Os candidatos são quem parecem ser? A resposta seria quase unanimemente negativa se colocada para ser formulada pela boca das ruas. Não é de hoje que se deixou de acreditar em políticos. A palavra desses profissionais, com raras exceções, não teria o valor de um real furado.
Deixou-se mesmo de dar crédito a muita coisa. Porque tudo tem sido feito para atendimento das conveniências. Quem parece ser sistematicamente é mais valorizado do que quem efetivamente é.
Chama a atenção, na análise dessas questões, a pequena crônica de Ruy Castro na FSP de sábado último (página 2), sob o titulo Proibido não ser perfeito. O cronista nada disse de novo, senão o que está à vista de todos e muitas vezes é desconversado para não parecer que estamos batendo monotonamente na mesma tecla.
Ele veio, contudo, com algo que para alguns pode parecer novidade. Fez referência à utilização do chamado Auto-Tune, empregado para corrigir e criar "padrões de perfeição" para a voz mais desafinada.
Chegou-se portanto a isso: corrigir a voz para que o cantor possa posar como detentor da melhor qualidade vocal. Isso já acontecia com o programa Photoshop, que corrige a aparência conferindo ao interessado – ou para aqueles para os quais a correção vai atender a determinadas conveniências de mercado – o padrão estético que se pretenda alcançar.
A enganação vem de longe. Os taumaturgos eram mestres nas dissimulações. Mas nos últimos tempos a arte de dissimular e ludibriar no varejo e, sobretudo, no atacado, chegou às raias da perfeição. O sujeito se elege e até assume a presidência da República a partir dos aperfeiçoamentos dessa arte, que é uma soma de todas as práticas secularmente adotadas e que atualmente são aperfeiçoadas a partir do domínio da tecnologia.
A verdade, ora a verdade. Invariavelmente ela tem sido utilizada para justificar e até glorificar a mentira. E, na política, ela é vista apenas como um mal necessário, que eventualmente deve ser descartado como uma amarga inconveniência. Ainda bem que Ruy Castro reavivou, coma sua crônica, a nossa memória.
Fonte: Estadão