Transporte urbano

Nildo Carlos Oliveira

O articulista Antonio Delfim Netto diz na FSP de hoje que os serviços de transporte urbano andam mal por culpa das duas partes: o governo finge que fiscaliza e o concessionário finge que cumpre o contrato. O ex-ministro simplifica problema dessa natureza a uma questão de fingimento. E o usuário, no caso, seria a única parte que não pode fingir: ele carrega nos ombros e na alma as conseqüências do estrangulamento dos modais deficientes: os trens hiperlotados, os ônibus obsoletos e os metrôs entupidos, onde o ato de respirar se torna até um sacrifício.

O problema do transporte urbano não é uma questão tão-somente de fingimento. É uma questão de desrespeito, mesmo. E desrespeito histórico, incrustado no patrimonialismo que acimenta o pensamento, a orientação e o status de uma elite para a qual o que há para a população, já está de bom tamanho.

O desrespeito tem raízes na falta de atendimento aos planos de organização espacial da cidade. Mesmo que eventualmente um plano de transportes seja elaborado com racionalidade, considerando as condições urbanas gerais da metrópole, o seu jeito de ser e de se desenvolver, e adote premissas para ajustá-lo às novas realidades, ele acaba colocado a escanteio, submetido a interesses que não são aqueles, gerais, da população. E os investimentos para o transporte público não seguem uma escala de prioridade ou são desviados para outros fins.

Os exemplos de disparates do gênero são numerosos. Basta ver a defasagem com que programas de obras começam a ser cumpridos. Tudo chega atrasado, quando chega. E, quando chega, ocorre o que se registra em algumas estações do metrô, como a do Butantã: foi construída sem áreas de acesso, sem espaços para uma mera parada de veículo, a fim de que alguém possa ali descer para embarcar. E, quem desembarca, não tem como apanhar um táxi. A menos que ande e se arrisque no meio do caos.

Essa elitezinha medíocre, que ascende ao poder mediante o poder do marketing político, é, sim, uma fingidora. Mas, fingirá por quanto tempo? Ou melhor: até quando terá condições – e tempo – para continuar fingindo?

Fonte: Nildo Carlos Oliveira

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