucas Lopes. E rompeu os entendimentos que vinha mantendo com o FMI.

Para resolver o problema, ele emitiu títulos da dívida pública e cartas precatórias e determinou que esses papéis fossem negociados com deságio. Eles deveriam recuperar o respectivo valor de mercado em cinco anos. Conseguiu, assim, os recursos para prosseguir com os seus planos desenvolvimentistas. Mas aguçou um dos principais argumentos políticos que os seus adversários usariam para evitar que ele retornasse ao poder.

A história mostra, porém, que a inflação prosseguiu nas gestões federais posteriores, para culminar, no governo Sarney, a índice de mais de 80% ao mês — para de fundo para a criação, no governo Itamar Franco, do Plano Real, ensejando uma moeda e uma economia confiáveis, o que recolocou o Brasil no cenário global e no chamado grupo dos BRIC — Brasil, Rússia, Índia e China.

A realidade urbana atual subverteu o planejamento e a cidade perde qualidade de vida

Fonte: Revista O Empreiteiro

Deixe um comentário