Depois de mais de uma década do seu início e de seis anos desde que foram interrompidas, as obras do Rodoanel Mario Covas – Trecho Norte, em São Paulo, foram retomadas em abril. A Via Appia, empresa que assumiu o ramal, prevê que a construção esteja concluída em 2026. Até lá terá que equacionar os problemas que uma construção dessa envergadura apresenta depois de tanto tempo parada.
O fundo de investimento Via Appia Infraestrutura foi o vencedor do leilão para a concessão do trecho norte do Rodoanel, realizado há um ano na B3, em São Paulo. O valor estimado dos investimentos é de R$ 3,5 bilhões, sendo que a concessionária irá aplicar R$ 2,5 bilhões e o governo paulista arcará com o restante, conforme a Agência de Transporte do Estado de São Paulo (Artesp). Via Appia, por meio da concessionária Via SP Serra, será responsável por concluir as obras do Rodoanel Norte e pela operação e manutenção da rodovia por 31 anos.
Com 44 km de extensão, o Rodoanel Norte vai completar o anel viário em torno da capital, ligando a rodovia Presidente Dutra, em Arujá, à Rodovia dos Bandeirantes, próximo à avenida Raimundo Pereira de Magalhães, na zona oeste da capital. O ramal cortará os municípios de Arujá, Guarulhos e São Paulo, com previsão de trânsito de 65 mil veículos por dia, quando estiver totalmente concluído. Com a obra, os quatro trechos estarão interligados, fechando o anel viário de 176 quilômetros.
Segundo a Via Appia, desde a retomada das obras, já foram realizados serviços topográficos e sondagens, inspeções em obras de arte especiais (OEAs), limpeza de objetos e do sistema de drenagem, construção de estradas de serviço e acessos em toda a extensão do Rodoanel Norte. “São atividades essenciais para garantir a segurança, qualidade, durabilidade e eficiência das obras, fornecendo dados precisos para o planejamento e execução do empreendimento, evitando surpresas e atrasos durante a construção”, afirma Brendon Ramos, CEO da Via Appia.
De acordo com a concessionária, para garantir o cumprimento dos prazos e a qualidade da execução das intervenções, as obras foram divididas em dois trechos: o primeiro entre as rodovias Presidente Dutra e Fernão Dias e o segundo, da Fernão Dias até a avenida Raimundo Pereira de Magalhães. Ao todo, mais de 550 trabalhadores estão em campo atuando em diferentes pontos, executando serviços como terraplanagem, roçada, manutenção do revestimento vegetal, fresagem e pavimentação.
Cada trecho também foi subdividido. No lote 5, equipes realizam a perfuração e desmonte de rochas. Já nos lotes 4, 5 e 6, os trabalhos estão concentrados na fresagem e pavimentação do trecho. Os túneis também estão passando por limpeza e avaliações, sendo que a desobstrução, limpeza interna e escavação do Túnel 501 (emboque leste) já foi concluída, o que permite a passagem de veículos operacionais.
No total, o trecho assumido pela Via Appia terá 107 obras de arte especiais, incluindo pontes, viadutos e sete túneis duplos (com 11 km de extensão). As vias terão entre três e quatro faixas de rolamento, com acostamento. O ramal terá, ainda, 20 passagens de fauna (sendo seis na rodovia e 14 em estradas do entorno), quatro baias para cargas de produtos perigosos e quatro para cargas especiais. Serão instaladas duas bases do Serviço de Atendimento aos Usuários (SAU), duas balanças, um Centro de Controle de Operações (CCO) e um posto da Polícia Militar Rodoviária.
O trecho norte possui túneis que partem de 250 m de comprimento (próximo à divisa São Paulo-Guarulhos) até 1.700 m (necessários para vencer a Serra da Cantareira). Segundo a concessionária, todo o sistema de iluminação dos túneis será em LED de última geração, atendendo aos requisitos de luminescência conforme normativos do Departamento de Estradas de Rodagem (DER-SP) e da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT).
Um dos grandes desafios da retomada das obras nesse trecho do Rodoanel é adaptar o planejamento de trabalho da concessionária aos diferentes estágios em que as obras se encontram, como destaca Ramos. “As obras de arte especiais, em sua grande maioria, já foram construídas. Cada OAE possui sua particularidade, e, por isso, estão sendo analisadas de forma individualizada. Com o apoio técnico do relator independente, avaliaremos a qualidade de execução por meio de inspeções especiais com base nos normativos técnicos da Artesp, bem como as possíveis avarias oriundas do processo da ação do tempo durante o período de paralisação das obras.”
A Intertechne foi contratada pela Via Appia como relator independente, sendo responsável pelas vistorias e elaboração do projeto atualizado das obras de implantação. “O papel da empresa é analisar, verificar, revisar e validar todo o projeto existente. Dentro dessas atividades, inclui-se complementar alguma solução que possa ser necessária, atualizar os projetos para as novas normas e inspecionar o que já estava executado”, esclarece Franciele Reynaud, gerente de projetos da Intertechne.
Segundo ela, a obra desse trecho do Rodoanel estava com diferentes níveis de execução. “Para o tronco principal existiam trechos com pavimento acabado, enquanto em outros faltava fazer a composição do terrapleno para a configuração do greide da rodovia.” Para as obras de artes especiais e túneis, haviam estruturas acabadas e outras, parcialmente executadas.
“Como a obra foi paralisada e não houve manutenção durante o período de interrupção, houve vários pontos de erosão por drenagens que não estavam acabadas ou por cobertura vegetal que não se desenvolveu durante esse período. Já outros pontos estavam cobertos por vegetação, dificultando a observação de possíveis problemas, sem uma limpeza prévia do terreno. Foi possível observar também diversos locais com ocupações irregulares e objetos abandonados, ainda da época de construção”, diz Reynaud.
Como resultado desse trabalho, informa Ramos, na abertura ao tráfego, as obras estarão adequadas às atualizações das normas técnicas e com um padrão mais moderno, seguro e sustentável, tanto do ponto de vista estrutural quanto funcional e de durabilidade. Nesse aspecto, ele destaca a construção de duas OAEs de altura elevada – uma na divisa com o trecho oeste e outra na travessia da Rodovia Presidente Dutra, com a construção de uma alça para acesso sentido Rio de Janeiro. “Nessas obras usaremos metodologias de vigas pré-moldadas em concreto e vigas metálicas.”
É justamente nas estruturas maiores, como túneis e viadutos, que a empresa está atenta. “Estamos optando por todas as soluções de engenharia mais seguras, pensando na construção e futura operação da via e também na segurança dos usuários. Os túneis já se encontram em sua maioria escavados, assim, passarão por limpeza e remoção de entulhos, e, na sequência, receberão novas estruturas de revestimento interno”, explica o CEO.
De forma geral, conforme Franciele Reynaud, o maior problema de uma obra parada como essa é a deterioração das estruturas inacabadas. “Foi isso o que encontramos no Rodoanel, com o problema adicional de obter acesso às informações da época em que a obra foi executada. Para a retomada, os estudos prévios que estão sendo realizados são fundamentais. Estes permitem avaliar o estado da construção e planejar as etapas seguintes, para minimizar os eventuais riscos existentes.”
Segundo a especialista, atualmente a empresa está na fase de verificação dos projetos existentes, inspeções com execução de ensaios de campo para validação e verificação do que foi executado na etapa anterior. A finalização das análises e validação final do projeto está prevista para ocorrer até final de novembro de 2024. “Temos apenas dois pares de túneis onde ainda a escavação não está concluída, faltando poucos metros. Neles é necessário o término da escavação e tratamentos previstos e nos demais túneis existe a necessidade de finalização dos revestimentos e tratamentos conforme previstos em projeto”, afirma a gerente.
Os túneis que faltam ser perfurados seguirão a metodologia New Austrian Tunneling Method (NATM), devido às grandes aberturas para comportar as três faixas de rolamento e o acostamento. “Até o momento, identificamos que a maioria do material a ser escavado é em rocha. A cada avanço na escavação, haverá uma equipe especializada para confirmar o tipo de material, bem como as soluções de escavação, revestimento ou contenções a serem adotadas”, revela Ramos.
Nos viadutos e pontes, as principais correções necessárias incluem o reforço das fundações e ajustes nos sistemas de dilatação para acomodar as variações térmicas. De acordo com a gerente da Intertechne, em algumas OAEs foram verificados deslocamento de aparelhos de apoio, necessidade de alargamento devido à faixa de aceleração resultante de atendimento a normativas da Artesp, entre outros problemas. “Na maioria dos casos é necessário o tratamento das patologias que foram causadas pela ação do tempo em que ficaram sem manutenção”, esclarece Reynaud.
Em linhas gerais, segundo o CEO da Via Appia, nas obras de arte especiais estão sendo aplicados métodos construtivos modernos, como o uso de pré-moldados para agilizar a construção e minimizar os impactos ambientais. “Para os túneis, estão sendo utilizadas máquinas de escavação com tecnologia de ponta para garantir precisão e segurança. Nos viadutos e pontes, técnicas de construção em balanço e lançamentos incrementais são aplicadas para otimizar o processo construtivo e garantir a estabilidade das estruturas. Já na escavação em rocha a céu aberto, devido à proximidade com áreas urbanas, estamos prevendo a utilização de fragmentações a frio, com utilização de plasma, técnica de fragmentação com baixa vibração e projeção de partículas, reduzindo os riscos e mitigando o incômodo às comunidades lindeiras”, esclarece Ramos, assinalando que estão sendo utilizados materiais de alta durabilidade e técnicas de engenharia de ponta para garantir a longevidade e a segurança dessas estruturas.
Entre as principais inovações que estão sendo implantadas nesse trecho do Rodoanel, a empresa destaca o uso de sensores e sistemas de monitoramento em tempo real para garantir a segurança e a integridade das estruturas durante e após a construção. “Além disso, técnicas de construção sustentável estão sendo adotadas para minimizar os impactos ambientais e promover a eficiência energética. Os sistemas de ventilação e combate a incêndios atenderão aos mais recentes regramentos do Corpo de Bombeiros, permitindo, assim, que a rodovia inicie a sua operação já com todas as autorizações pertinentes”, salienta Ramos.
Os túneis terão eletrocentros – pelo menos um em cada túnel e nos mais longos, um em cada emboque –, que poderão ser controlados remotamente através do CCO da concessionária. Além disso, o Rodoanel Norte adotará o sistema HS Win, que consiste na pesagem dos veículos em movimento, diretamente no tronco da rodovia, sem a necessidade de que os veículos saiam da pista e adentrem a estrutura da balança como é feito em outras rodovias.
Rodoanel deve aliviar trânsito na capital
O Rodoanel Mário Covas (SP-021) é um anel viário com 176 km de extensão, duas pistas e seis faixas de rodagem em torno da Grande São Paulo, com a finalidade de aliviar o intenso tráfego especialmente de caminhões oriundos do interior do Estado e das diversas regiões do País e que cruzam as duas vias urbanas marginais da cidade – Marginal Pinheiros e Marginal Tietê –, provocando intenso congestionamento urbano. Segundo estimativa do governo estadual, apenas com o trecho norte serão retirados da malha urbana da capital cerca de 18 mil caminhões.
Construído ao longo de duas décadas, o anel viário teve sua execução dividida em quatro trechos – Oeste, Sul, Leste e Norte. Os três primeiros – Oeste, Sul e Leste – já estão operando e foram inaugurados em 2001, 2010 e 2014, respectivamente. O Rodoanel interliga as rodovias Bandeirantes, Anhanguera, Castelo Branco, Raposo Tavares, Régis Bittencourt, Imigrantes, Anchieta, Jacu Pêssego, Henrique Eroles, Ayrton Senna e Dutra, além da Hélio Smidt e Fernão Dias, quando o trecho norte estiver concluído.