Portos, ainda um gargalo

Novo arcabouço legal estabelece restrições para os investimentos
em terminais portuários privados

O ano de 2008 foi pródigo em discussões sobre o setor portuário, sempre desembarcando na constatação de que esse é um dos maiores gargalos para o desenvolvimento das exportações brasileiras, e que há muito que se fazer para desatar os nós. E em caráter de urgência. As discussões foram com tanta intensidade como não se via desde a Lei de Modernização dos Portos, resultado do expressivo aumento na demanda por serviços portuários provocado pelas exportações crescentes. Demanda essa reprimida pelos serviços portuários de baixa qualidade, tarifas elevadas, longas filas de espera, excesso de burocracia, infra-estrutura obsoleta e ineficiente. Essa situação mantém o Brasil na 45ª colocação no ranking internacional da eficiência portuária, segundo pesquisa do Instituto Procomex, que considerou as estruturas portuárias de 53 países.
Para especialistas do setor, cabe responsabilizar a administração pública pela ineficiência e falta da agilidade na gestão das atividades de conteúdo empresarial. Essa ineficiência seria ainda agravada pela falta de investimentos e de políticas públicas claras para a expansão da infraestrutura portuária nacional. Paralelamente à retração no sistema público o que se tem observado, nos últimos anos, é a proliferação de projetos de terminais portuários privativos, inclusive de uso misto.
Respaldados na Lei de Modernização dos Portos, os terminais de uso misto foram apoiados pelo Poder Público e priorizados como alternativa principal de rápida expansão da oferta de serviços portuários. Tudo que se lhes exigia era o atendimento do requisito de movimentação de percentual de carga própria, que, segundo a própria Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e a Advocacia Geral da União (AGU), não estava vinculado a um volume específico ou percentual mínimo em relação à carga de terceiros ou à capacidade total de movimentação do terminal.
No entanto, temendo a concorrência dos empreendimentos privados, os arrendatários de terminais públicos ajuizaram Argüição de Descumprimento de Preceito Fundamental da Constituição Federal (ADPF), postulando nova interpretação da Constituição Federal, para que os serviços portuários fossem tratados como serviços públicos por imperativo constitucional. Assim, todo novo terminal destinado à oferta de serviços para terceiros teria necessariamente que seguir o regime do Direito Público, exigindo-se prévia licitação e o instrumento da concessão.
A medida judicial forçou as autoridades a uma reflexão sobre o assunto, o que resultou na edição do Decreto n.º 6.620/08, regulamentando a Lei de Modernização dos Portos e propondo diretrizes para o desenvolvimento do setor portuário. Um dos principais avanços do decreto foi a eliminação dos termos, dotados pela ANTAQ, que se referiam às autorizações como atos precários e revogáveis. Isso afastou os questionamentos quanto à estabilidade dos empreendimentos dos terminais privados.
O ato oferece prioridade de arrendamento de terminais à iniciativa privada e a permissão para que ela estude, proponha novos projetos e requeira a sua outorga ou arrendamento. Além disso, abriu para a possibilidade do arrendamento de instalações não operacionais, inovação que poderá ser bastante útil na revitalização de áreas portuárias degradadas em grandes centros urbanos.
O decreto manteve o regime de autorização, dispensando procedimento licitatório, mas condicionou a outorga de novas autorizações à adequação do empreendimento às políticas e diretrizes do setor portuário. Previram-se ainda duas autorizações distintas: uma para a construção do terminal e outra para a sua operação e exploração, a ser outorgada como desdobramento da primeira, após a satisfação de todas as exigências legais e regulamentares.
No entanto, a autorização para a exploração de terminais privativos de uso misto foi ainda mais restringida e dificultada com a exigência de movimentação preponderante de carga própria e, apenas em caráter subsidiário e eventual, de carga de terceiros, que deve ser da mesma natureza da carga própria e da infraestrutura a ela associada. Mas a restrição não afeta os terminais já autorizados, limitando seus efeitos aos novos projetos e autorizações.
Na prática, embora não tenham acatado as pretensões da ADPF, as novas normas fixadas pelo poder público acabaram por convergir com o que a entidade postulava, já que novos terminais privativos de uso misto só caberão em hipóteses restritas, quando não estiverem nos planos de expansão dos portos públicos e desde que a oferta de serviços a terceiro seja subsidiária e eventual. Caberá ao Poder Público licitar novas concessões ou novos arrendamentos para terminais portuários públicos. Caberá à Antaq interpretar o novo Decreto e adequar a regulamentação e novas autorizações aos seus termos.

O PAC dos portos

Ter portos eficientes, competitivos, ágeis e indutores de novos negócios é a meta da Secretaria Especial de Portos (SEP), criada há dois anos pelo governo federal. A expectativa é que, através do órgão, o poder público trate o sistema portuário de acordo com a sua importância estratégica, integrando-o de vez às políticas econômicas e de infraestrutura do País. Para especialistas do setor, a criação da secretaria ratifica a opção do governo pelo modelo de portos públicos com operação privada, a exemplo dos principais portos mundiais.
Desde que foi criada, a SEP investiu R$ 650 milhões nos portos do País, utilizando 100% dos recursos previstos pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) para 2007 e 2008, e abriu espaços jurídicos para as empresas internacionais atuarem na dragagem dos portos, aumentando a competitividade e reduzindo custos.

Navegantes, exemplo de porto privado

O Porto de Navegantes, administrado pela Portonave S.A., é um dos mais modernos portos privativos de uso misto do Brasil, resultado de investimentos de mais de US$ 200 milhões. Inaugurado em outubro de 2007, o projeto foi idealizado para ser um dos terminais mais eficientes na movimentação de cargas conteinerizadas da Améri

ca Latina. E o porto conta com uma infraestrutura que inclui um cais de 900 m de extensão e quatro berços, um canal com profundidade de 11,30 m e uma bacia de evolução de 400 m de largura, o que permite a atracação dos maiores navios que navegam na costa brasileira. O Terminal possui uma retroárea de 270 mil m² – espaço que oferece mais segurança na movimentação de contêineres e no trânsito de caminhões. Para receber carga frigorificada, o Porto de Navegantes conta com 960 tomadas reefers.
A área Administrativa do Porto de Navegantes, com mais de 8.600 m², acomoda oficina para manutenção, armazéns e instalações adequadas para os órgãos intervenientes, como a Receita Federal, o Ministério da Agricultura e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Transportadores contam com 10 gates, 150 vagas de estacionamento e uma infra- estrutura completa para que a permanência no terminal seja a mais adequada. O empreendimento possui ainda as suas próprias estações de tratamentos de água e esgoto.
Todos os equipamentos utilizados no Porto de Navegantes são novos e modernos e representam o que existe de melhor em termos de operação portuária no mundo. O Porto possui três portêineres Post Panamax, com capacidade para até 50 movimentos por hora, oito transtêineres e dois guindastes MHC que garantem agilidade e segurança na movimentação da carga. Caminhões especiais, reach staker e front loaders dão velocidade a todo o processo.

Dois super portos no Rio de Janeiro

Exemplo de atuação privada em empreendimentos portuários no Brasil, a LLX Logística, empresa do Grupo EBX, do empresário Eike Batista, está implementando dois super portos no estado do Rio de Janeiro, que contarão com infraestrutura eficiente e profundidade necessária para receber os mais modernos navios de grande capacidade, como graneleiros do tipo capesize e a nova geração de superconteineiros, resultando em menores custos operacionais. O porto do Açu, localizado no norte do estado e já em construção, terá profundidade de 18,5 m, seis berços de atracação para navios graneleiros e quatro berços de atracação para navios de carga geral. Com 90 km² de retroárea e abrigando um complexo industrial de grande porte, o projeto prevê a construção de um terminal para minério de ferro, plantas de pelotização, usinas termoelétricas, um complexo siderúrgico e um pólo metal-mecânico.
Localizado ao sul do estado, o outro projeto da LLX é o do Porto Sudeste, que já obteve licença preliminar para implementar um terminal com profundidade de 20 m e dois berços de atracação, com capacidade total para armazenar e movimentar 50 milhões de t de minério de ferro por ano. O início da construção do Super Porto Sudeste está previsto para o quarto trimestre de 2009.

Engenharia financeira

Em março deste ano, a LLX informou ao mercado que a diretoria da BNDES Participações S.A. ("BNDESPAR"), subsidiária do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social ("BNDES"), aprovou a aquisição de ações da companhia. A operação será concretizada por meio de um aumento de capital que será realizado após assinatura de contrato entre o acionista controlador da LLX, Eike Batista, sua controlada Centennial Asset Mining Fund LLC, o Ontário Teachers´ Pension Plan Board ("OTPP") e a BNDESPAR.
O aumento de capital é da ordem de R$ 600 milhões, o que representa 333.333.335 ações ordinárias da LLX. Cada ação com valor de R$ 1,80 o que representa um ágio de 27% sobre a média ponderada pelo volume dos últimos 60 dias de negociação. Pelo acordo, a BNDESPAR irá adquirir o equivalente a 25% do total de novas ações, correspondente a R$ 150 milhões, e passará a deter 12,05% do capital da Companhia.
A entrada da BNDESPAR no capital da LLX será possível mediante a cessão parcial de direitos de preferência na aquisição de novas ações por parte do acionista controlador, Centennial e OTPP em favor da BN- DESPAR. Em contrapartida, a BNDES-PAR irá conceder ao acionista controlador e a OTPP uma opção de compra de 50% da quantidade de ações da LLX adquiridas nesta operação, que poderá ser exercida após 36 meses contados da data de homologação do aumento de capital, ao preço de R$ 1,80 por ação, corrigido pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, divulgado pelo IBGE, acrescido de taxa de 15% ao ano.
Todos os acionistas da LLX terão preferência na subscrição do aumento de capital, na proporção de sua atual participação no capital social da companhia. Os recursos obtidos com o aumento de capital serão utilizados na execução do Porto do Açu e o Porto Sudeste". Com a operação, a empresa assegura o capital próprio necessário para viabilizar a obtenção das linhas de financiamento de longo prazo que possibilitarão a plena execução do plano de negócios da LLX.
Dois meses depois, a LLX e MMX Mineração e Metálicos S.A – outra empresa do grupo controlado pelo empresário Eike Batista, anunciaram conjuntamente a assinatura de um Memorando de Entendimentos com a chinesa Wuhan Iron and Steel Co. (Wisco) estabelecendo os principais termos de uma potencial parceria comercial e estratégica.

Portos

O potencial negócio entre LLX, MMX e WISCO poderá incluir a construção, pela Wisco, de uma planta siderúrgica integrada no Distrito Industrial do Porto do Açu, com uma capacidade instalada estimada de 5 milhões de t/ano de produtos siderúrgicos. A planta siderúrgica poderá ser controlada e operada pela Wisco, com a EBX tendo participação minoritária relevante.
O acordo prevê ainda contrato de longo prazo e com preços benchmark onde Wisco poderá retirar praticamente a totalidade da capacidade de exportação da MMX Sudeste, uma subsidiária integral da MMX. Está previsto ainda a utilização de serviços portuários entre MMX Sudeste, LLX Sudeste Operações Portuárias S.A. e Wisco, de forma a permitir que a MMX Sudeste manuseie praticamente toda a sua capacidade de produção no Porto Sudeste.
A Wisco poderá adquirir participação acionária na MMX e/ou na MMX Sudeste; e o fornecimento de produtos siderúrgicos pela Wisco para a BEX ("Brasil Estaleiros S.A." – empresa do grupo EBX dedicada à construção de navios e equipamentos off-shore.
Eike Batista, presidente do Conselho de Administração da LLX e da MMX
informou que "essa combinação de negócios, quando consumada, provavelmente representará o mais importante investimento chinês no Brasil, e uma das mais relevantes associações comerciais entre um grupo brasileiro e uma empresa chinesa. As negociações visando a concretização de objetivo tão grandioso se iniciaram em momento especialmente propício, quando a China se torna o maior parceiro comercial do Brasil, e conta com o suporte de ambos os governos, brasileiro e chinês."

Gigante chinesa

Criada em 1955, a Wisco é o primeiro complexo mínerosiderúrgico estabelecido após a fundação da República Popular da China e uma das empresas âncora sob a liderança do Governo Central. Depois de sua integração com Echeng Iron & Steel Company e Liuzhou Iron & Steel Company, a Wisco possui uma capacidade anual de produção de 20 milhões de t, colocando-a em terceiro lugar na China e em 16o no mundo em tamanho.
A empresa possui um conjunto completo de unidades de processamento, composto por mineração, coqueria, sinterização, alto forno, aciaria, laminação e unidades associadas. E está empreendendo grandes esforços para alcançar uma escala de produção superior a 30 milhões de t e uma receita anual superior a 100 bilhões de yuans. Seu objetivo é ingressar no ranking das 500 maiores empresas do mundo e tornar-se um importante produtor na China de chapas para a indústria automobilística em 2010.

Fonte: Estadão

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