Uma história de 45 anos

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Nildo Carlos Oliveira

A entidade possui, hoje, 115 empresas associadas, responsáveis, juntas, por um faturamento da ordem de R$ 20 bilhões no ano passado. Independentemente do peso da participação em termos de contribuição direta para o Produto Interno Bruto (PIB), as empresas que formam o corpo da Associação Brasileira de Engenharia Industrial (Abemi) respondem por mais de 200 mil empregos diretos, somando, com os indiretos, mais de 600 mil empregos.
O grande e novo salto das empresas desse segmento da engenharia brasileira ocorreu basicamente a partir de 2003, quando o governo tomou a decisão de reorientar investimentos para priorizara indústria nacional, sobretudo naquele campo, reativando estaleiros e determinando que plataformas submarinas de petróleo voltassem a ser produzidas aqui. A decisão veio no bojo de uma política que deu prioridade à expansão e modernização das reinarias em operação, e à implantação de outras, no Norte e Nordeste, destinadas a assegurar a implementação de programas de investimentos da Petrobras.
O cenário é positivo. E inflete a posição de um segmento que começou a sua história há 45 anos, quando o quadro social da entidade era constituído por apenas 12 empresas: Brown & Root Engenharia e Construções; Chicago Bridge S. A. Engenharia e Construções; Contecsa – Consórcio Techint-Sade; Empresa Brasileira de Engenharia (EBE); Enir Engenharia; Montreal Montagem e Representação Industrial; Sade Sul-Americana de Eletrificação; Servix Engenharia; Setal – Koppers Engenharia e Montagens Industriais; Techint – Cia. Técnica Internacional; Tenenge – Técnica Nacional de Engenharia e Zade S. A. Engenharia, Projetos e Instalações. Quando a Abemi emergiu no mercado da engenharia brasileira – maio de 1964 – resultado do esforço de um grupo de pioneiros, o Brasil e o mundo eram muito diferentes do Brasil e do mundo de hoje. Apenas a título de lembrança, vamos relacionar aqui alguns fatos.
Naquele ano mudou o eixo político brasileiro com o golpe militar: o presidente João Goulart foi deposto e o Marechal Castello Branco assumiu o poder. A inflação estimada, na época, era de 90%. O País contabilizava 1 milhão de veículos (automóveis e caminhões) fabricados aqui. Naquele ano foi criada a chamada Obrigação Reajustável do Tesouro Nacional (ORTN); foi revogada a Lei de Remessa de Lucros de 1962 e uma emenda constitucional prorrogaria o mandato de Castello Branco até 15 de março de 1967. Atos institucionais abriram o campo para as cassações de mandatos políticos, inclusive de uma personalidade como JK.
No mundo, espocavam acontecimentos dramáticos ou curiosos em diversas áreas de atividades. Por exemplo: na Inglaterra, a estilista Mary Quant lançou a minissaia e a África do Sul, que no ano que vem abrigará a Copa do Mundo, fora excluída dos Jogos Olímpicos por conta da segregação racial. O Muro de Berlim, que dividiu a Alemanha no pós-Guerra e que só cairia em 1989, teve uma pequena abertura: somente pessoas com mais de 65 anos poderiam transitar por ali. E Charles de Gaulle, que visitara o Brasil naquele ano, seria reeleito presidente da França em 1965. O mundo estava longe das mudanças que viriam posteriormente no bojo da revolução provocada pela globalização.
O primeiro presidente da Abemi, eleito no dia 23 de maio de 1964, foi João Batista de Campo Maia. Ele representava a associada Sade Sul Americana, da qual se desligou em dezembro de 1966 para assumir a vice-presidência da Cesp.
Além de João Batista, os demais pioneiros da engenharia industrial foram: Derek Parker e homaz Magalhães (Montreal); Carlos Eduardo Paes Barreto (Setal); Geraldo César de Oliveira Penna (Chicago Bridge); Antônio Maurício da Rocha (Tenenge); Erasmo Moura (Servix); Alfredo Rubens Genari (Enir); Guilherme Soares Caldas (Zade); Andrea Carbonara e Socrate Mattoli (Constecsa); Cássio Damazio (EBE); Leon Ravinowich (Brown & Root) e Giorgio Annibale Gras (Techint). São nomes aos quais se somariam Manoel Lopes, Aílton Antoniazzi, José Luiz do Lago, Fernando Couto Marques Lisboa, David Fischel, Roberto Mendonça, Cristiano Kok, Ricardo Pessoa, dentre outros que continuam a nortear a história da entidade. Hoje ela se encontra sob a presidência do engenheiro Carlos Maurício Lima de Paula Barros, formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro em 1969.
Carlos Maurício, que desenvolveu sua carreira profissional nos quadros da Montreal, ficando na vice-presidência executiva até 1995, é atualmente diretor superintendente da Empresa Brasileira de Engenharia (EBE) e presidente da Empresa Brasileira de Solda Elétrica (EBSE). No depoimento a seguir, ele conta um pouco da história da Abemi, destacando que as atividades das empresas associadas estão intimamente relacionadas com o desenvolvimento da economia do País. É uma história onde tudo se entrelaça, até porque nenhuma atividade é uma ilha.

Revista O Empreiteiro a abemi no passado e a abemi no presente. o que distingue a entidade de ontem da entidade de hoje?

Comecei a participar da Abemi nos anos 80. Ela mudou assim como o País e, de forma específica, a engenharia industrial também mudou. Ela foi fundada há 45 anos por 12 empresas da área da engenharia de montagem industrial, o que explica o M no nome de nossa sigla. Daquelas 12 empresas que fundaram a entidade, somente duas, hoje, se encontram na ativa: a Techint e a EBE. As demais desapareceram, algumas antes e, outras, na década de 1990. Montreal e Sade são exemplos do que aconteceu com algumas daquelas empresas.
As nossas associadas espelham diversos períodos da vida brasileira. Veja: nós tivemos o chamado "milagre" dos anos 70, quando houve aquele boom da siderurgia, das refinarias e de outros empreendimentos de grande porte. Depois, vieram os anos 80, quando começou a agonia provocada pela inflação e pela falta de investimentos. Houve a crise do petróleo e, depois, os diversos planos econômicos. A soma disso tudo resultou no que chamamos de "década perdida".

mas, mesmo naquela época houve algumas obras importantes...

Sim. Podemos citar, como obras de expressão, as plataformas construídas para operar na Bacia de Campos. As empresas que estavam trabalhando nesse segmento de mercado, ainda se seguraram por algum tempo, mas não por todo o tempo. Tivemos os planos econômicos – plano em cima de plano – e cada um com a sua carga de prejuízo enorme para as empresas. Caminhamos assim até a década de 1990 – tempo do governo Fernando Collor. Continuou a escassez de investimentos e, consequentemente, a falta de obras. Entramos na recessão e as empresas de nosso segmento começaram a desaparecer. Aquelas que não desapareceram, foram vendidas, mudaram de razão social ou migraram para outras atividades, na tentativa de sobrevivência.

Posso dizer que as condições da economia impostas nas décadas de 80 e 90 dizimaram a engenharia industrial brasileira. E não só a engenharia industrial, mas a engenharia como um todo. As empresas de projeto, por exemplo, não tiveram como sobreviver. Aquelas da área da construção pesada que conseguiram se manter, sobreviveram e prosperaram porque foram fazer obras no Exterior. Mas as empresas de engenharia industrial não tiveram fôlego para isso. Afirmo, sem nenhum receio de equívoco, que a década de 90 nos fez literalmente andar para trás. Somente ao final desse período é que constatamos o indício de uma pequena retomada.

Quando, efetivamente, começou, digamos assim, a "ressurreição" da indústria nacional nessa área?

Eu diria que o grande marco da engenharia industrial, a partir desse indício de retomada, foram as plataformas P51 e P52, em 2003, já no governo do presidente Lula da Silva. Naquele momento da vida brasileira, ele disse que as plataformas começariam a ser fabricadas no Brasil. Na década de 90, somente três – veja você – somente três plataformas de grande porte foram feitas no País: a P19, a P31 e a P34. Mas o Brasil participou, nessas obras, apenas com a mão-de-obra, porque todo o material e equipamento vieram de fora. Nessa fase, a indústria nacional ainda estava dizimada. Até as conversões de cascos de navios para serem utilizados pela Petrobras eram realizadas fora do País.
Depois que o governo brasileiro sinalizou que as plataformas passariam a ser feitas no País, começou um forte movimento para a restauração da nossa engenharia naval, que até então se encontrava reduzida à poeira. Não tínhamos nada. Nenhum estaleiro estava em funcionamento. A partir daquela mudança de posição da vontade política do governo, a confiança começou a despontar. Mas as dificuldades para uma recuperação eram imensas. Não estávamos preparados para uma retomada. E, como não havíamos nos preparado com esse fim, a defasagem tecnológica, ao lado da defasagem de competitividade eram amplas. E era natural que assim fosse. Mas tínhamos disposição para o recomeço. E recomeçamos.

Hoje, com a retomada, a engenharia industrial vem recompondo os seus quadros técnicos?

Primeiro, falemos das plataformas, nesse processo de recomeço. Elas hoje têm um conteúdo nacional da ordem de 65%. Já as reinarias têm 82% de conteúdo nacional. Se o governo não adotasse as providências que tomou, tudo ainda estaria vindo de fora, pois o parque industrial do País, nesse segmento, estava sem competitividade. A decisão do governo permitiu que as empresa acreditassem e investissem. E as empresas de fora que vieram para cá teriam de se instalar efetivamente, como muitas o fizeram, ou se associassem a empresas locais, mas colocando seus recursos técnicos e humanos em favor do desenvolvimento da engenharia industrial do País. Isso viria a favorecer a cultura técnica, coisa que até então deixara de existir. As exigências para favorecimento de um conteúdo nacional levariam as empresas que para aqui viessem, a estabelecer parcerias com empresas brasileiras e a disponibilizarem os seus recursos e o seu know how.
A retomada de nossas atividades está permitindo a recomposição, sim, de nossos quadros técnicos, e as empresas de nosso segmento se caracterizam por um padrão de qualidade e de competitividade que não se via há pelo menos dez anos.

sim, mas e o capital humano? como foi ou está sendo possível formá-lo, considerando a grande defasagem no processo?

Isso exigiu das empresas, em particular, e da engenharia industrial, como um todo, um esforço extraordinário. Como na década passada não teve investimento, não houve formação alguma de pessoal. Então, com essa retomada, ou tínhamos pessoal muito "sênior", ou muito jovem. Constatamos um abismo entre o pessoal que tinha de 20 a 30anos e aquele que tinha 50 ou mais. Pessoal de 30 ou 40 anos, nível gerencial, que poderia estar no auge da carreira, não existia. Não havia como preencher esse vazio provocado pelo apagão que ocorreu na inteligência da engenharia. No processo que deveria ser natural, os mais velhos iriam saindo, dando lugar aos mais novos e assim por diante. A recomposição seria, assim, uma rotina.
Só a muito custo é que atualmente pudemos recompor equipes e nos considerarmos capacitados para um novo ciclo de desenvolvimento, não apenas nos empreendimentos de petróleo e gás, mas nas áreas de papel e celulose, petroquímica e mineração.

Mas ainda existe um hiato, nesse processo, ocasionado pela crise financeira internacional recente…

Antes de falar sobre isso, gostaria de acentuar que o que a Petrobras está investindo atualmente dez vezes mais do que ela investia no começo da década. Isso explica porque a engenharia industrial brasileira está se recuperando e porque o faturamento das empresas associadas, no ano passado, foi da ordem de R$ 20 bilhões.
A atual diretoria da Abemi tomou posse no ano passado com a presença da diretoria da Petrobras representada pelo presidente da estatal, José Sérgio Gabrielli. Já então a Petrobras manifestara preocupação referente ao potencial das empresas associadas para realizar os empreendimentos que estavam previstos. Ocorre que àquela altura já havíamos adotado algumas medidas para fazer frente a isso. Tanto é que havíamos organizado um processo que já treinou 80 mil pessoas para trabalhar nessa área.
Além do que, se olharmos para o passado, vamos verificar que em nenhum momento a engenharia nacional poupou esforços, quando convocada, para se preparar e realizar obras. Se não estava preparada, começava de imediato a preparar-se. Foi assim na fase da construção das primeiras plataformas para a Bacia de Campos, foi assim em Itaipu, ponte Rio-Niterói e na etapa de tantas outras obras importantes para o desenvolvimento brasileiro. Desde que haja investimentos e nos deem condições do ponto de vista de planejamento e segurança, nós nos preparamos.
Quanto à crise financeira global, gerada lá fora, ela nos atingiu, sim. Houve paralisações nos segmentos de açúcar, álcool, etanol, papel e celulose, exceção das obras da Comperj, do Renest, da CSA e de outras. A Vale reduziu substancialmente seus níveis de investimentos. Contudo, foram preservados os empreendimentos da Petrobras, que para surpresa de muitos, até aumentou em 55% os investimentos previstos. Com isso, as nossas empresas associadas têm na estatal praticamente seu maior cliente. Mas um cliente que está aplicando 91% de seus investimentos em obras no País. É por isso que a maior parte das nossas empresas, apesar da crise, continuam numa situa&ccedil

;ão saudável.

E como está a reestruturação da entidade?

É um processo permanente. A Abemi se reestruturou, a partir do ano passado, e deixou de ser uma associação apenas de empresas de montagem. Nelas estão se associando empresas de montagem, de construção civil, de engenharia de projetos, fabricantes de equipamentos, empresas de manutenção e empresas de EPC, aquelas que fazem os projetos de engenharia integrada. E aqui a crise se manifesta de forma distinta para essas empresas. Aquelas do segmento de fabricação de equipamentos, que têm contratos de curta duração, estão sofrendo muito, porque seus contratos estão terminando e não há reposição. Elas se distinguem daquelas que têm obra que demora dois anos. A sequência é a seguinte: temos empresas de engenharia de projeto; aquelas de materiais e equipamentos; as da construção civil e, depois, as empresas de montagem. A engenharia de projetos já vem sentindo bastante. As nossas associadas com concentração estratégica de suas atividades nos segmentos que estão sendo paralisados ou já pararam, tiveram de diminuir seus efetivos a menos da metade. Há empresas aqui, com representação na diretoria, que no final do ano passado já tinham reduzido um efetivo de 6 mil trabalhadores, para 2 mil.

Mas, e os propalados fundamentos bons da nossa economia? Em que medida a crise os desmistifica?

Acreditamos que a crise vai acabar. Quando você vê os especialistas falando sobre economia e a crise, a gente até pensa que ela já acabou. Alguns sustentam que ela só acabará depois de 2010. Mas falem eles o que quiserem falar, o fato concreto é que o País, pelo menos desta vez, tem fundamentos muito bons, sim.
A engenharia está sentindo os efeitos dessa situação, mas sabemos que ela é diferente daquela de ocasiões anteriores. Acredito firmemente no seguinte: a gente só sai de uma crise como esta, com investimentos. Recentemente a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, disse que o Programa de Aceleração do Crescimento, o PAC, vai ser acelerado. Tem de acelerar mesmo. Não há outro jeito.
Contudo, é importante reconhecer: há investimentos que não estão deslanchando com a velocidade que deveriam, como esses lá da Reinaria do Nordeste e mesmo aqueles das obras do Comperj. Constatamos também que há dificuldade de crédito e que isso não atinge somente as pequenas e médias empresas. Atinge a todas, uma vez que a crise atingiu sobretudo, os bancos.

Como pode ser avaliada a contribuição da abemi para a engenharia industrial brasileira?

A engenharia é um bem estratégico do País. Diz respeito à soberania nacional. Não fossem as empresas associadas, acredito que a Petrobras não teria atingido a auto-suficiência do petróleo. Grande parte dessas plataformas que aí estão produzindo, foi construída pelas empresas associadas. Desde Garoupa, Enchova, Namorado, etc. Não fosse a prioridade conferida recentemente às empresas nacionais, Petrobras não estaria conseguindo desenvolver os seus planos. Como o preço do petróleo foi a US$ 140 dólares o barril, todas as empresas do mundo, ligadas a essa área, estariam cheias de encomendas e talvez não estivessem dando preferência ao Brasil.
Mas, A Petrobras, naquele momento, se assegurou de que as empresas nacionais poderiam se capacitar tanto para as obras que ela desenvolveria tanto no mar quanto em terra – as reinarias. A grande contribuição de nossas associadas é no campo da tecnologia – área em que elas nada devem às empresas lá de fora. E, aqui, têm plena condição de desenvolver prioridades estratégicas, sem depender dos outros. Enfim, estamos capacitados para as obras do pré-sal.

Há, na sua fala, um pouco de conteúdo nacionalista? o senhor é nacionalista?

Sou nacionalista. Ser nacionalista não é ser protecionista. O que vejo nos outros países e que eles dão prioridade aos filhos da terra. Eu acho que aqui temos de fazer a mesma coisa. Não quero dizer com isso que vamos fazer o que já foi feito no passado – fechar as barreiras à competição e à competitividade, porque aí o País não anda, fica travado. Devemos manter o País aberto, mas permitindo a nós, brasileiros, oportunidades iguais, seja do ponto de vista de impostos, seja do ponto de vista de taxas de juros de financiamento. E precisamos ter também condições seguras para planejar e investir. Se tivermos essas condições, poderemos até nadar de costas. O Brasil conseguirá desenvolver seus projetos, seus investimentos, a valores competitivos. Se estamos conseguindo aumentar significativamente a parcela de conteúdo nacional, é porque estamos tendo competitividade.

Fonte: Estadão


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