Acusado de ser resultado de monocultura, de invadir a Amazônia, responsável pelo aumento do preço dos alimentos, de provocar a fome no planeta e até ser uma produção escravizante, o etanol brasileiro sofre o lobby das petrolíferas, dos países exportadores de petróleo e das empresas que os comercializam e não querem perder mercado para o álcool etílico hidratado tupiniquim. O físico Rogério César de Cerqueira Leite, professor da Universidade Estadual de Campinas, desmonta cada um dos argumentos com os quais os países desenvolvidos têm atacado a produção de etanol em nosso País. Diz ele: “Esqueceu-se que todo arroz, milho, soja, trigo, enfim, todos os cereais do mundo são de monocultura. E ninguém reclama”. (Inclusive para produzir vinho e uísque). Esclarece que das usinas em operação e em diferentes fases de implantação, só uma está na Amazônia, e é justamente iniciativa da famigerada Coca-Cola. Isso porque “o clima é adverso, o solo é inapropriado, a infra-estrutura é péssima”.
As nações em desenvolvimento estão consumindo mais alimentos, porque sua população ganhou poder aquisitivo. A China até precisa importá-los. E eles estão mais caros porque o petróleo dobrou de preço no último ano. “Com isso, os preços dos transportes de cereais aumentaram, os defensivos agrícolas dobraram seus preços e o frete marítimo entre 2002 e 2007 teve seus preços triplicados”.
Seu argumento para a questão da produção escravizante é simples: “Se os países desenvolvidos adquirem petróleo de países do Oriente Médio, onde imperam perversos sistemas políticos e sociais, porque a desculpa de que a produção de álcool no Brasil é escravizante?” Para ele, o Brasil é o bode expiatório dos especuladores, que têm ganhos exagerados com a carestia dos alimentos, e também de organizações como Banco Mundial, FMI, ONU, que deveriam ter previsto e se preparado para a escassez de alimentos e seu aumento de preço e nada fizeram.
Freada inesperada
Apesar de todos esses problemas no âmbito político e institucional, e ainda as dificuldades no sistema de comercialização brasileiro, os produtores de etanol continuam apostando e investindo em plantações e novas usinas. O consumo nacional de álcool combustível pode chegar a 21 bilhões na safra 2008/09, segundo Plínio Nastari, da consultoria Datagro, quando está prevista a moagem de 557 milhões t de cana. Desse total, 59,3% irão para a produção de álcool, atingindo 24,5 bilhões l.
O Estado de São Paulo, responsável pela maior concentração de empreendimentos no País, chegou ao ponto de suspender, em maio deste ano, por 120 dias, o recebimento de pedidos de instalação ou ampliação de usinas de açúcar e álcool. Os 35 pedidos que deram entrada no mês anterior não foram atingidos pela resolução da Secretaria Estadual do Meio Ambiente. Até então, em 2008, haviam sido aprovadas 20 licenças, sendo que em 2007 foram 15. A medida foi tomada, segundo as autoridades, por ser observada uma expansão exagerada de pedidos, optando-se por avaliar melhor os efeitos e criar uma normatização. Há temor de se depender muito de apenas um só produto e de as licenças estarem sendo vendidas para grupos estrangeiros.
Considerada um “banho de água fria” pelos produtores, a medida no entanto não deve trazer grandes prejuízos para o Estado e, em especial, para a região de Ribeiro Preto, principal pólo produtor de cana no Brasil. Para a União da Indústria de Cana-de-açúcar, a suspensão não trará impacto no curto ou médio prazo, porque não interfere nos projetos em andamento.Apesar disso, é provável que alguns projetos mudem de estado, indo para outras regiões, o que, na opinião de Júlio Maria Borges, diretor da Job Economia e Planejamento, pode ser um fator que cooperará para “um crescimento equilibrado do País”.
Apostas para liderar
Entre as novas usinas de açúcar e álcool de São Paulo está a Jacarezinho, na cidade de Valparaíso. “Ela entra em operação em 2009 e custará entre R$ 100 e R$ 120 milhões, com uma capacidade de até 1 milhão t de cana esmagada por safra, que deverá ser aumentada até a meta de 2,5 milhões t processadas por safra”, informa Sérgio José Zapparoli, gerente agrícola. Outro empreendimento em andamento é a usina Conquista do Pontal, no Mirante do Paranapanema, pertencente à ETH Bioenergia, braço da construtora Odebrecht no setor sucroalcooleiro. “Outras duas unidades estão projetadas em Presidente Epitácio e Euclides da Cunha”, informa Clayton Miranda, diretor-presidente da ETH. Das duas unidades do grupo em operação, uma delas, a Destilaria Alcídia, está em São Paulo, em Teodoro Sampaio. A segunda, a Eldorado, está em Rio Brilhante (MS). Juntas, a safra de 2009/2009 deve chegar a 3,8 milhões t de cana processada.
Clayton Miranda afirma que a meta da empresa é estar entre as líderes do setor em sete anos. Para isso, investe mais de R$ 5 bilhões na criação de três pólos produtivos. “Aproximadamente, um terço desse valor já está comprometido para 2008”, diz. O planejamento da empresa inclui um total de dez unidades em São Paulo, Goiás e Mato Grosso do Sul. Em cada um dos pólos estão sendo construídas usinas: Conquista do Pontal em São Paulo, Caçu 1, em Goiás (GO) e Santa Luiza no Mato Grosso do Sul. Outras cinco estão em estudos.
“As três unidades em construção deverão começar suas operações na safra de 2009. São usinas grandes, com capacidade de moagem de 4 a 5 milhões t de cana-de-açúcar, cada uma com a quase totalidade das colheitas feitas de forma mecanizada. Estão com suas plantações em estágio avançado”, explica. Todas são projetadas para co-geração de energia em grande escala com a conseqüente venda para o sistema elétrico. Projetadas pela AH Engenharia, as usinas são compostas por portarias, casa de força, almoxarifado, escritório administrativo e agrícola, CCMs, laboratórios, casa de bombas e bases para tanques e equipamentos. Os principais fornecedores são Simisa, Sermatec, Dedini e TGM-Weg.
Green-field
Assim como a Odebrecht, outros grupos apostam no setor sucroalcooleiro, principalmente em São Paulo, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, movimentando os fabricantes de equipamentos, como a Dedini, que está fornecendo as principais máquinas para as quatro primeiras usinas da Companhia Brasileira de Energia Renovável (Brenco), novo grupo sucroalcooleiro que pretende se tornar um dos maiores produtores de etanol do mundo. Em 2009, duas usinas entrar&at
ilde;o em operação e, no ano seguinte, as outras duas. Até 2015, a empresa instalará outras seis, atingindo capacidade de moagem de 44 milhões t de cana e uma produção de 3,8 bilhões l/safra de etanol.
A Dedini fornecerá o processo completo de produção de etanol para as quatro usinas e o módulo de geração de vapor para as duas primeiras, localizadas em Mineiros (GO) e Alto Taquari (MT). As novas plantas usarão, no estágio de extração, o maior difusor modular já fornecido no mundo, um modelo Dedini Bosch com capacidade de produção de 15 mil t de cana/dia.Esse equipamento não tem correntes internas para o arraste da cana e é ampliável. Em 2007, a companhia forneceu seis unidades completas pelo sistema green-field – pelo qual projeta, fabrica e coloca em operação todos os equipamentos necessários para uma usina.
Outro contrato nos mesmos moldes foi assinado com a Agro-Energética Monteverde, para uma usina em Ponta Porã (MS), com início de operação em maio de 2009, que terá o segundo maior difusor modular Dedini Bosch, com capacidade para 8 mil t/dia de cana. Um total de R$ 300 milhões está sendo aplicado na construção da unidade. A usina Araguari, em Minas Gerais também foi encomendada à Dedini pelo sistema green-field, para moer, na primeira fase, 1,5 milhão t/cana/safra e produzir 750 m3/dia de etanol anidro.
Até o piloto brasileiro Emerson Fittpaldi entrou no negócio: em 2010, irá inaugurar uma usina de etanol em Maracaju (MS), avaliada em US$ 395 milhões. Depois, outra em Uberlândia (MG), ao custo de R$ 200 milhões. Seu foco é o mercado norte-americano, que em 2007 comprou praticamente a metade dos 3,5 bilhões l de etanol exportados pelo Brasil.
Mais óleo, mais alimentos
Também a produção de biodiesel enfrenta dificuldades no mercado: “a matéria-prima é muito cara. Os óleos vegetais estão mais caros do que o próprio diesel”. A afirmação é de Univaldo Vedana, analista de biodiesel do site www.biodieselbr.com, especializado no assunto. Segundo ele, para enfrentar o lobby dos que são contra o biodiesel e citam a escassez e o aumento de preços dos alimentos por conta da produção de biodiesel, é preciso desfazer o gargalo, plantando. “Se produzirmos bastante oleaginosas, também produziremos mais alimentos. De 15 a 35% do plantio é usado na produção de óleos, o restante vai para fabricação de adubos e ração animal”, explica.
O Brasil, que hoje adiciona 2% de biodiesel ao óleo diesel, a partir de 1º. de julho passará a adicionar 3% , o que representará 1,2 bilhão l ou 100 milhões l/mês. “A partir de 2013, a meta do governo é passar a 5% e espera-se que ela seja antecipada, como as demais”, destaca Vedana. O último levantamento de produção de biodiesel divulgado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) mostrou uma produção de 213,4 milhões l de janeiro a março deste ano. Em 2007, a produção total foi de 402 milhões l. O maior grupo é a Brasil Ecodiesel, que tem seis unidades no Rio Grande do Sul, e outras em Tocantins, Bahia, Maranhão e Ceará. Outros grupos estão presentes em apenas um estado.
Segundo Univaldo Vedana, 80% do biodiesel brasileiro é produzido com grãos de soja. “Não é a melhor opção, mas a disponível. A cadeia da soja está organizada, embora o óleo de soja seja mais caro do que o diesel”. Ele também aponta uma das dificuldades: os preços das vendas nos leilões da ANP para entrega no primeiro semestre de 2008 foram muito baixos. “A previsão é que nos leilões de abril os preços para o segundo semestre foram melhor negociados”.
Neste ano, a multinacional Agrenco inaugurou um complexo industrial no Alto Araguaia (MT) e tem mais dois em construção: em Caarapó (MS) e Marialva (PR), nos quais investe US$ 190 milhões. A usina no Alto Araguaia foi dotada de tecnologia flexível fornecida pela Dedini para produção de 180 mil t/ano de óleo vegetal refinado e/ou biodiesel, e caldeira para co-geração de energia, com capacidade para produção de 150 t/h de vapor, a partir da queima do capim brachiaria. As outras duas plantas, no Mato Grosso do Sul e Paraná, têm capacidade de 100 mil t/ano de óleo refinado e/ou biodiesel cada. Além do projeto das unidades e dos equipamentos, a Dedini também será responsável pela confecção, montagem em campo e início da operação. O fornecimento ficou a cargo de um consórcio formado pelas empresas Alloco, De Smet Ballestra e Dedini.
Outra unidade que está sendo erguida com a participação da Dedini é a da Bionasa Combustível Natural, em Porangatu (GO). A empresa responde pela tecnologia, equipamentos e posta em marcha da usina, o que deve ocorrer em agosto de 2008. Em 2010, a usina será ampliada, dobrando sua capacidade de produção, que passará para 400 mil t/ano, tornando-se a maior usina de biodiesel do Brasil.
A Petrobras inaugura dia 18 de julho a usina de biodiesel de Quixadá (CE). O plantio de oleaginosas é feito pelo sistema de agricultura familiar. A estatal deve iniciar até o fim do ano a produção de biodiesel em parceria com a empresa portuguesa Galp, sua sócia na exploração de petróleo nos campos de Júpiter, Tupi e Bem-te-vi. Portugal tem como meta adicionar até 10% de biodiesel ao diesel mineral consumido até 2010.
Atenção: ver pôster com o mapa do bioedisel e situação de todas as usinas em produção, sem produção, em construção, em planejamento e piloto, bem como gráficos de produção atual e futura por Estado, por situação da usina, por região (atual e futura) – (precisa escanear).
Fonte: Estadão