A melhor opção para o TAV Rio-São Paulo, em termos de tecnologia, é a levitação magnética. Quem afirma isso é o engenheiro ferroviário José Augusto Valente, que acompanha bem de perto a história do projeto. Tão de perto que já esteve à frente, entre 2004 e 2007, da Secretaria de Política Nacional de Transportes, do Ministério dos Transportes, o que lhe permitiu, por exemplo, ser o primeiro a receber em mãos a tão controversa proposta da Italplan. Trabalhando há 35 anos na área de transportes, Valente já foi presidente do Departamento de Estradas de Rodagem do Rio de Janeiro (DER-RJ) e hoje atua como consultor em Logística e Transporte.
O engenheiro lembra que o Laboratório de Supercomputadores da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ) detém parte da tecnologia de levitação magnética, por conta de um trabalho de anos em convênio com os alemães da Transrapid International GmbH & Co. KG, fabricante e operadora do Maglev, trem de alta velocidade da Alemanha. A Transrapid é resultado da associação da Siemens AG com a ThyssenKrupp AG. A primeira linha comercial opera em Xangai há mais de um ano.
“A tecnologia alemã permite utilizar rampas bem mais elevadas do que as da tecnologia roda sobre trilho, tornando menos oneroso vencer o desnível da Serra das Araras, por exemplo. Outra vantagem é que a via permanente poderá ser construída com vários longos trechos em elevado, evitando desapropriações ou impactos ambientais significativos, ainda mais que é a tecnologia mais amigável em relação ao meio ambiente. Se os alemães participarem da licitação com disposição para ganhar, penso que vão levar”, prevê Valente.
Ele afirma que a tecnologia da levitação magnética já foi largamente testada na Europa e Ásia e oferece segurança. “A licitação deverá habilitar tecnologias já utilizadas e testadas. Naturalmente, cada uma das tecnologias existentes apresenta vantagens e desvantagens em função da topografia do terreno. Penso que o risco de algo inadequado acontecer será pequeno, embora seja sempre possível. Além disso, penso que serão exigidas garantias do tipo “bid bond” e “performance bond”, em que o risco de implantar a proposta e manter patamares do edital é segurado por instituições financeiras de grande porte.
Um passo adiante
Quem entende do assunto garante: construir um TAV baseado em sistema de roda-trilho, como os apresentados pela Transcorr e pela Italplan, é como avançar para trás. A tecnologia do futuro, agora, é a da levitação magnética (Maglev). E não é pura propaganda. Os japoneses, pioneiros na utilização do trem de alta velocidade, já estão aplicando essa tecnologia em parte de suas linhas.
Apesar do sistema roda-trilho ser capaz de operar adequadamente com velocidades acima de 300 km/h, o Maglev apresenta vantagens, principalmente no que é mais caro numa obra de infra-estrutura: a engenharia civil, de acordo com o engenheiro Eduardo Gonçalves David, pesquisador da Coppe/UFRJ nos laboratórios Lasup e Lesfer.
Segundo ele, as vantagens são inúmeras, desde o menor grau de poluição do ar até os rendimentos sensivelmente melhores, em comparação com o sistema tradicional. Eduardo David lembra que cada passageiro da ponte-aérea Rio-SP contribui, por sentido, com 98,08kg de gás carbônico (CO2) para o aquecimento global. O transporte aéreo é a modalidade que mais consome energia. O mesmo trajeto feito de automóvel produziria 26,52 kg; e de ônibus,13,72 kg. Num TAV, a produção seria de 3,68kg de CO2, e no Maglev 2,60kg. “Se andar de trem gerasse crédito de carbono, haveria uma razoável fonte de recursos disponível para financiar o setor”, avalia.
Nas altas velocidades, a levitação eletromagnética possibilita reduções de custos em regiões montanhosas, porque o Maglev, graças ao motor linear, opera em rampas acima de 10% de inclinação, enquanto um TAV comercial está limitado a 2% de rampa. Do nível do mar, no Rio, até a cota de 800 m de São Paulo, um trem sobe bastante. Mas o Maglev, na descida, virá gerando energia elétrica por regeneração.
Para se ter uma idéia da diferença entre um sistema roda-trilho e o Maglev, no projeto da Italplan, devido à restrição operacional de rampa máxima de 2,5% e raios mínimos de curvas horizontais de 25 mil m e verticais de 35 mil m projetou-se a construção de 134 km de túneis e 105 km de pontes e viadutos. Com o Maglev, a estimativa de Eduardo David é de que a extensão de túneis seja de 15 km, sendo o maior de nove km de extensão, com viadutos pré-fabricados em estrutura de concreto protendido ao longo de eixos rodoviários.
A engenharia civil, que costuma representar mais de 60% dos gastos em novos sistemas ferroviários, podendo chegar a 80%, é outro ponto a favor do Maglev. “A nova tecnologia de levitação magnética supercondutora, adequada para velocidade urbana, permite a construção de linhas que custam a terça parte do total exigido pelos sistemas metroviários de mesma capacidade e ficam prontas em um prazo muito menor. Economiza recursos numa área onde o Brasil tem completo domínio tecnológico e exporta serviços: a engenharia civil”, explica David.
Sugestão de traçado
O pesquisador da Coppe, que é um ferroviário aposentado da Rede Ferroviária Federal, ainda sugere um traçado para o TAV. “Em primeiro lugar, não tem sentido pensar em um TAV interligando a estação de D. Pedro II (Central, no Rio) com a estação da Luz em São Paulo, quando os vetores da expansão urbana apontam em outras direções. Depois, construir túneis na Serra do Mar para manter a declividade mínima, quando existe atualmente engenharia capaz de vencer rampas elevadas a céu aberto, só tem justificativa porque o projetista ficou preso ao conceito roda-trilho”, afirma. Segundo Eduardo David, o Expresso Aeroporto em São Paulo e o TAV interligando as duas maiores capitais do País podem custar metade do que está saindo na imprensa, ficando pronta a ligação Rio-SP em no máximo seis anos, melhorando antes disso a mobilidade urbana nas duas cidades. Em seu plano de traçado, David coloca a linha saindo da Barra da Tijuca até Volta Redonda, por um trajeto novo, simultaneamente de Guarulhos até São José dos Campos pela Variante do Parateí, encontrando os dois trechos em Aparecida do Norte. Esses pontos, segundo ele, seriam as estações intermediárias. ”Quando estes dois lotes de Maglev eletromagnético estivessem sendo inaugurados, já estariam prontos os sistemas de levitação baseados em supercondutores. No Rio de Janeiro haverá a ligação do Aeroporto do Galeão, UFRJ, Estação Del Castilho do Metrô e da SuperVia à Barra da Tijuca, aproveitando faixa
de domínio da Linha Amarela, Avenida Ayrton Senna e seguindo em via elevada pelo canteiro central da Avenida das Américas até seu final, nos limites do Parque Estadual da Pedra Branca, onde estaria o grande terminal do Maglev”, explica.
Em São Paulo, ele sugere que o Terminal Rodoviário Tietê seja interligado ao Aeroporto de Cumbica por via elevada ao longo das margens do rio Tietê. Ao longo da ligação, aproveitaria áreas de propriedade do governo, com mínimo impacto ambiental, onde atualmente a iniciativa privada opera por concessão: Nova Dutra na rodovia e MRS Logística na ferrovia.
O tempo total de viagem estimado pelo engenheiro da Coppe, entre terminais, é de 93 minutos, com velocidade média igual à do Maglev chinês em Xangai: Terminal Guarulhos-São José dosCampos em 20min; São José dos Campos-Aparecida em 21min; Aparecida-Volta Redonda em 25min e Volta Redonda-Terminal da Barra da Tijuca em 26 minutos.
Inclusão de Campinas impõe restrições
Para o engenheiro José Augusto Valente, a inclusão de Campinas no traçado do TAV já estava prevista em um estudo do Geipot, de meados da década de 90. “Acho importante, no sentido político, transformar o aeroporto de Viracopos, em Campinas, num dos principais aeroportos do País. É possível, entretanto, que a ligação São Paulo – Campinas se dê com um trem de alto desempenho (120 km/h), mas não um de alta velocidade, já que essa distância é pequena para utilizar velocidades de 250 a 300 km/h”.
O técnico explica que a inclusão de muitas paradas no meio do caminho faz com que o veículo não possa utilizar plenamente sua velocidade máxima, o que poderá causar a perda de atratividade para quem utiliza os aviões da ponte-aérea. “Para estes, a vantagem seria fazer Rio-São Paulo em menos de duas horas, o que é possível num trajeto sem paradas.
Entretanto, o estudo levará em conta a possibilidade de ter as duas coisas: viagens diretas e viagens com paradas. De qualquer forma, a segurança, a pontualidade, o conforto, juntamente com uma tarifa equivalente ou menor que a do avião, darão atratividade ao trem de alta velocidade, mesmo que essa não seja tão alta quanto poderia”, conclui.
Fonte: Estadão