Como essa necessidade vai sustentar em parte a demanda global de commodities,
inclusive minerais, uma das principais fontes de receita das economias emergentes
Poucos esperavam que a retração da economia dos países ricos impactasse com tamanha velocidade nos países emergentes. A siderurgia brasileira produziu 19,8% a menos em novembro de 2008 com relação ao mês anterior. Mas foram os números do comércio da China que chocaram os analistas – as exportações caíram 2% em novembro passado com relação ao ano anterior e as importações recuaram 18%! As esperanças de que o gigante asiático contrabalançasse a recessão nos EUA, Europa e Japão foram colocadas em cheque. Esse pessimismo talvez seja exagerado, visto que os dois países ainda são os mais dinâmicos da economia global, embora sejam igualmente considerados pobres em termos de renda per capita.
Apesar de os atentados terroristas recentes em Mumbai tenham ferido fundo o orgulho dos indianos, porque esse centro econômico sempre funcionou 24 horas e se colocava acima das turbulências políticas, o país sustentou uma taxa de crescimento médio de 8,8% nos cinco anos passados. A despeito dessa arrancada, dois quintos das crianças subnutridas do mundo estão lá. As exportações caíram 12% em outubro com relação a 2007 e até gigantes da indústria automotiva indiana cortaram produção. O mercado não acredita que a projeção do governo indiano de 7,5% a 8% de crescimento do PIB no ano passado tenha sido cumprido. Para 2009, acredita-se que o índice mal chegue a 5%.
As finanças públicas da Índia estão em mal estado, com déficit de 8% do PIB, o que vai dificultar o desembolso de recursos públicos para estimular a economia. Tendo uma população relativamente jovem, a força de trabalho expande-se à razão de 14 milhões de novos trabalhadores por ano, enquanto os segmentos industriais que registram crescimento são capital intensivos e demandam pouca mão-de-obra qualificada, como os serviços relacionados a computação.
A Índia tem a vantagem de possuir um sistema democrático experiente em superar crises, embora esse mesmo processo político torne complicado qualquer decisão de efetiva importância. A infraestrutura é caótica, há falta generalizada de energia elétrica, e obrasde modernização sofrem atrasos sistemáticos. Neste cenário destacam-se entretanto os exemplos da siderúrgica Arcelor-Mittal, e a equipe Force Índia na Formula 1 – para lembrar o potencial de crescimento do país.
TRÊS DÉCADAS DE TRANSFORMAÇÃO ECONÔMICA
A China comemora 30 anos da abertura econômica que trouxe essa prosperidade que pode ser medida pela média de expansão de 9,8% ao ano, com maciços investimentos externos nas zonas econômicas especiais e a emergência espetacular das empresas privadas, embora sem conseguir fugir de alguma participação de capital do governo; fechamento de grande número de empresas estatais – mesmo que a pobreza das regiões rurais permaneça dramática.
Essa transformação é creditada a Deng Xiaoping, que teve habilidade política em contornar os opositores maoístas, mantendo as suas prerrogativas de poder, embora nos bastidores incentivasse medidas liberalizantes, como o parcelamento da terra pertencente antes às comunas, para cultivo individual dos agricultores locais – quebrando um pilar da política do regime de Mao, falecido então há pouco. Com isso 200 milhões de chineses saíram do nível da pobreza no período, a economia responde por 6% do PIB global comparado a 1,8% em 1978, com 70% de aumento na produção de grãos.
O Banco Mundial reduziu as projeções de crescimento chinês para algo em torno de 7,5% — abaixo dos míticos 8% considerados pelo governo como mínimo necessário para evitar distúrbios sociais entre a massa mais pobre da população rural. O país está instrumentado para enfrentar a crise global – com um vasto superávit nas contas públicas e dívida relativamente baixa. O governo anunciou um pacote de US$ 600 bilhões de incentivos fiscais e recursos para infraestrutura para estimular a economia, que alguns analistas consideram mera propaganda para consumo interno e externo, porque não incluiu um volume expressivo de recursos novos.
A China ainda está distante do que se convenciona chamar de economia de mercado. A moeda Yuan não é inteiramente conversível, o fluxo de capital para fora e para dentro é controlado, assim como os preços de energia elétrica, combustível e água. Empresas privadas respondem por dois terços da produção industrial do país, mas as estatais dominam setores estratégicos como telecomunicações, energia, bancos e imprensa, apesar de o número delas ter se reduzido em mais de dois terços para 120 mil empresas, valendo US$ 1,3 trilhão em ativos e deixando 30 milhões de trabalhadores desempregados.
A propriedade coletiva da terra, embora cultivada individualmente, deixou os camponeses à margem do fenômeno de valorização dos imóveis nos centros urbanos, que passaram a ser propriedade privada. Isso impede que a terra seja usada como colateral no financiamento de safras. O governo tem receio de que uma mudança radical nessa regra leve milhões do campo às cidades, desequilibrando os serviços sociais já sobrecarregados. A redução no crescimento do PIB tende a agravar as tensões no campo e o governo tem consciência que lá está seu maior desafio.
Ao contrário das exportações, o mercado interno está a todo vapor. As vendas no varejo subiram 22% em outubro passado comparado a 12 meses atrás, um pouco abaixo dos 23% cravados em setembro – exceto as vendas de carros que estão em queda. As exportações recuaram 2% em novembro de 2008, compara
do ao ano anterior – a primeira queda em sete anos. Os exportadores têm dificuldades em desviar a produção para o consumo interno, porque a importação de insumos como petroleo, metais, tecidos de qualidade e equipamentos industriais é taxada e o imposto só retorna como crédito quando bens acabados são exportados.
Entretanto, bens com qualidade de exportação começam a aparecer nas lojas das cidades chinesas, via pequenas empresas trading instaladas em Hong Kong, de onde voltam para o mercado doméstico, o que mostra o relaxamento das regras vigentes visando a preservar empregos nas fábricas do continente.
A chave do nível de atividade econômica na China parece estar no mercado doméstico, na medida que a demanda cai nos países ricos, segundo previsões para 2009 em diante. Basta examinar os números de consumo per capita da vasta população chinesa.
Fonte: Estadão