Só os investimentos com novos arrendamentos devem chegar a R$ 20 bilhões
Tatiana Bertolim
“A lei foi muito boa. Deu um alívio ao mercado e aos exportadores porque, sem competitividade, os preços só subiam. Mas, na hora de regulamentar, o governo meteu os pés pelas mãos”, afirma Marcos Vendramini, diretor-geral da Moffatt & Nichol Engenharia e Consultoria, especializada em infraestrutura portuária.
O grande gargalo, afirma Marcos, foi o caminho adotado pelo governo para balizar as novas concessões. No intuito de agilizar o processo, o poder público entregou à Empresa Brasileira de Projetos (EBP) – contratada sem licitação – a tarefa de realizar os estudos de viabilidade de 159 terminais portuários. Além disso, a estatal deveria ser ressarcida em R$ 400 mil para cada estudo. “Era como deixar a raposa tomar conta do galinheiro”, diz.
Em três meses, os trabalhos estavam concluídos. No entanto, a contratação da EBP foi questionada e só em maio o Tribunal de Contas da União (TCU) votou pela liberação dos estudos, mas a expectativa é que o Ministério Público Federal também intervenha no caso, o que deve gerar novos atrasos. Só depois de solucionada a pendenga é que devem sair os primeiros editais para os novos arrendamentos.
Mesmo que o imbróglio seja resolvido, os problemas não terminam por aí. Marcos aponta uma série de falhas técnicas nos estudos de viabilidade. “Uma companhia vai fazer proposta baseada naquilo e depois vai ver que é inexequível”, afirma. Quando finalmente o nó for destravado, o consultor estima que serão investidos entre R$ 15 bilhões e R$ 20 bilhões nos novos arrendamentos em cinco anos.
Além das licitações, também tem sido lento o processo de adaptação à nova lei de contratos firmados antes do marco regulatório atual e já em operação. O primeiro dos chamados “contratos de adesão” só foi assinado no fim de junho. Nele, a ADM Portos foi autorizada pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) a explorar o terminal de Ponta da Montanha, no Pará, que vai movimentar grãos. Há mais de cem contratos de terminais de uso privado que precisam ainda ser adaptados, mas não há previsão para que esse trâmite seja concluído.
Falta agilidade do sistema
Outro ponto controverso da nova legislação é que ela centraliza em Brasília – na Secretaria Especial de Portos (SEP) e na Antaq – o planejamento e o poder de tomada de decisões no setor, esvaziando as companhias docas e o Conselho de Autoridade Portuária (CAP). Na visão de alguns especialistas, o modelo tira agilidade do sistema. “Causa retrabalho e aumenta os custos portuários”, afirma Wagner Moreira, diretor-técnico da Associação Brasileira dos Terminais Portuários (ABTP).
Em seminário sobre infraestrutura realizado no fim de maio pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), o assessor especial da SEP José Newton Barbosa Gama defendeu a centralização ao dizer que a lei trouxe uma reacomodação institucional para o setor. Segundo ele, as autoridades portuárias passam agora a concentrar seu foco na administração direta dos portos.
Sancionada em 5 de junho de 2013, a nova Lei dos Portos (12.815/13) trouxe como grande mudança a permissão para que a iniciativa privada possa investir em terminais privados para a movimentação de carga de terceiros. Até então, empresas privadas somente podiam operar terminais para o transporte de sua própria carga. Com isso, equacionou um dos grandes desincentivos a investimentos no setor, que havia sido imposto pelo decreto 6.620, de 2008.
Nas estimativas da SEP, a reforma portuária vai gerar investimentos de R$ 54,2 bilhões até 2017, incluídos aí recursos da União e dinheiro privado. Desse total, a expectativa é que R$ 31 bilhões sejam implementados entre este ano e 2015. Porém, esses projetos só vão sair do papel quando forem resolvidos os gargalos que ainda travam sua execução, o que não parece tão simples.
Em paralelo aos atrasos nos novos arrendamentos, persiste a insegurança jurídica no que diz respeito à renovação de áreas já arrendadas. Os contratos anteriores a 1993 tinham direito a ser prorrogados, mas a nova lei diz que serão licitados à medida que vencerem. Para continuarem em atividade, alguns terminais recorreram à Justiça e estão operando por força de liminares. “Não lhes foi dado o direito de adaptação e renovação a que fazem jus, o que provocou judicialização e interrupção de investimentos em mais de 21 terminais”, observa Moreira, da ABTP.
Enquanto não se chega a uma solução definitiva, algumas empresas estão recorrendo à renovação antecipada de contratos que só vencem daqui a alguns anos. Em troca, firmam o compromisso de fazer investimentos imediatos no aumento da capacidade dos terminais.
Reforma não trouxe redução de custo
Na primeira leva de autorizações nesse sentido, a Antaq aprovou a renovação antecipada dos contratos da Copape e da Ageo, que operam cargas líquidas no Porto de Santos. Como contrapartida, serão investidos mais de R$ 200 milhões até 2017. Pelo menos outros 40 pedidos, que podem somar cerca de R$ 10 bilhões em investimentos, estão à espera de aprovação.
Diante dos nós que ainda persistem no setor portuário, a reforma ainda não trouxe a redução nos custos do transporte de cargas esperada com o aumento da competição. Além disso, o sistema vai operar com assimetria de preços nos portos públicos, já que as antigas licitações tinham como critério o valor das outor
gas e as novas serão baseadas no conceito de modicidade tarifária.
Para alguns usuários, a falta de controle da Antaq sobre os armadores também pode jogar contra a redução de custos, pois não há garantias de que a economia obtida pelas companhias de navegação será repassada. Numa entrevista recente, o fundador da Associação dos Usuários dos Portos de Santa Catarina (Usuport), Osvaldo Agripino, observou que as companhias de navegação são quem escolhe o terminal e a Antaq não tem nenhuma ingerência sobre elas.
Com isso, embora a avaliação no mercado seja de que a reforma portuária avançou na direção correta, o primeiro aniversário da nova legislação foi marcado mais por expectativas que por realizações. É preciso ainda resolver incoerências e reduzir a burocracia.
Fonte: Revista O Empreiteiro