Supervia deixa de ser deficitária

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Próximo de completar 10 anos de concessão, a Supervia, consórcio que opera os trens urbanos de passageiros da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, passa por um momento que pode ser divisor de águas em sua história. Ainda vivendo sob a sombra de dois acidentes em menos de um ano – um deles considerado o mais grave dos últimos anos, que resultou na morte de oito pessoas em agosto de 2007 – anuncia, agora, investimentos da ordem de R$ 150 milhões na malha e estações até 2009, compra de trens, além da comemoração do aumento de 15% do número de usuários que utilizam o sistema integrado com ônibus e metrô.

O tal divisor de águas está no fato de que para realizar tudo que anunciou, a Supervia conta com a segurança de finalmente operar um sistema não mais deficitário: em 2007, pela primeira vez desde que assumiu a concessão, a empresa conseguiu fechar as contas no azul.

Agora, para bancar seus planos, pretende lançar em agosto cotas de Fundos de Investimentos em Direitos Creditórios (FIDC), também conhecidos como fundos de recebíveis, uma das mais novas e sofisticadas opções de investimento do mercado financeiro no Brasil. Os FIDCs são títulos que representam receitas futuras de uma empresa, que no caso da Supervia estarão respaldados nas arrecadações de bilheteria, aluguéis de imóveis e mídia publicitária.
Num horizonte mais amplo, a concessionária tem previsões bem mais ambiciosas com o programa de investimentos denominado Pró-XXI. Na época em que foi lançado, no início de 2007, arrancou elogios do governador Sergio Cabral Filho.

“É um projeto ambicioso e importante. Temos cerca de 160 quilômetros de linhas férreas já instaladas em todo o Grande Rio, um dado extraordinário, o que precisamos é de mais trens. Cada trem com quatro composições tem capacidade de transportar mil passageiros, isso significa menos 13 ônibus e 84 vans, ou seja, menos tumulto no trânsito”, destacou Cabral.

O Pró-XXI prevê investimentos de U$ 570 milhões em infra-estrutura e na expansão e modernização da frota, com a aquisição de 120 novos trens e com a reforma de outros 32 que já operam nas linhas da Região Metropolitana. Do total de investimentos, US$ 450 milhões seriam financiados pelo Governo do Estado para a compra dos trens. A Supervia ficaria responsável pelos investimentos em infra-estrutura e modernização de subestações de energia.

A meta da concessionária é chegar a 220 trens circulando por seus cinco ramais espalhados pelos 11 municípios da Região Metropolitana. Hoje, a malha ferroviária conta com 159 trens em operação. Quando a concessionária assumiu o serviço, em 1998, o número de passageiros transportados por dia não passava de 150 mil. Atualmente, mais de 450 mil pessoas já usam os trens diariamente. E com as melhorias previstas – do total da meta de 220 trens, 190 seriam com ar-condicionado – a Supervia espera aumentar esse número atual de passageiros para 1,5 milhão por dia.

Metas para 2009

A reforma na malha ferroviária anunciada para o biênio 2008/2009 prevê que o sistema de sinalização passará por modernização; haverá renovação de trechos da via permanente, adequação de 14 estações e reforma de 20 trens. Ao final desse período, a expectativa da operadora é elevar o número de passageiros/dia transportados dos atuais 450 mil para 650 mil/dia.

De 1998, quando assumiu a operação dos trens, até 2007, a Supervia investiu em manutenção do sistema um total de R$ 444 milhões. No ano passado, os investimentos chegaram a R$ 42 milhões, incluindo melhorias em estações, na infra-estrutura e início da implantação do sistema de bilhetagem eletrônica.

Para o projeto que se estenderá por este biênio não há, ainda, cronograma de obras, já que depende da formalização dos contratos, que, por sua vez, dependem do lançamento dos FIDCs. Mas o diretor de Marketing, Gestão e Recursos Humanos da Supervia, José Carlos Soares Leitão Filho, adianta alguns dos planos que serão colocados em prática.

A Supervia possui 89 estações em funcionamento. Dessas, 14 estações vão receber obras até 2009 são: Central do Brasil, São Cristóvão, Méier, Cascadura, Madureira, Campo Grande, Bangu, Santa Cruz, Nova Iguaçu, Austin, Nilópolis, Queimados, Duque de Caxias e Gramacho. As obras incluem adequação da altura do piso da plataforma ao dos trens; cobertura total da estação, e não somente da plataforma; colocação de escadas rolantes; melhorias de acesso; comunicação visual moderna; uso de materiais arquitetônicos modernos, para dar aos passageiros um ambiente mais arejado, limpo e funcional; além de melhorar o acesso do nível da rua para a plataforma.

“Muitas estações foram construídas nos anos 1930 e possuem um padrão que, para a Supervia, é muito acanhado. Muitas delas estão pintadas, com a manutenção em dia, mas o que vamos fazer agora é uma intervenção forte”, explica o diretor de Marketing da concessionária.

Ainda no âmbito das estações, está prevista a conclusão da substituição dos bilhetes de papel pelos cartões (smart cards) do sistema de bilhetagem eletrônica. O investimento para isso é de R$ 16 milhões, e consiste na instalação de mais de 550 equipamentos, entre validadores de cartões eletrônicos e terminais de vendas, além das novas catracas.

Em termos de infra-estrutura, serão feitas melhorias em trechos de toda a malha na rede aérea e via permanente, tudo para que haja compatibilidade com o novo sistema de sinalização que será instalado. São, ao todo, 225 quilômetros de malha ferroviária, com 992 quilômetros de rede aérea e 21 subestações de energia. Entre 1998 e 2007, 122 mil dormentes foram substituídos, além de quatro mil toneladas de trilhos (equivalentes a 65 mil metros).

Segundo Soares, com essas melhorias será possível obter intervalos de trens menores, aumentando a confiabilidade do sistema em relação à pontualidade e à regularidade. De acordo com avaliação da própria Supervia, o índice de pontualidade atual é de 96,12%.
“Temos que fazer interrupções com mais freqüência em função da troca de material para manutenção, o que acaba comprometendo a funcionalidade. Com a modernização, no entanto, essas trocas diminuirão e, junto, as interrupções no sistema”, diz José Carlos Soares.

Os intervalos de trens no ramal Central do Brasil-Deodoro são de seis minutos no horário de pico das manhãs, e de oito minutos de Deodoro até Nova Iguaçu. “Mas estamos investindo pra reduzir esse headway dos trens para três
minutos no ramal de Deodoro e até Nova Iguaçu”, afirma Soares. Nos ramais cujos intervalos giram em torno de 10 a 15 minutos (Gramacho, Santa Cruz, Japeri, Queimados, Belford Roxo), passariam para seis minutos nos horários de maior movimento.

Além da agilidade, o impacto dessa diminuição do headway se daria também na qualidade do serviço, sentida diretamente pelos usuários, que atualmente têm que se espremer – e muito – para viajar em vagões superlotados com muito mais do que os 300 passageiros de capacidade máxima por carro.

Trens novos e com cara de novos

A Supervia está negociando com o Governo do Estado do Rio a aquisição de novos trens. O governador Sergio Cabral, em um giro pela Europa e Ásia no início do ano, visitou países como França, Japão e Coréia para sondar possíveis fornecedores – a compra deve chegar a 30 trens, cujas especificações técnicas ainda serão definidas, mas provavelmente seguirão o modelo dos coreanos que já estão em circulação. “A experiência com eles tem sido bastante positiva, então os próximos que virão devem ter apenas algumas melhorias”, prevê José Carlos Soares.

De concreto, a Supervia planeja reformar, até 2009, 20 trens na parte de ambientação: instalar ar-condicionado e mudar seu interior. São trens que já passaram por modernização técnica (na parte de motorização, mecânica etc.).

“Temos 34 trens com ar-condicionado, sendo 20 totalmente novos (N.E.: os importados da Coréia) e 14 são trens que foram reformados na parte de motorização e mecânica, e que tiveram também o interior trocado, embora não se equiparem ao design dos trens importados. Já esses 20 que vamos reformar agora, terão o interior trocado, ficando muito parecidos em aspecto com os coreanos”, conta Soares, ressaltando que as únicas partes que não serão modificadas são as atreladas à estrutura do vagão, como o formato das janelas.

Integração demora, mas pega no tranco

A primeira tentativa de fazer funcionar um sistema integrado entre trens e ônibus aconteceu em dezembro de 2001. Já fazia um ano que a integração com o metrô havia iniciado e funcionava a pleno vapor. Com os ônibus, o processo começou na Zona Oeste, em Santa Cruz, mas logo se mostrou inoperante.

Segundo José Carlos Soares, diretor de Marketing da Supervia, não funcionou, em primeiro lugar, porque as pessoas não estavam habituadas com o sistema integrado. Para piorar, as empresas de ônibus não disponibilizavam bilhetes integrados para vender, além de o desconto da tarifa integrada ser irrisório, não atraindo interesse de quase ninguém em adotar o sistema.

“No dia da inauguração da integração, houve até manifestação de uma associação de moradores dizendo que aquela linha que estava sendo disponibilizada já não operava há anos”, lembra Soares. “Começou mal, foi mal planejado e aí não deu certo”.

Em 2005, nova tentativa. Dessa vez, englobando mais áreas – Santa Cruz, Campo Grande, região coberta pelo ramal de Deodoro até que, no ano passado, chegou à Baixada Fluminense. Com um planejamento adequado, divulgação em larga escala e tarifas atraentes (o desconto para a viagem integrada chegava a 30% sobre a soma das tarifas integrais), finalmente começava-se a mudar um costume enraizado de cariocas e fluminenses: o de preferir fazer viagens de ponto a ponto, sem ter que trocar de modal.

“Nessa segunda tentativa, acho que deu certo porque houve efetivamente a vontade dos empresários. A concorrência com as vans certamente fez com que eles buscassem alternativas para competir por um passageiro de curta distância, que eles tinham perdido” avalia o diretor de Marketing da Supervia.

Mudança de perfil

Com o tempo, o atrativo do valor da tarifa integrada somou-se a outros benefícios para os passageiros, como a reforma de trens com ar-condicionado e a entrada em operação dos trens coreanos. Resultado: melhor serviço, maior procura. No ano passado, o número de passageiros transportados pela Supervia cresceu 13,4%. Especificamente no caso daqueles que utilizam o sistema integrado, houve um aumento de 15,65% em relação ao ano anterior – foram 3,2 milhões de passageiros que utilizaram a integração trem-ônibus entre janeiro e maio de 2007 e 3,74 milhões utilizando o sistema no mesmo período este ano.

“A maior dificuldade, hoje, para o sistema de integração, é justamente mudar o hábito das pessoas que fazem um trajeto direto. Mesmo pagando uma tarifa mais cara e demorando muito mais tempo, por conta de engarrafamentos, por exemplo, ninguém acorda de manhã e pensa: ‘Ah, hoje eu vou experimentar a integração’. Isso é cultural e é o que representa nossa maior dificuldade para emplacar a integração”, analisa José Carlos Soares.

O trabalho de comunicação, segundo ele, tem sido feito com base na idéia de conquistar os passageiros pela ambientação de estações e trens. Segundo Soares, essa estratégia se ampara na mudança de perfil do usuário do trem. “As melhorias no sistema vêm atraindo um cliente com melhor perfil sócio-econômico. Enquanto antes nós tínhamos uma grande maioria de passageiros da classe D, hoje isso se inverteu, e temos maioria nas classes B e C”, afirma.

Fonte: Estadão


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