Um encontro com Burle Marx

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Nildo Carlos Oliveira

Ao circular, no mês passado, por uma dessas ruas da periferia paulistana, dei com Roberto Burle Marx, um dos maiores paisagista do século passado e um dos grandes artistas plásticos que conhecemos. Jamais imaginaria que depois de seu falecimento, ocorrido em junho de 1994 no Rio de Janeiro, quando ele completara 84 anos de uma vida ligada aos maiores artistas e arquitetos brasileiros, viesse a encontrá-lo e, curiosamente, naquelas circunstâncias.
Mas lá estava ele, com a clareza de sua inteligência refletida em uma de suas obras – Itaúna, em nanquim sobre cartão, com o traço marcante, a reflexão e o equilíbrio de um homem que ama a vida. O quadro, em moldura suja de pó, fora atirado no lixo. Conferi a assinatura dele e a série do trabalho, número 56/60, escritos a lápis. Apanhei o quadro e o encaminhei para os cuidados devidos: a limpeza da moldura, a troca do vidro que estava quebrado e outras providências para preservar o legado.
Burle Marx, que nasceu em São Paulo, mas viveu no Rio de Janeiro e se tornou um cidadão e artista do mundo, deixou a identidade de sua inteligência em cada uma das artes em que desenvolveu suas aptidões: paisagista, desenhista, pintor, tapeceiro, ceramista, escultor, pesquisador e até criador de modelos de jóias.
Em fins da década de 1920 estudou pintura na Alemanha e se encantava, a cada passo, com o Jardim Botânico de Berlim. Mais tarde aproveitaria essa experiência nos projetos de paisagismo que conceberia no Brasil. O primeiro projeto paisagístico que desenhou, destinou-se a obra concebida por Lúcio Costa e Gregori Warchavchik, em 1932.
Muitos viam os trabalhos paisagísticos do mestre como resultado de uma composição buscada na simplicidade. Alguns diziam: "Assim, até eu poderia fazer." Mas não fizeram. E nunca o fariam, porque não tinham o alcance transformador da sensibilidade do artista, que sabia recriar o ambiente em que intervinha, mantendo o colorido natural das coisas brasileiras.
Ele consagrou-se na cumplicidade com as melhores inteligências de sua época. Elaborou, por exemplo, o projeto paisagístico do edifício-sede do Ministério da Educação e Saúde do Rio de Janeiro, que, nascido nas mãos de Lúcio Costa, Carlos Leão, Oscar Niemeyer e Affonso Eduardo Reidy, tornar-seia o ícone da arquitetura moderna brasileira.
Burle Marx elaborou o projeto do paisagismo do eixo monumental de Brasília e do Aterro do Flamengo e, dentre outros numerosos trabalhos, fez também o paisagismo que emoldurou o Hotel Nacional, em São Conrado, no Rio de Janeiro. Esse hotel entrou em processo de decadência e está desativado. Agora está sendo colocado à leilão, com lance mínimo de R$ 118 milhões, na expectativa de que seja restaurado, com o belo projeto de paisagismo de Burle Marx, para a Copa de 2014 e para a Olimpíada de 2016.
O quadro Itaúna, de Burle Marx, que encontrei em lugar inadequado, resultado da indigência intelectual de quem decidiu atirá-lo no lixo, está, agora, preservado, em homenagem ao artista brasileiro.

Fonte: Estadão


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