TAV Rio-SP-Campinas sai do ponto-morto

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Passageiros convivendo com um verdadeiro caos nos aeroportos, principalmente na ponte-aérea Rio-São Paulo. Congestionamentos aumentando na Via Dutra a cada quilômetro em que o motorista se aproxima das capitais paulista ou carioca. Soma-se a isso um cenário de razoável equilíbrio econômico, com empresários nacionais e estrangeiros procurando bons projetos para fazer negócios, além de perspectivas de alto crescimento demográfico e econômico das duas maiores metrópoles do País. Pronto! Está formado o cenário perfeito para voltar a se falar no projeto de um trem de alta velocidade. E não só falar, mas botar a mão na massa.

Seria difícil dizer se a rapidez com que o processo está sendo tocado se deve ao fato de sermos o país do futebol – para sediar a Copa do Mundo de 2014, o Brasil precisará de um substancial aumento na oferta de transporte, seja nos centros urbanos onde se darão os jogos, seja entre as cidades-sede. Ou se, mais urgente ainda, se essa velocidade se deve à aproximação do ano eleitoral de 2010. O fato é que a decisão política já está tomada. Os governos estaduais do Rio e de São Paulo, mais o governo federal, bateram o martelo em torno de um consenso: o primeiro trem de alta velocidade (TAV) brasileiro ligará as cidades do Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas. O próprio presidente Lula fez questão de anunciar que a abertura do processo de licitação para a construção do sistema acontecerá em outubro deste ano, desfazendo – ou pelo menos tentando desfazer – a onda de críticas que já acusava atrasos no cronograma do governo, que prevê cinco anos para implementação do projeto, a partir de 2009, a custos estimados entre US$ 8 bilhões e US$ 11 bilhões.

A costura política foi essencial para tirar a poeira de cima do projeto, da época da ditadura militar. “Fazer o TAV é uma questão essencialmente de gestão política, de boa articulação entre os governos do Rio e de São Paulo e o governo federal. Não é um problema de tecnologia ou de falta de dinheiro”, afirmou o secretário estadual de Transportes do Rio, Júlio Lopes, durante apresentação do projeto a um plenário lotado de deputados e especialistas na Comissão de Transportes da Câmara Federal. Um dos principais articuladores do renascimento do projeto, Lopes acredita que o TAV vai transformar as duas cidades em uma megalópole, transpondo a geografia e superando uma barreira essencialmente física.

Mas até que tudo isso aconteça, muitas etapas precisarão, ainda, ser transpostas. A engenharia financeira é uma delas. Apesar de o TAV ter sido incluído no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal; de haver a intermediação do BNDES já na etapa dos estudos de viabilidade; além do notório interesse por parte do capital privado nacional e estrangeiro, muitas lacunas estão abertas. Persistem questões como: Quem vai bancar o projeto e como? Será concessão ou parceria público-privada (PPP)? Como fica a questão do valor da tarifa?

E as perguntas continuam quando o assunto diz respeito aos aspectos técnicos do projeto: Qual o traçado? Poderá ter paradas no meio do caminho? O melhor sistema é o de rodas sobre trilhos ou o de levitação magnética? Mas a única definição, até hoje, é de que não haverá definição prévia. A licitação não determinará qual a tecnologia que deverá ser empregada. Vai deixar isso a cargo das concorrentes.

De concreto, mesmo, só o que a ministra da Casa Civil Dilma Rousseff declarou em abril, pouco antes de embarcar numa viagem para Coréia do Sul e Japão, em que levava na mala o projeto do TAV brasileiro: “o governo exigirá que grupos estrangeiros interessados no negócio do trem rápido Rio-SP-Campinas, realizem joint-ventures com empresas brasileiras, para as quais teriam que transferir tecnologia”. Também estaria incluída na lista de regras, a obrigatoriedade de compra de equipamentos nacionais para as obras.

Estudo de viabilidade

De acordo com dados apresentados pela Secretaria Estadual de Transportes do Rio, o TAV cobrirá o percurso entre Rio de Janeiro, São Paulo e Campinas, com previsão de paradas em cidades como Resende e Volta Redonda, no Rio; e São José dos Campos, Taubaté e Jundiaí, em São Paulo. A alternativa para um corredor com paradas no meio do caminho agregaria demanda e serviria para o desenvolvimento das regiões por onde o TAV passar.

No total, serão 518 km de via permanente a serem construídos, com cerca de 130 km de túneis e 105 km de viadutos e pontes. As estações intermediárias serão definidas no projeto de estudo de viabilidade, que está sendo coordenado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com consultoria internacional do Banco Interamericano de Desenvolvimento. O BID realizou, em janeiro deste ano, a licitação internacional que escolheu as empresas que farão o estudo de viabilidade e já destinou US$ 1,2 milhão para o projeto, que incluirá análises de demanda, traçado, diretrizes ambientais e diretrizes para o edital de licitação do TAV. Como contrapartida, o BNDES vai liberar US$ 300 mil.

O consórcio ganhador da licitação internacional é composto pelas empresas brasileiras Balman Consultores Associados e Sinergia Estudos e Projetos, além da inglesa Halcrow Group, especializada em trens de alta velocidade. A Balman e a Sinergia são responsáveis pelo planejamento do negócio, que envolve o custo de implantação do sistema, a tecnologia necessária, a quantidade de vagões e de passageiros, entre outros aspectos. Já a Halcrow, cuidará da parte técnica e operacional, referentes à quantidade de viagens, localização das estações e fluxo de passageiros.

“A posição do Rio, que conseguiu juntar as empresas nessa parceria deixou-me muito orgulhoso. A Sinergia participou da extensão do metrô carioca, da elaboração do Plano Diretor de Transportes Urbanos da Região Metropolitana do Rio de Janeiro e atualmente é parceira da Secretaria de Transportes no trabalho de implantação de corredores expressos de ônibus, como o corredor viário da Alameda São Boaventura, em Niterói, e dos novos acessos da Ponte Rio-Niterói”, conta Julio Lopes.

Traçado complexo

Definir o traçado da linha é uma das tarefas mais difíceis para os integrantes do consórcio. Segundo o coordenador do projeto pela Sinergia Estudos e Projetos, Willian de Aquino, há uma diferença de cerca de 800 m de altitude entre São Paulo e Rio de Janeiro. Isso poderia implicar rampas muito acentuadas para um sistema com esse perfil. O trecho também não poderá ter muitas curvas para que não perca a velocidade prevista, acima de 200 km por hora.

O diretor técnico da Halcrow Group, Richard Summer, acrescenta à lista outra dificuld

ade: encontrar os acessos para chegar ao centro do Rio e de São Paulo. Sobre esse assunto, o governo do Rio já descartou possibilidade de utilizar a Central do Brasil como parada do TAV, uma vez que um plano de expansão da SuperVia, concessionária que administra os trens metropolitanos do Rio de Janeiro, já deve acarretar aumento no número de passageiros no local. “Com isso, achamos que a Central do Brasil não suportaria o fluxo de passageiros também do trem vindo de São Paulo”, disse o secretário estadual de Transportes Julio Lopes.

Como opção, a ponta carioca do trem rápido ficaria na centenária Estação da Leopoldina, também no centro da cidade, que terá que passar por obras de revitalização. A Secretaria de Transportes pretende emplacar outro projeto para facilitar o acesso do trem rápido à cidade: o Arco Ferroviário, um linha férrea ligando a Barra da Tijuca, na Zona Oeste, ao Centro, passando pelos bairros de Jacarepaguá, Madureira e Penha, e integrando o sistema ao Aeroporto do Galeão. O projeto foi um dos escolhidos pelo governo federal para iniciar as parcerias público-privadas (PPP), investindo um total de R$ 250 milhões.

Em São Paulo, a opção mais viável é construir um terminal na Estação da Luz, região central da cidade, com fácil acesso a outros modais de transporte, como ônibus e metrô. Da capital paulista, uma ligação com Campinas permitirá que o corredor ferroviário Rio-São Paulo chegue até o Aeroporto de Viracopos, uma solução importante para desafogar os aeroportos de Congonhas e de Guarulhos.

Tarifa x demanda

Também caberá à Sinergia, ainda na primeira fase do estudo de viabilidade, realizar pesquisas de demanda, que deverão ser feitas com cerca de 40 mil pessoas que percorrem atualmente o trecho entre São Paulo e Rio de carro, ônibus e avião. O consórcio prevê, ainda, apresentar opções diferentes de preços para a tarifa, de acordo com levantamentos de viabilidade econômica e financeira. Além disso, um programa de tarifas diferenciadas de acordo com a freqüência de cada usuário também está sendo considerado.

Essa, aliás, é uma idéia defendida pelos gestores do projeto, na expectativa de viabilizar a rentabilidade do sistema TAV. Segundo o secretário de Transportes do Rio, os trens teriam capacidade para 855 passageiros por composição e partiriam em intervalos de 15 minutos. Julio Lopes não descarta a possibilidade do TAV ser usado também para o transporte de cargas leves, de alto valor agregado.

“Hoje, há um fluxo diário entre nove e 11 milhões de passageiros entre as duas cidades. A expectativa é de que, em cinco anos, esse número suba para 17 milhões. Viagens à noite ou durante a tarde poderiam ser mais baratas. Poderemos também ter promoções aos sábados, domingos e feriados. O que importa é aumentar o fluxo de pessoas entre as duas capitais. O trem vai incrementar o turismo, facilitar o acesso a serviços de saúde, às universidades, aos cursos, ao aparato cultural das duas cidades. Um carioca que queira fazer um mestrado na USP vai poder assistir às aulas lá diariamente, levando duas horas e meia no máximo para chegar à sala de aula. Tempo menor do que muita gente que mora na Região Serrana leva para chegar ao Centro do Rio. Enfim, o TAV vai mudar a realidade cultural e econômica das duas cidades”, acredita Julio Lopes.

O coordenador da Consultoria de Desenvolvimento de Projetos do BNDES, Henrique Pinto, considera a integração do trabalho entre os estados do Rio de Janeiro e de São Paulo um fator determinante para o sucesso do estudo de viabilidade. “Para cada parada do trem deverá existir uma infra-estrutura integrada com as necessidades da região de abrangência do estudo. As decisões técnicas serão tomadas em conjunto e dependerão também dos estados envolvidos, que irão analisar suas necessidades. Os preços das passagens ainda não podem ser definidos, mas levarão em consideração os meios de transportes concorrentes, como o avião”, explicou Pinto.

Mas o representante do BNDES não descarta aquilo que ninguém ousou falar até agora. Henrique Pinto diz que não está descartada a hipótese de o projeto não ser viável, caso a tarifa fique muito acima do que os usuários se proporiam a pagar. Ele admite não saber se será possível manter a tarifa em menos de US$ 100, como estima o governo federal. Tudo é uma questão de como operar a equação “passageiros x tarifa”.

Mas tanto o secretário de Transportes do Rio quanto a equipe do governo federal preferem ver um cenário mais otimista: para uma viagem sem paradas entre o Rio e São Paulo poderia ser cobrada uma tarifa mais cara, equivalente à do avião, por exemplo; para os que optarem pelo trem com paradas, o valor seria diferenciado.

José Francisco das Neves, presidente da Valec (estatal subordinada ao Ministério dos Transportes), lembra que a demanda estimada pelo grupo italiano Italplan, interessado no projeto do trem brasileiro, é de 32 milhões de passageiros/ano em 2015. Nesse cenário – superdimensionado até mesmo na opinião do secretário de Transportes do Rio – a expectativa é que o TAV se pague num prazo de oito ou nove anos. “Se a demanda for inferior, da ordem de 16 milhões de passagens anuais, o projeto se pagará em 12 ou 13 anos”, calcula Neves. “O que a gente tem que fazer no governo agora é testar. Coloca no mercado e vamos ver. Não tem como dar errado”, arrisca.

Para Neves, esse tipo de modalidade de transporte não poderá ser adotada entre outras capitais. “No mundo, o único trecho que a meu ver oferece rentabilidade para um projeto com esse perfil, ou seja, que se paga por si só, é o Rio-SP. O restante teria que injetar dinheiro público”, afirma. Para os demais trechos, ele prevê a realização de projetos por meio de parcerias público-privadas.

Fonte: Estadão


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