Nara Faria
A obsolescência da infraestrutura de transporte no País fez o governo retomar as concessões das rodovias federais com um longo intervalo difícil de justificar. O modelo é remunerado por meio das tarifas dos pedágios, o que abre outra discussão: qual o valor justo dessas cobranças ao usuário e qual a rentabilidade garantida aos investidores?
As dúvidas refletiram no adiamento do leilão para os trechos da BR-040 (DF/GO/MG) e BR-116 (MG). Estes seriam os dois primeiros lotes a ser concessionados incluídos no Pacote de Logística anunciado pelo governo no ano passado. O leilão também reabriria o processo de licitações de estradas federais, estacionado desde o início do ano passado.
A ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) justificou o adiamento com a “necessidade de analisar de forma mais aprofundada as questões levantadas nos pedidos de esclarecimentos pelos interessados”. Contudo, havia desinteresse das empresas privadas pelas licitações. Elas alegaram um retorno sobre os investimentos de apenas 5% nas condições impostas pelo edital, quando o índice considerado satisfatório pelo mercado é da ordem de 10%. A falta de interesse foi negada pelo Ministério dos Transportes.
“Prova do interesse são as inúmeras contribuições recebidas nos períodos de audiências públicas. Foram aproximadamente 200 contribuições de empresários e da sociedade em geral nas audiências públicas realizadas em janeiro e sugestões enviadas pela internet”, explica o ministério em nota à revista O Empreiteiro.
A reação do governo foi imediata. Um dia após o adiamento, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou mudanças nas regras com o objetivo de atrair investidores interessados em assumir as concessões.
A proposta é vista como um mitigador de risco para as concessionárias, na visão de Eduardo Fiuza, técnico de planejamento e pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), por permitir agilidade ao processo e flexibilidade na montagem da planilha de custos, favorecendo a otimização dos investimentos durante o período de concessão.
Contudo, Carlos Müller, engenheiro de transporte e consultor pela empresa Prodec, lembra que a questão da rentabilidade passou a ser o “calcanhar de Aquiles” para a decisão dos investidores em participar dos novos leilões.
O receio é que a queda na taxa de juro ocorrida no Brasil reflita diretamente em um recuo ainda maior na TIR (Taxa Interna de Retorno) do que já vem registrado nos últimos anos.
“Nos primeiros lotes de concessões realizadas no Brasil, não se admitia uma TIR menor que 16%, 17%, até porque as taxas de juros eram dessa ordem. Na segunda leva, já no governo Lula, essa taxas caíram drasticamente e hoje estão na faixa de 8%, 9%, o que reflete diretamente no nível de pedágio”, explica Müller.
De acordo com as novas regras, a comprovação de patrimônio líquido passou de igual ou maior a 1,3 do total financiado – para igual ou maior ao valor do total financiado. Já a necessidade de ativos totais passou de igual ou maior a 2,8 – para 2.
A taxa de juros para os financiamentos também foi melhorada e passou para uma TJLP (Taxa de Juro de Longo Prazo) – atualmente em 5% ao ano – para mais até 1,5%, dependendo do rating do tomador. Antes, ela não variava dependendo da empresa, sendo TJLP mais 1,5%. Desta forma, para o Ministério do Planejamento, a taxa de retorno real poderá ficar acima de 10%, dependendo da competência do empreendedor.
Em busca de novos players
Na mesma toada, o governo anunciou mudanças também sobre a forma de financiamento, possibilitando que o investidor busque recursos junto à Caixa Econômica Federal e Banco do Brasil – a taxas menores, de até 5%, cenário até então possível somente por meio do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Müller chama a atenção ainda para o interesse do governo em atrair outros players, que ainda não manifestaram interesse nesses empreendimentos. Por exemplo, instituições financeiras, como já acontece em outros países, entre eles Itália, Espanha e Portugal.
“Na Itália, por exemplo, existe um banco que assumiu as concessões de energia. (No Brasil) quem se interessou até hoje pelas concessões são, por analogia, as empreiteiras. Pode ser até que se altere esse perfil. Pode ser que surjam outros grupos financeiros investindo em rodovias, com apoio evidente de um parceiro com experiência técnica”, completa o consultor.
A maior parte do investimento será para a duplicação de 560 km da BR-040 (entre Brasília e Juiz de Fora) e de todos os 817 km da BR-116 em Minas Gerais. A BR-040, que tem 936 km de extensão, já possui 376 km duplicados.
A duplicação terá que ser feita em cinco anos e a empresa só poderá cobrar pedágio após concluir a duplicação de pelo menos 10% da extensão do trecho sob sua responsabilidade.
Vencerá a licitação quem oferecer a menor tarifa de pedágio aos usuários. Para a BR-116, o valor-teto da tarifa foi definido em R$ 6,53 para cada uma das oito praças. Já para BR-040, o teto para as 11 praças será de R$ 4,35. Não há previsão de cobrança em áreas urbanas.
Vale mencionar que os valores ainda podem ser modificados, já que o TCU (Tribunal de Contas da União) analisa os estudos e pode aprová-los integralmente, propor mudanças ou até rejeitá-los, o que impediria a continuidade do processo.
Além das licitações dos trechos sob administração do governo federal da BR-040 e BR-116, são aguardadas ainda as datas de outros trechos que devem ser concedidos em situações semelhantes, que envolvem BR-101 (BA), BR-262 (ES/MG), BR-153 (TO/GO), BR-050 (GO/MG), BR-163 (MS/MT), BR-262 (MS), BR-267 (MS), BR-060 (DF/GO), BR-153 (GO/MG) e BR-262 (MG).
Para esses outros casos, de acordo com o Ministério dos Transportes, já foram realizadas audiências públicas nas capitais diretamente relacionadas às rodovias. O prazo para as consultas públicas está previsto para encerrar no mês de fevereiro.
A publicação dos editais, que era esperada até o mês de abril, foi adiada para o fim de maio ou começo de junho deste ano, de acordo com declaração do presidente da Empresa de Planejamento e Logística (EPL), Bernardo Figueiredo.
Fonte: Padrão