Um salto para integração

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Se, há 10 anos, alguém dissesse a um ferroviário de carreira que o futuro da ferrovia no Brasil estaria no transporte da carga geral de alto valor agregado, como produtos industrializados, carne e frango congelados, cerveja, autopeças e suco de frutas, entre outros, certamente ouviria que aquela afirmativa era um absurdo. E seria acusado, no mínimo, de desconhecer a natureza e a vocação do transporte ferroviário. E quem poderia dizer que esse ferroviário estava errado? Afinal, as estradas de ferro brasileiras, historicamente, tiveram suas atividades focadas no transporte de grandes volumes com baixo valor agregado, como commodities agrícolas, minério e produtos siderúrgicos – consideradas cargas cativas da ferrovia – em grandes distâncias e para fluxos concentrados (em termos de origens e destino). Por conta dessa “vocação natural”, o trem era considerado um meio de baixíssima competitividade, deixando a carga geral e o transporte ponto-a-ponto a cargo de outros modos de transporte, principalmente do caminhão.

Mas partir da privatização das malhas que integravam a gigante estatal Rede Ferroviária Federal, em 1998, essa realidade vem mudando. Hoje, a ferrovia assumiu uma postura mais competitiva, se impondo como integrante de uma cadeia logística ampla, envolvendo os diversos modos de transporte. Ano após ano, o mix de produtos transportados sobre trilhos no País vem se diversificando. E boa parte do mérito dessa mudança de paradigma cabe à América Latina Logística (ALL). A empresa, que nasceu como concessionária da antiga Malha Sul da Rede, assumiu o desafio de ultrapassar os limites da faixa de domínio da ferrovia, ampliando sua carteira de clientes, promovendo a integração do transporte sobre trilhos com os diversos modais. Assim a empresa conseguiu tornar o transporte ferroviário uma alternativa atraente para donos de cargas de diversos segmentos industriais.

O passo definitivo nessa direção aconteceu em 2001, quando a ALL incorporou os ativos da Delara, empresa de transporte rodoviário, dona de extensa frota de caminhões, inúmeros armazéns, centros de distribuição e detentora de know how em transporte intermodal. Sete anos depois, os resultados desta estratégia estão se materializando.

Para se ter uma idéia, só em 2007, a área de negócios da ferrovia, voltada para o transporte de produtos industrializados, registrou um crescimento no volume transportado de 13,4% em relação ao ano anterior. No mesmo período, o aumento dos fluxos intermodais foi de 15%. Em termos de transporte ferroviário, cujos resultados de investimentos são sempre de maturação demorada e cujas transformações acontecem lentamente, isso pode ser considerado um “espetáculo de crescimento”.

E, para espanto dos ferroviários mais conservadores, hoje a ALL exibe em sua lista de clientes nomes de algumas das maiores empresas do País, como Cargill, Bunge, AmBev, Unilever, Votorantim, Scania, Petrobras e Gerdau.

Seus serviços logísticos incluem o desenvolvimento de projetos customizados, movimentação nacional e internacional door-to-door, coleta e distribuição urbana, gestão completa de armazéns, centros de distribuição e estoques, entre outras. A empresa ALL, hoje uma consolidada empresa de logística, voltou seu foco principalmente para o Mercosul, e para isso conta com uma estrutura que inclui mais de 70 unidades instaladas em várias cidades do Brasil, Argentina, Chile e Uruguai, em pontos estratégicos para embarque e desembarque de carga.

O fluxo mais expressivo é entre São Paulo e Buenos Aires, com 1.200 km, com trens circulando cinco vezes por semana e 5.000 contêineres transportados por mês nos dois sentidos. A meta da ferrovia, no entanto, é duplicar esse volume em pelo menos três anos, mesmo com a competição agressiva dos caminhões.

R$ 3 bilhões nos próximos cinco anos

Bernardo Hess, presidente da ALL, afirma que a meta da empresa agora é triplicar as operações, investindo pesado no mercado de São Paulo, maior centro produtor industrial do País, ampliando assim sua área de cobertura em uma região que engloba mais de 75% do PIB do Mercosul.

Para esse fim, a ALL deverá investir em seu sistema nada menos que R$ 3 bilhões nos próximos cinco anos. O valor é o mesmo empregado há dois anos na compra da Brasil Ferrovias, que corta o território paulista. Essa aquisição foi fundamental para o projeto de expansão.

Dos R$ 3 bilhões a serem investidos, grande parte irá para obras de recuperação da via permanente, com troca de dormente, trilhos e fixação, e requalificação de obras de arte, como túneis e viadutos. Serão trocados nada menos que 30 mil t de trilhos.

Um dos desafios da ALL é o transporte de contêineres empilhados, que aumenta expressivamente sua produtividade, mas que hoje é impossibilitado por conta do gabarito dos túneis de boa parte da ferrovia. A idéia, portanto, é ampliar a altura da seção dos túneis em trechos específicos.

O principal trecho, objeto de intervenções, é o que corta a região de Araçatuba (SP). A reforma completa do trecho começou em novembro de 2007, para capacitar a linha a receber as locomotivas modelo C30, mais pesadas, com maior capacidade de tração. As reformas estão divididas em três etapas: a primeira no trecho entre Rubião Júnior e Bauru, com 115 km. O término das obras deve acontecer no final de 2008. A segunda fase abrange o trecho de 237 km, entre Bauru e Araçatuba. As obras foram iniciadas em junho e deverão ser concluídas ao final deste ano. A terceira fase, entre Araçatuba e Três Lagoas, são 177 km de obras, com finalização prevista para abril de 2009.

Além da via permanente, os recursos serão direcionados para a reforma e aquisição de 1.500 vagões, 50 novas locomotivas, modernização de sistemas operacionais e para melhorias de interface com outros modos de transporte, através de terminais intermodais de transbordo e estruturas de carga e descarga.

Como resultado dos investimentos, já em 2008, é previsto um aumento de 40% no volume de produtos industrializados transportados, em relação a 2007, com destaque para o transporte de cargas nos segmentos de construção, contêineres, siderúrgicos e florestais. A proposta é oferecer um modal seguro e de baixo custo logístico para os clientes.

No segmento de construção, a expectativa corresponde a um volume de 500 mil t no primeiro ano. A ALL terá dois focos: os insumos para abastecimento das cimenteiras e a distribuição do produto acabado, com a construção de Centros de Distribuição (CDs) ao lado da linha férrea.

“Antes da operação da ALL, os insumos das cimenteiras eram transportados inteiramente por rodovia, reduzindo as margens dos clientes. Hoje, já realizamos uma operação casada para a Cosipa e a Votorantim Cimentos, em que os vagões que abastecem a planta da Cosipa com calcário ta

mbém levam escória para a Votorantim, em um volume mensal de 70 mil t”, afirma Bernardo Campos, diretor de Produtos Industrializados da ALL.

No segmento de produtos acabados, a ALL e Votorantim Cimentos inauguraram em fevereiro o primeiro Centro de Distribuição ferroviário no Mato Grosso do Sul, onde 5 mil t de cimento ensacado da fábrica de Corumbá (MS) são levados por ferrovia até o CD em Campo Grande.

Para a área de papel e celuloseo, a ALL assinou contrato para o escoamento da produção da nova fábrica da VCP, em construção em Três Lagoas (MS). Os fardos de celulose serão transportados rumo ao Porto de Santos em operação 100% ferroviária já no segundo trimestre de 2009, graças a um ramal ferroviário que está sendo costruído, ligando o novo site às linhas da ALL. O contrato, que prevê a movimentação de 1,2 milhão de t/ano e o desenvolvimento de um projeto especial de vagão, servirá de base para a captação de novos clientes do segmento. A parceria envolverá investimentos de R$ 250 milhões em vagões, via permanente e locomotivas.

Além do produto acabado, a ALL planeja viabilizar um corredor florestal para abastecer as fábricas de papel e celulose de São Paulo com o eucalipto plantado no Mato Grosso do Sul. Tendo em vista o baixo valor agregado do insumo, o frete mais baixo da ferrovia se torna o principal diferencial para o sucesso da operação.

Conteinerização urgente
Em todo o mundo, o contêiner é um forte aliado da ferrovia no transporte de carga geral. Aqui no Brasil não poderia ser diferente. Mas a utilização dessa “embalagem” em fluxos domésticos ainda se encontra numa fase muito inicial. Por isso, a partir desse ano, o desenvolvimento do transporte por contêiner deverá ser uma das prioridades da ALL.

Para isso, a ferrovia firmou uma parceria com a empresa belga Katoen Natie, na qual estabeleceu, inicialmente, um fluxo mensal de 2.400 TEUs (unidade de medida internacional correspondente a um contêiner padrão de 20 pés), de Paulínia (SP) até o Porto de Santos. “Começamos com dois trens por semana e em junho passamos para um trem por dia. Será um grande passo no mercado de São Paulo”, diz o diretor de Industrializados da ALL.

Os principais produtos a serem transportados em contêineres são de alto valor agregado como carros, o que configura a tendência mundial. Renault, Ford e General Motors abandonaram parte dos caminhões que levavam e traziam veículos da capital argentina e optaram pelos trens.

Na verdade, o transporte de carros zero km foi praticado pela extinta Rede Ferroviária há cerca de na década de 60, mas a ferrovia acabou perdendo essa carga por conta dos elevados custos de seguro dos veículos, que eram sistematicamente depredados em suas passagens por cidade à beira da linha. O grande desafio da ALL agora é captar de volta essa carga nobre, o que só conseguirá se comprovar competência, rapidez, confiabilidade no cumprimento de horários e custos competitivos. O desafio está lançado.

Além de se dedicar à expansão dos seus negócios, a ALL criou fama, entre as ferrovias brasileiras, de ser extremamente cuidadosa com a sua imagem. Locomotivas sempre limpas e com pintura renovada, vagões bem cuidados e funcionários bem equipados contribuem para que a ferrovia “fique bem na foto”, o que é um importante reforço de marketing. Veja nas próximas páginas uma amostra do que a ferrovia rende em termos de imagem.

Fonte: Estadão


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