Túneis gêmeos no porto de Miami enfrentam obstáculos formidáveis

Quando a frente cortante da TBM (Tunnel Boring Machine), chamada Harriet, pesando 2 mil t, fez uma manobra em U em julho passado, em Miami, Estados Unidos, estava superado um marco importante de um projeto de US$ 1 bilhão, cujo elemento principal era um par de túneis paralelos de 1.400 m de extensão e pouco mais de 14 m de diâmetro sob a Baía de Biscayne, na Flórida. Ao escavar a extremidade do primeiro túnel, a equipe da Bouygues Civil Works Florida, de origem francesa, usou uma gigantesca mesa de teflon para girar a TBM e embocá-la na escavação do túnel paralelo. A obra significa um novo acesso ao porto de Miami, destinado a aliviar as vias congestionadas da região.

A complexa geologia do subsolo e a densa urbanização constituem as maiores dificuldades para a empresa contratada na modalidade projeto+construção, já que os túneis atravessam oito tipos diferentes de solos no trajeto, empregando métodos de pressão equilibrada da terra e de pressão controlada da água (escavação hidráulica).

“É a primeira vez que um túnel de grande diâmetro é escavado em calcário derivado de corais marinhos”, diz Louis Brais, executivo da Bouygues, cuja matriz francesa tem participação no financiamento do projeto através de uma parceria público-privada. O calcário, a profundidades de 27 m a 37 m, mostrou-se extremamente poroso e instável.

Planta do projeto de túneis paralelosno porto de Miami

O revestimento de concreto dos túneis foi projetado para durar 150 anos – de modo que 16 mil caminhões/dia deixem de passsar pelas vias urbanas e acessem diretamente o porto de Miami a partir das rodovias I-395 e I-95. É o primeiro túnel nos EUA a empregar painéis de concreto com tratamento antifogo, afirma Trevor Jackson, executivo principal da concessionária MAT Concessionaire LLC. A operadora será remunerada à base de disponibilidade dos túneis, que não são pedagiados, até o valor máximo de US$ 32,5 milhões anuais, devolvendo-os ao poder concedente em outubro de 2044, o Florida Department of Transportation.

A empresa concessionária se habilita a receber bônus no total de US$ 450 milhões, se cumprir cinco etapas construtivas no prazo, com a última programada para agosto de 2014.

Investigação geotécnica demorou 22 meses

Prensados entre o centro urbano de Miami e a famosa Miami Beach, os túneis se espremem entre a via expressa MacArthur Causeway e duas ilhas artificiais, Dodge Island e Watson Island. Antes de começar a escavar no sentido leste a partir de Watson Island, a construtora realizou uma investigação geotécnica complementar que acabou demorando 22 meses, afirma o diretor geotécnico da Bouygues, Roger Storry.

Era difícil conseguir amostra da sétima camada, justamente no calcário de corais. A investigação minuciosa envolveu furos a cada 10,5 m e realizou diversos ensaios, incluindo ultrassom, penetração de cone, perfuração, permeabilidade, fluxo d’água e sondagem com câmaras de vídeo. Além disso, oito poços de quase 3 m de diâmetro foram abertos até atingir o ponto mais baixo dos túneis, a 40 m. As permutações das oito camadas de solo foram examinadas no laboratório no local e enviadas para consultorias europeias, além da água do mar na Baía de Biscayne e a mistura de argamassa elaborada para uso na obra.

A empreiteira Nicholson Construction ganhou o contrato de US$ 40 milhões em 2011 para vedar os vazios da sétima camada de solo, com uma argamassa rica em bentonita, mas fraca em resistência. Sua consistência se parece com a de uma pasta de dente, densa o suficiente para não ser carreada pela água. Na Ilha Watson, utilizando uma flotilha de barcaças, que tinha que trabalhar no intervalo das passagens dos navios que ingressavam no porto de Miami, foram executados mil furos a profundidades de até 40 m, para injetar 49 mil m³ de graute para estabilizar aquela camada porosa e instável.

Traçado alongado

No traçado do túnel a ser escavado pela tuneladora Harriet há uma camada protetora superior de 7 m, passando por baixo da rodovia. O túnel, um greide de 5% para baixo, em um ponto passa a mero 1 m de intervalo da parte mais profunda das fundações do porto e da rota dos navios. A parte plana do túnel está no trecho mais profundo e mede menos de 3 m. A Bouygues decidiu alongar o túnel em cerca de 50 m em cada ponta, de modo que a TBM consiga evitar as camadas de rocha dura. As duas caixas de lançamento da TBM foram reduzidas para apenas uma.

A camada dura de calcário, chamada n° 5, não poderia ser escavada debaixo d’água. Ao alongar os túneis, a TBM começa a escavar com a sua parte superior acima da superfície, protegida por uma sobrecapa de concreto rolado de 5 m com geogrelha, nos primeiros 130 m.

Os poços de lançamento não podiam ser escavadas com lama bentonítica por causa das camadas moles e permeáveis no subsolo; o uso de estacas-prancha não atravessaria as camadas duras. Optou-se então pelo uso de solo-cimento. A Malcolm Drilling foi contratada para o sistema temporário de suporte à escavação, através de paredes de solo-cimento reforçado com aço, combinadas com uma laje armada de quase 2 m, ancorada por tirantes a 53 m de profundidade.

Os painéis de solo-cimento de 3 m de extensão e 1,4 m de largura criam uma grelha em 3D, cujos vazios foram preenchidos com estacas secantes de 4 m de diâmetro — resultando em paredes estanques e monolíticas, até 40 m de profundidade.

Ao escavar debaixo d’água, a TBM precisaria de uma câmara pressurizada para revisões periódicas das brocas da face cortante. Como o subsolo é poroso, esta solução era inviável. A empreiteira construiu, a cada 233 m, uma caixa de refúgio com a técnica do solo-cimento armado, onde a TBM penetra para serviços de manutenção num ambiente estanque.

Num túnel escavado assim, normalmente o material cortado é recebido por uma transportadora de parafuso e expelido numa correia que o conduz para fora. Com o peculiar calcário de coral, entretanto, o material é bombeado com água através de tubulação de 30 cm de diâmetro. Uma vez no exterior, os grossos são separados dos finos e reaproveitados em aterros e parques. O transporte por caminhões se faz à noite e vai somar 306 mil m³. Uma usina de concreto alimenta a linha de produção dos 12.100 segmentos pré-moldados para revestir os túneis.

Concreto precisa resistir 150 an
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O contrato dos túneis demanda durabilidade de 150 anos — que não está em nenhum código de edificação. A Agência Federal de Transportes (FDOT) se valeu de um modelo validado pelo American Institute of Concrete que assume como principal agente de corrosão do concreto a infiltração de cloretos. A equipe da Bouygues baseou seu projeto no sistema DuraCrete/DARTS, que considera, além de cloretos, fatores como a espessura da cobertura do concreto sobre a armadura, cura, temperatura e idade do concreto. Este sistema usa o método Monte Carlo de rodar milhares de cálculos repetidos.

A mistura resultante utiliza cinza volante e slag para ampliar a durabilidade e obteve resistência de 9.000 psi – ao invés dos 6.000 psi aos 28 dias exigidos pela FDOT. A agência ainda especificou cobertura de 7,5 cm sobre a armadura nos painéis de 70 cm de espessura, o dobro do que era padrão até então.

Projeto conectará o porto e rodovias diretamente

Na instalação dos painéis que pesam 13 t, é necessário considerar as variações de cada anel de túnel, que possui cinco seções-padrão, um elemento-chave e dois contrachaves. A construtora usa um software para identificar a configuração do anel naquele ponto, que é montado por um dispositivo a vácuo que encaixa os segmentos, num prazo médio de uma hora. Oito anéis são instalados por dia.

Levaram dois meses os preparativos para poder girar a Harriet, quando ela terminou o túnel no sentido leste. Um disco de teflon de quase 11 m de diâmetro, 1,7 m de altura e pesando 120 t serviu de mesa giratória ao escudo de 2 mil t, que foi desmontado da unidade posterior de 120 m. O giro de 180° levou nove dias. Em seguida, o escudo foi montado na unidade traseira durante dois meses – para escavar o túnel gêmeo no sentido oeste.

Nesse meio tempo, o solo-cimento armado foi usado para o pré-tratamento de três das cinco passagens transversais. Nas duas restantes, situadas em solo com água, a solução foi empregar o congelamento artificial do solo. Um anel especial de 2 m de espessura foi criado para congelar o solo, através de tubos e solução salina em ponto próximo ao congelamento. Nesse caso, uma comporta de aço foi instalada para vedar a entrada d’água nos túneis principais em caso de emergência.

A montagem eletromecânica foi iniciada em março, com expectativa de se mobilizar mais 150 homens em junho, elevando o total para 600. Os testes operacionais dos túneis estão programados para dezembro próximo. A obra usufrui de boas relações com a comunidade do entorno e atingiu três milhões de homem-hora sem acidentes graves.

Fonte: Revista O Empreiteiro

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